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Aramis

Cocaco, 20 anos depois...

Mais do que uma vernissage, entre tantas que semanalmente acontecem em Curitiba, a abertura da mostra "209 anos depois...". que um grupo de artistas plásticos organizou e praticamente financiou na galeria de arte Cocaco teve um sentido de (re)encontro de amizades, que fez com que não só nomes colunáveis, mas, o que é importante, pessoas que há muito não compareciam às exposições de artes plásticas - cada vez mais comercializadas, num mercantilísmo necessário de ser denunciado de ser denunciado - ali fossem, com pouco de emoção. Para quem conheceu a primeira sede da Cocaco, que Ennio Marques Ferreira, Manoel Furtado e Loio Pérsio, inaugurada com uma mostra deste último, então no início da carreira, hoje um nome internacional - na rua Ébano Pereira, há 22 anos passados, por certo sabe que esta galeria tem muitas estórias para registrar. Em termos de galeria de arte, destinada exclusivamente ao comércio específico de quadros, desenhos, esculturais, etc - foi a primeira a se instalar em Curitiba - e por isto, em seus dois primeiros anos nunca apresentou saldo positivo para seus idealistas, jovens e esforçados proprietários. Em compensação, tornou-se um ponto de encontro de toda uma geração de inquietos e criativos artistas plásticos, jornalistas, escritores e mesmo simples interessados - que, nos finais de tarde, reuniam-se na pequena loja da rua Ébano Pereira, ao lado de uma casa de discos próximo a dois bares - dos quais hoje só resta a saudade: o Jockey e o do Zanke. E, invariavelmente, as conversas que começavam no pequeno espaço da Cocaco, prosseguiam em mesas daqueles bares, em saudáveis boêmias, nos diálogos de coração aberto, de amizade que se tornaram sólidas e assim permanecem, mesmo com a separação geográfica e do tempo. Este espírito descontraído, de encontro de amigos, de artistas sensíveis, felizmente soube ser mantido, por muito tempo, por Eugenia, quando seu pai, o Sr. Pedro Kuratcz (1909-1977), imigrante ucraniano que sempre trabalhou com a fabricação e artesanato em madeira, a adquiriu, a 27 de maio de 1959. Eugenia, estudante de piano na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, procurou equilibrar o lado artístico - com exposições regulares, a partir da primeira individual que ali realizou (óleos da sra. Ida Hanneman de Campos, 14/11/1959) com a venda de objetivos talves não tão artísticos, mas que possibilitaram a sobrevivência do endereço - que só se transferiu para a Praça Osório, 27, quando o velho casarão onde ocupava um pequeno espaço, foi demolido para dar lugar a um edificio-garagem. Em 1970, finalmente, passou para a sua sede atual na rua Comendador Araújo e se hoje a Cocaco é uma organização empresarial que inclui fábrica de móveis e duas lojas, com exposições mais raras, já que após a morte do Sr. Pedro, sentida por todos que o conheceram, Eugenia, seu marido - Demetrio Petriu - e o seu irmão Basilio, tiveram que assumir os encargos executivos do setor industrial, o espirito, a lembrança, do final dos anos 50 e toda a década de 60, permanece , indelével, na memória daqueles que freqüentavam a galeria - e, invariavelmente, prosseguiam em artísticas e saudáveis boêmias, na Curitiba mais humana, tranqüila e romântica de 20 anos passados. Se Juarez Machado, hoje um nome nacionalmente admirado, não pode comparecer nesta inauguração, houve a alegria de velhos amigos reencontrarem, na quarta-feira à noite, a figura querida de Franco Giglio, italiano de Dolce Acqua, que um dia passou por Curitiba, aqui parou por dois dias a caminho de Porto Alegre, mas que por justamente conhecer um grupo de artistas que se reuniam na Cocaco acabou ficando por quase 20 anos. E quando foi para a Itália, em 1973, levaria um pouco da Cocaco, ao casar-se com Rosely, jovem e simpática assessora de Eugenia, na administração de sua galeria. De volta agora a Curitiba. Franco e Rosely se emocionaram, inesperadamente, ao verificarem que a comemoração dos 20 anos da Cocaco foi um pouco, também de suas próprias presenças - embora tenha havido uma feliz - e muita feliz - coincidência. Afinal, no início dos anos 60 quando Cleto de Assis, então dividindo seu talento entre a criação de jóias, a execução de projetos gráficos e editoriais, freqüentava a Cocaco - e logicamente, as gostosas esticadas no bar Jockey e do Janke, jamais imaginaria que quarta-feira ao comparecer na exposição coletiva "20 anos depois", seria o Secretário de Comunicação Social do governador Ney Braga, que o tem - com toda razão - como um de seus mais eficientes auxiliares diretos. Fernando Calderari, hoje diretor da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, João Osório Brezinski, Fernando Velloso - diretor do Museu de Arte Contemporânea e coordenador do Setor do Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria da Cultura e Esportes, Érico da Silva e Wilson Andrade e Silva - hoje dois dos mais bem sucedidos profissionais que podem se dedicar exclusivamente às artes plásticas, como tantos outros, curtiram tempos de dureza mas muito entusiasmo - na Cocaco dos tempos da Ébano Pereira. E, dezenas de outros nomes poderiam ser lembrados - numa crônica que, mais do que nós, o bom amigo e colega Aurélio Benitez, especialista do setor, pode - e deve transformar em livros. Aqui apenas fica o registro - mais uma vez com emoção - de que a iniciativa de Érico da Silva, Fernando Calderari, Natônio Arney, Velloso, Helena Wong, Ida de Campos, João Osório, Renato e Domicio Pedroso, Sofia Diminski, Suzana Lobo, Wilson de Andrade e Silva e mesmo Poty Lazzarotto - este há mais de 30 anos no Rio, mas que também participou de muitas mostras na Cocaco, em praticamente patrocinarem uma coletiva, bem organizada, com um catálogo de excelente nível, teve um sentido muito mais do que comercial. Foi um momento especial da memória de cada um - num espírito de confraternização que, esperamos, seja compreendido por tantos outros artistas de talento que em diferentes fases, passaram pela Cocaco - e cujas coletivas, devem suceder-se, no mesmo espírito, com que foi organizada esta primeira mostra comemorativa. Falar da qualidade dos trabalhos em exposição fica a cargo dos especialistas como Benitez, Adalice Araújo, Nery Baptista e outros - mas basta ter olhos para ver que, em cada um dos trabalhos expostos, houve a preocupação do artista em mostrar o melhor de sua obra. Talvez, raras vezes uma mostra coletiva foi organizada com tanto amor - seja dos "cocaqueiros"- como Eugenia Petrius classifica seus amigos que passaram pela galeria - dos mais antigos e boêmios, aos mais jovens, como a bela Suzana Lobo, que mesmo só vindo a expor mais recentemente, soube entender o espírito com que Érico da Silva e Wilson Andrade e Silva. João Osorio, Calderari e outros decidiram promover esta mostra - em termos sentimentais e de aproximação de pessoas, talvez a mais importante do ano. Hoje, quando Curitiba tem outras galerias de arte, altamente profissionalizadas - como a Acaiaca, que Jorge Carlos Sade dirige com garra e rigoroso senso crítico, e vários outros espaços se abriram para artistas das mais diferentes origens, a Cocaco pode se dar ao luxo de ser mais uma loja de móveis e objetos de arte, na elegante Comendador Araújo, "no bairro chique do Batel", como canta Hilton Valente numa de suas músicas. Mas por certo, há 22 anos passados, quando Ennio. Manoel Furtado e Loio Pérsio decidiram fazer uma loja só para vender óleos, desenhos, gravuras, a barra era outra. É ninguém acreditava que um quadro de um Miguel Bakum. Guido Viaro, Arthur Nisio e mesmo do já falecido, então. Andersen, pudessem, em poucos anos, se tornar obras de grande valorização. Como hoje, adquirir os trabalhos que os nossos bons artistas expõem é um negócio tão bom quanto o melhor investimento na bolsa. Ou melhor: mais seguro e de muito maior prazer estético.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
01/06/1979

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