Com Cascais, o novo teatro de Portugal
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de julho de 1980
a temporada de Teatro Experimental de Cascais (Guairinha, 21 horas), iniciada ontem com << Funteovejuna >>, de Lopes de Vega (apresentações hoje, amanhã e domingo), é duplamente significativa. De princípio, por trazer a Curitiba o trabalho de um grupo renovador do teatro de Portugal, criado há 15 anos e que vem acumulando as melhores há 15 anos e que vem acumulando as melhores regências. Em segundo lugar, porque faz algo que não acontecia há muitos anos em nossa cidade: uma mesma companhia encenar diferentes espetáculos.
Até os anos 60, era comum que as companhias teatrais, quando em viagens, encenassem de três a seis peças diferentes, espetáculos suntuosos, elencos numerosos. Proporcionalmente à alta nos custos de produção, as companhias foram reduzindo seus elencos e limitando-se a uma única peça, em temporadas econômicas, visando lucros imediatos. O Teatro Experimental de Cascais, que veio ao Brasil com ajuda do SNT, apresentará no Guaíra, mais dois outros importantes textos: de 15 a 18, << Dom Quixote >>, de Yves Jamiaque, adaptação da obra de Cervantes, em tradução de Mário Delegado. E nos dias 19 e 20, << A Maluquinha de Arroios >>, de André Brun, cenários de Jorge Marcel. A direção é de Carlos Avilez e o TEC tem 19 integrantes, que se revezam nos diferentes papéis nas peças aqui programadas.
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<< Fuenteovejuna >> foi estreado pelo TEC a 24 de maio de 1973 e tem um argumento histórico, com muita ação, o que o torna um peça atraente. De um dos textos distribuídos pelo grupo, algo para esclarecer a respeito desta peça de Lope da Vega: << Em Fuenteovejuna, os insultos, violências, rapinas e desmando contra o recato e honra das mulheres cometidos pelo Comendador-Maior de Calatrava, Fernán Gómez de Guzmann e a sua gente de armas, acabam com a paciência e mansidão dos aldeões, que se levantam em tumulto contra quem assim os tiraniza; entram com fúria no castelo onde o comendador se defende, matam os seus satélites, matam-no a ele, deitam-no por uma janela e arrastam-no e despedaçam-se som fera e triunfante alegria. O juíz, que chega para castigar a rebelião, acha o castigo impossível. Cada habitante de Fuenteojuna, até as mulheres e as crianças, se converteram em heróis ou em mártires: a corda, o potro, as torturas mais cruéis não arrancam a nenhum a confussão de quem fora a cabeça e diretor do motim e autor da morte do a conhecer o processo e têm de perdoar os delinqüentes que, em própria e legítima defesa, lutaram >>.
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A partir de terça-feira, dia 15, o Teatro Experimental de Cascais encenará << Dom Quixote >>, peça que Yves Jamiaque adaptou da obra de Cervantes. Segundo explicação de Carlos Avilez ao crítico Silva Pinto, << o mundo atual precisa de Dom Quixote >>. Por isso, sua concepção do espetáculo foi de eternizar o Cavaleiro da Triste Figura como símbolo da Paz, da Justiça e do Amor . Apenas três praticáveis decoram o palco, oferecendo à cena o ambiente de irrealidade que é necessário para o desenvolvimento da tragicomédia quixotesca. Dom Quixote é sempre o cavaleiro invencível que deve combater a mentira e a tirania com as armas da coragem. Vingador dos fracos e consolador dos aflitos, arrisca a sua vida pela Justiça, pela Verdade e pelo Amor. Vê coisas que os outros não vêem >>. Como diz Silva Pinto: << a trama da peça desenvolveu-se numa linha que se torna progressivamente erótica e violenta. Não poucas vezes os atores se envolvem em luta, conchendo a cena de movimento. Contudo, mesmo nos momentos mais agitados, D. Quixote é a figura igual a si própria. A Sancho Pança, que está renitente em seguir o cavaleiro como pagem, D. Quixote promete o governo de uma ilha. É perante a dúvida do anafado escudeiro, garante: << Quando se possui tão pouco ciência e saber como o mestre Sancho só podem governar-se seres vivos >>.
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Falemos, hoje, entretanto, sobre << Fuenteovejuna >>, espetáculo em cartaz neste fim-de-semana, no Guaíra: o espetáculo estreou pelo Teatro Experimental de Cascais, em Barcelona, dentro das comemorações da Semana de Portugal, há 7 anos. No jornal << Noticiero Universal >>, de Barcelona, Julio Manegat, assim se manifestou: << Fuenteovejuna >>, a grande obra dramática de Lope, constituiu uma surpresa, pela audácia da concepção do desenrolar total da obra, seu clima tenso e desagarrador, crítico e acusador, emocionante e vivo. Arrojado do contraste dos personagens no seu vestuário atualizado, na emplitude do horizonte dramático desta versão estupendamente dirigida por Carlos Avilez, na anudez do palco em cujo único elemento de cenário é em telas de fundo que reproduz o quadro de Goya: o fuzilamento de 2 de maio >>.
A montagem de Carlos Avilez, segundo Martins Tomás do jornal << La Vanguardia Española >>, << consegue que o verdadeiro protagonista da obra seja o Povo, a grande unidade coletiva e multitudiária, a alma popular, neste caso ferida e corajosamente despertada para fazer a << sua >> justiça. Tomas observou ainda a respeito desta encenação que agora, numa oportunidade única, pode ser vista em Curitiba, que as soluções plásticas obtidas por Avilez << são brilhantes e as derivações coreógráficas, os sons musicais, e o bulir das massas, conseguiram alcançar com uma singular força de expressão uma planitude dum belo e vigoroso espetáculo >>.
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