A missa de Vinícius
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de julho de 1980
Quando Carmem Costa, 60 anos, vestida de branco e com sua voz personalíssima, cantou << Eu Sei Que Vou Te Amar >>, e deixando o altar aproximou-se dos fiéis que lotavam a Igreja da Ordem, na noite de terça-feira, 15, não houve quem não se emocionasse. Ao encerramento da missa de 7.º dia pela alma do poeta Vinícius de Moraes, as palavras do padre Gustavo Pereira, o roteiro entremeando trechos de poemas de Vinícius e a liturgia - preparado pelo << expert >> em assuntos religiosos, Raphael Greca de Macedo, e as músicas interpretadas por Carmem. As Nymphas e Celso Locher, mais o grupo << Arco da Velha >>, sentiu-se, realmente, a beleza da obra do grande poeta que o Brasil perdeu há 9 dias.
O padre Gustavo Pereira Filho, gaúcho de Santa Maria, há mais de 25 anos radicado em Curitiba, capelão da Casa do Estudante Universitário e professor na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Católica, foi dos mais felizes em seu sermão. Demonstrando conhecer a obra de Vinícius - tanto em poesia, como na música, padre Gustavo disse as palavras exatas para os momentos de emoção que marcaram todo o oficio religioso. E o padre Gustavo, respeitado e admirado como um dos mais lúcidos religiosos do Estado, aceitou com prazer oficiar a missa. Afinal, vivendo na CÉU há mais de duas décadas, tendo participação de vários congressos da antiga UNE e acompanhado o período mais inflamado das lutas universitárias, aprendeu a ver em Vinícius de Moraes não apenas o intelectual e diplomata, mas o homem que sempre conseguiu se comunicar com os jovens. Assim, a comparação que o padre Pereira soube fazer entre a religião e a poesia na obra de Vinícius, inclusive, declamando parte de << Operário em Construção >> não foi apenas uma homenagem sincera a um dos homens que teve maior presença na formação de mais de uma geração de brasileiros. A leitura do poema sobre São Francisco - que, agora, musicado, fará parte do elepê que o poeta e Toquinho estavam preparando ainda na semana passada - foi outro dos enternecedores instantes da missa que, no encerramento, teve a crônica << A Música Popular entra no céu >>. que Carlos Drummond de Andrade publicou dia 11 de julho, no << Jornal do Brasil >>, Sansores França e Dante Mendonça leram os diálogos de Deus e São Pedro, a proposito da << autorização para que o poeta adentrasse no céu e, no final, os versos de << Se Todos Fossem Iguais A Você >>, conduzidos em coral por Carmem, as Nymphas e muitos dos presentes, fizeram com que se tivesse na noite de terça-feira uma homenagem realmente digna ao poeta e homem que foi Vinícius de Moraes, amigo inesquecível!
A designação do auditório do Teatro do Paiol com o seu nome, pelo prefeito Jaime Lerner, é medida das mais justas. Afinal, foi o poeta que, a 27 de setembro de 1971, fazendo - ao lado de Toquinho, Marília Medalha e o Trio Mocotó, o show de inauguração daquela casa, sugeriu a Lerner que o nome do teatro fosse mesmo o de << Paiol >>. E, junto com Toquinho, no dia 30 de dezembro no último show em Curitiba, já mostrava << Paiol de Pólvora >>, música que, em 1972, entrou na trilha sonora de << O Bem Amado >> (primeira telenovela em cores da Globo), foi incluída no lp da Som Livre, mas teve sua difusão proíbida nas rádios e espetáculos públicos. A Censura, no auge da repressão, entendeu que os versos que Vinícius fez para a música, composta aliás durante os dias que ficou hospedado no Guaíra Palace Hotel, se referia a mensagem política , especialmente a especialmente a estrofe << estamos vivendo num paiol de pólvora >>.
A solenidade oficial de designação do auditório do Paiol com o nome de Vinícius deverá ocorrer dentro de algumas semanas, possivelmente com a presença de Toquinho e familiares do poeta.
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