Don Quixote na visão do teatro português
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de julho de 1980
A encenação de << Don Quixote >> pelo Teatro Experimental de Cascais (auditório Salvador de Ferrante do Teatro Guaíra, hoje, 21 horas) é mais uma prova de que as obras-primas, resistem ao tempo e as adaptações. Desde que Miguel de Savedra Cervantes (1547-1616) publicou , seis anos antes de falecer o romance << El ingeniosos hidalgo Don Quixote de la Mancha >>, o mesmo vem inspirando as mais diversas adaptações. Para muitos críticos considerado como a maior obra-prima humoristíca da literatura universal, o livro de Cervantes pode ser visto como a sátira contra o romance de cavalaria e sua irresistível mentalidade pseudo-romântica. Para tanto, Cervantes apõe ao idealismo de Don Quixote o realismo de Sancho Pança e faz as aventuras do fidalgo fracassar pela dura resistência do mundo objetivo. Mas a dimensão das idéias de Cervantes ultrapassam a um plano imediato: descobre-se que as aparências e a realidade não são idênticas, mas diferentes e se chocam (os moinhos de vento, o elmo de Mambrino etc). Esse conflito entra as aparências e a realidade é um dos temas principais, senão o tema principal, do romance moderno - o que confere a << Don Quixote >>, uma atualidade, passados quase 400 anos de sua publicação.
Inúmeras adaptações ao teatro e ao cinema já foram feitos em torno desta obra e a que o grupo de Cascais traz agora, a Curitiba, de autoria de Yves jamiaque, pelos aplausos que mereceu do entusiástico público presente na terça-feira, confirma os elogios que a encenação vem obtendo desde sua estréia, a 18 de maio de 1967, em Portugal. Para quem ainda tem na retina as imagens da adaptação que Dale Weisseman e Mitch Leigh fizeram do texto de Cervantes no musical << O Homem da Mancha >> - sucesso na Broadway e no Brasil (interpretado por Paulo Autran e Bibi Ferreira), e levado ao cinema com Peter O`Toole e Sophia Loren - por certo a visão do diretor Carlos Avilez é bastante diversa. Sem abandonar o humor (que se perde, em parte devido a dificuldade de entendimento de certas frases, pelo sotaque lusitano), a encenação tem um sentido simbólico, dramático. Além do profissionalismo (e competência) do numeroso elenco, impressiona a funcionalidade dos cenários - apenas três praticáveis no palco oferecem a cena o ambiente de irrealíquidade << necessário para o desenvolvimento da tragicomédia quixotesca >>, como disse o crítico português Silva Pinto. Outro crítico. Tomaz de Figueiredo, bem lembrou que << antes de escrito, já Don Quixote vivia nos corações, era essência humana, porque nas cabeças não: nelas nunca viverá. a loucura, somente, a dádiva, liberta os corações; isso a que chamam loucuras e chamo doença da Beleza, asas mentais. Antes de escrito, sim, por ser a verdade já o era verdadeiro, pois intemporal e essencial, não tem começo nem fim. e tanto que, no da Triste Figura (no da Formosa Figura) se vêem espelhados os nascidos para derrubar agravos, apertar fracos, beijar crianças, amar: para comungarem de Deus >>. Antônio Marquez (don Quixote), Ruy de Matos (Sancho), Luisa Salgueiro (Dulcinéia) são presenças fortes neste espetáculo de grande beleza e força, que infelizmente, encerra hoje sua temporada. Amanhã, como último programa da temporada que faz em Curitiba, o Teatro Experimental de Cascais estreará << A Maluquinha de arroios >>, de André Brun (1881-1926), autor de numerosa obra (30 livros em prosa e verso), mas que, no Brasil, é praticamente desconhecido.
Enviar novo comentário