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Erros e acertos de Marés, coerente ideologicamente

Desde que assumiu a presidência da Fundação Cultural de Curitiba, na manhã de 11de abril de 1983, em substituição ao publicitário Sérgio Mercer, o advogado Carlos Frederico Marés de Souza, então com 35 anos, traçou uma linha ideológica-cultural para marcar sua administração. Um posicionamento demoradamente pensado e que resultou de muitas discussões que teve com grupos da oposição e parte da classe artística que, após a vitória de José Richa para o governo do Paraná - e a conseqüente escolha do deputado Maurício Fruet para substituir a Jaime Lerner na Prefeitura - começou a bajular os novos donos do poder. Exilado político por muitos anos - período em que viveu no Uruguai, Chile, Dinamarca e até na ilha de St. Thomas e Prince (ali participando da elaboração da Constituição daquele novo país), politicamente definido sempre pela posição de esquerda. Marés de Souza não se afastou, nos quase seis anos em que foi o poderoso dirigente da política cultural do município, de uma linha que já tinha definida antes mesmo de chegar ao poder. xxx Um dos raros integrantes da administração Fruet que foram mantidos (e prestigiados) por Roberto Requião, quando este assumiu a Prefeitura, há três anos (após derrotar Jaime Lerner nas eleições diretas). O advogado Carlos Frederico Marés de Souza teve sempre poder ilimitado para sua administração. No início, ainda, houve alguns incidentes de percurso com os diretores administrativo (Cláudio Fajardo) e Fundação - substituindo-os pela arquiteta Jussara Valenti e o ex-frei dominicano Paulo César Botas, respectivamente, Marés reinou absoluto. Mesmo assessores mais diretos, amigos pessoais há anos - como o jornalista Fernando Alexandre e, especialmente, o gaúcho Tabajara Ruas, foram sacrificados quando trombaram com seus posicionamentos. Marés preferiu demitir amigos do que abrir mão de seus posicionamentos em termos da política cultural que entendia como a ideal para Curitiba. xxx Agora, quando na democrática sucessão do poder, finalmente deixará o cargo, evidentemente que caberão análises para se verificar os acertos e erros de sua administração. Um fato, entretanto, é reconhecido mesmo por seus inimigos: a absoluta coerência ideológica, que traçou uma linha de fazer todos os recursos da Fundação - depois Secretaria Municipal, na reforma administrativa aprovada no final do governo Maurício Fruet - se voltarem a uma política cultural na periferia. Em nossas colunas fomos um dos poucos jornalistas a criticar muitos aspectos da administração de Marés de Souza - (a quem, pessoalmente, sempre respeitamos). O esfriamento da programação do Teatro do Paiol - praticamente abandonado durante anos (só recentemente, com o entusiasmo de Sérgio Bertenez e Francisco Modesto, o Paquito, aquela casa voltou a ter bons espetáculos), discutíveis critérios na utilização dos setor de artes plásticas, uma programação muitas vezes desastrosa nos cinemas que a Fundação possue (um circuito que poderia ter muito melhor aproveitamento, considerando-se sua independência) foram alguns dos motivos de críticas independentes, pessoais e honestas em nossas colunas - numa época em que (quase) todos se limitavam a repetir adjetivos laudatórios à sua gestão. Portanto, hoje, quando Marés de Souza tem seus últimos dias de poder (advogado do Estado, deverá voltar a Procuradoria, embora se fale no seu aproveitamento em outras funções executivas no Estado), nos sentimos a vontade para registrar o que houve de positivo, no período em que mandou e desmandou na cultura local. xxx A Curitiba deste final dos anos 80 é diferente daquela do início dos anos 70, quando a Fundação Cultural foi criada. Hoje, a abrangência da Secretaria/FCC é bem maior do que administrar apenas duas ou três unidades ao fazer a opção pelo fortalecimento da cultura popular nos bairros, Marés tomou uma linha cujos resultados devem ser analisados sem paixão. Por exemplo, não se pode negar o trabalho de levar cinema nos bairros - concretizando, aliás, uma idéia pioneira que, na primeira administração de Jaime Lerner, quando o antigo Departamento de Relações Públicas e Promoções tentava suprir a ausência de atividades culturais - já havia sido feita, mas em escala reduzida. Hoje o programa Cinema nos Bairros está consolidado e só este ano 55 filmes (dos quais, mais de 40% produções nacionais) foram levados para 22 mil espectadores em 10 diferentes pontos da cidade. Um programa que desenvolvido de forma prática (o motorista do veículo que leva o aparelho 16mm e o filme, também faz a projeção) tem dado bons resultados - e que deve ser ampliado, jamais suspenso. De um modesto circo de lona, hoje a FCC dispõe de quatro que percorrem 47 pontos diferentes da cidade com diferentes promoções. Como fruto do trabalho desenvolvido nos circos, as comunidades de bairro acabaram criando centro culturais fixos - já existentes em Santa Amélia, Campo Comprido, Itatiaia, Alto Boqueirão, Umbará e, agora, completando-se em Santa Felicidade, na bela casa da família Culpi, restaurada e que será entregue a população na próxima quinta-feira, dia 29, no último ato da administração Roberto Requião. A experiência de rádios populares - com duas já em funcionamento nas Vilas Verde e Pinto, e uma terceira a espera de implantação (bairro do Tarumã), também deve ser observada. Hoje a FCC dispõe de 20 bibliotecas em bairro, algumas com excelente nível de freqüência. São pontos que se deve considerar nesta passagem do poder. Se houve preocupação política-eleitoral em muitas iniciativas da Secretaria da Cultura - e isto seria ingênuo negar - também existiu a vontade de fazer que houvesse uma maior participação popular. Agora, frente a uma nova realidade, o prefeito Jaime Lerner terá que usar de toda sua energia, afastando aproveitadores e gigolos oficiais de uma "política cultural", para poder sanear os pontos falhos - e eles são muitos e graves - deixados pela administração que se despede. Mas também terá que valorizar e dar continuidade ao que de bom foi feito - principalmente considerando os quase cinco milhões de cruzados que a manutenção do setor cultural custa, a cada 24 horas, para a população curitibana.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/12/1988

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