A bênção, poeta!
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de junho de 1979
Durante pelo menos 10 anos Vinícius de Moraes era uma espécie de Frank Sinatra nacional, em termos de sua presença em Curitiba. Diplomata, poeta, dramaturgo e, sobretudo, o grande letrista da Bossa Nova, Vinícius de Moraes permanecia curtido apenas em disco e livros nos anos 50/60, pois apesar de todos os convites e propostas nunca pode aceitar vir a Curitiba. Antônio Carlos Kraide, há 9 anos, chegou a dirigir um espetáculo, idealizado por uma fanzoca meio amalucada do poeta (cujo nome nem recordamos mais), intitulado "À Benção, Vinícius", que quase chegou a motivar a presença do poeta em Curitiba, para a estréia do espetáculo no auditório Salvador de Ferrante. Na última hora, entretanto, o autor de "Para Uma Menina, Com Uma Flor" acabou não podendo vir.
Assim, quando em dezembro de 1971, há poucas semanas da data prevista para inauguração do Paiol - 27 de dezembro, entre o Natal e o Ano Novo - anunciou-se que não só Vinícius, mas também Toquinho, então seu novo parceiro, Marilia Medalha ("Ponteiro" , "Marta Saré", que defendeu nos festivais da Record, com o autor Edu Lobo) e o Trio Mocotó, houve muitos que não acreditaram. Jamur Júnior e Lais Mann, que na época apresentavam o "Show de Jornal", em pique de audiência na TV-Iguaçu, fizeram até blaque, comparando a anunciada presença de Vinícius no Paiol com as tão propaladas "visitas" de Sinatra ao Rio ou São Paulo.
Mas o poeta e seus companheiros vieram. Vieram e gostaram da cidade, do teatro - a quem dedicaram "Paiol de Polvora" (cantada no show do dia 30, e, em 1972, incluída na trilha sonora de "O Bem Amado", primeira telenovela a cores da Globo) e, sobretudo, ficaram nossos amigos. Vinícius e Toquinho entusiasmaram-se com as idéias de Jaime Lerner - que sempre curtiu o poeta e a boa Música brasileira - de forma que, nestes últimos 8 anos, eles retornaram, por mais 4 ou 5 vezes: na segunda vez, em abril de 1973, já então com Clara Nunes, fizeram duas apresentações no Paiol, numa única noite, em que o teatro quase explodiu de tanto público. A partir de então, as temporadas não poderiam ser mais no pequeno teatro: já organizadas dentro dos Circuitos Universitários, Vinícius, e Toquinho - sempre com Azeitona no baixo e Mutinho na bateria - passaram a incluir suas apresentações no auditório. Bento Munhoz da Rocha Neto, onde desde ontem, fazem nova temporada - desta vez para comemorar os 10 anos de parceria, registrada também no lp da Polygram, lançado há um mês.
Toquinho esteve duas outras vezes no Paiol: com o Quarteto em Cy, em fins de 1974; anteriormente, numa primeira apresentação pública com seu ex-professor de violão, Paulinho Nogueira. Mais do que compositores - interpretes, Vinícius e Toquinho são pessoas maravilhosas, que, como os grandes e reais talentos, sabem unir a simplicidade, a amizade, com a poesia, o amor, a alegria de viver a cada momento "como nunca mais".
De Vinícius de Moraes já se escreveu muito, mas se nosso Pais tivesse mais gente preocupada com sua memória cultural, a bibliografia a seu respeito - fosse apenas biográfica, de elogios ou crítica - já deveria passar de 20 títulos. Infelizmente não há ainda um único (bom) estudo a respeito de sua imensa obra - poética, jornalística, musical; de sua personalidade fascinante, de homem que sempre assumiu integralmente seus amores, suas posições. Se Vinícius de Moraes existe, tudo é permitido, brincou, um dia, seu amigo Nelson Rodrigues, num dialogo da peça "Bontinha Mas Ordinária ou Oto Lara Rezende". Se Vinícius de Moraes existe - e felizmente ele está bem disposto, conservando em uisque e (muito) amor aos 66 anos - há também razão para aprendermos sempre a acordar, com um pouco mais de otimismo, acreditando que - tal como naquela sábia frase "today is the first day of the rest of your life"- o importante é amar, ouvir, cantar - ou ao menos curtir os bons momentos da vida, da música, que, de certa forma, estão em sua obra - com tantos compositores de talento - de Paulo e Haroldo Tapajós, seus primeiros parceiros, ainda meninos - a Toquinho (Antônio Pecci Filho, 34 anos), que há 10 anos está com ele nas estradas do mundo.
Para comemorar os 10 anos de Vinícius e Toquinho, o produtor Fred Rossi, mais do que empresário um grande amigo desta dupla, convocou uma equipe da maior competência: Fernando Faro para a direção, Eliana Elias nos teclados, Pestana (José Albino Pestana de Medeiros) no sax, flauta e clarinete; Azeitona (Arnaldo Alves de Lima) no baixo, Mutinho (Lupicinio M. Rodrigues) na bateria, Papete (José de Ribamar Viana) na percussão e mais o grupo As Moedas, conjunto vocal formado pelas irmãs Lina, Dina e Adi. E se um grupo vocal está com Vinícius, é sinal verde para o sucesso: afinal, foi o poeta quem primeiro lançou aquelas 4 baianinhas: que se tornariam internacionalmente famosas com o Quarteto em Cy.
Escrever sobre Vinícius é mais do que alegria: é emoção, por saber que está novamente na cidade - junto com profissionais que, antes de mais nada, são amigos e seres iluminados por terem o privilegio e a alegria de com ele dividiram momentos do maior significado. Afinal, a receita do poeta para viver um grande amor, é de que, entre outras coisas, ele (e todos nós, devemos imitá-lo) diz num de seus poemas - canções:
"Não ando só / só ando em boa companhia/
Com meu violão / Minha canção / e a poesia/
( >>>) É sempre necessário ter em vista/ Um
Crédito de rosas no florista / Muito mais, mais
que na modista".
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