Filme catástrofe na cultura curitibana
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 30 de abril de 1991
No explosivo ano de 1968, quando Paris estava em chamas pelos protestos populares, a injusta demissão do homem que havia salvado o patrimônio cinematográfico da Europa, o conservador da "Cinematheque Française", Henri Langlois (Esmirna, Turquia, 1914 - Paris, 1977) colocou mais lenha na fogueira. Os protestos da classe intelectual - e não só cinematográfica - foram tantos que não restou ao ministro da Cultura, André Mauraux, outra alternativa do que colocar o rabo entre as pernas e, algum tempo depois, no crepúsculo do governo do general Charles De Gaulle, reconduzi-lo ao cargo que Langlois ocupava desde 1935.
Francisco Alves dos Santos, mineiro de Salinas, 45 anos completados no dia 28 de dezembro último, não é nenhum Langlois - assim como as senhoras que dirigem a Fucucu estão milhões de anos luz da dimensão do autor de "O Tempo do Desprezo" e "A Condição Humana".
Entretanto, pela forma com que os fatos aconteceram na última quarta-feira, 24 - a demissão do "bom" Chico, ou do "padre" Chico - da coordenação da Cinemateca do Museu Guido Viaro, mantido pela Prefeitura de Curitiba através de sua Fundação Cultural, foi, como de forma tão brilhante e precisa escreveu a jornalista Rosirene Gemael, "um filme que fica entre o non sense, o mistério barato e o pastelão" ("Correio de Notícias", página B-3, 27/04/91).
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Acompanhamos em Curitiba a presença de Francisco Alves dos Santos desde quando ele praticamente começou a deixar os limites do seminário dos Palatinos em algumas horas permitidas para que freqüentasse os cinemas. Em sua sensibilidade e interesse, Chico viu os filmes como um campo de estudos e assim, entre as imagens e as aulas de teologia do seminário - no qual entrou ainda garoto e que, anteriormente, o tinha levado a morar alguns anos em Londrina, o tímido mineiro começaria a ter despertada sua visão de crítico de cinema. Apoiado por um jornalista tão impetuoso quanto generoso, Aroldo Murá, 50 anos, hoje diretor do "Jornal Indústria & Comércio", na época reestruturando o semanário católico "Voz do Paraná", o jovem Chico faria uma rápida carreira num setor que, na imprensa paranaense, sempre houve pouquíssimas pessoas dispostas a escrever: a crítica cinematográfica. Os textos inteligentes e, especialmente, o interesse pelo cinema brasileiro - que na época vivia uma fase de crescimento e glória - o levariam a merecer convites para acompanhar os mais importantes festivais de cinema do país, inclusive chegando a fazer parte de alguns júris nacionais - como o de Super 8 em Gramado; o da Organização Católica de Cinema no FestRio (1986), entre outros (*). Valêncio Xavier, 55 anos, apoiando Chico numa época em que ele vivia a indecisão de continuar na vida religiosa ou desenvolver seu lado de intelectual leigo, em 1975, quando idealizou e fundou a Cinemateca, o convidou para ser o seu braço direito.
Chico não decepcionou. Mostrou-se um excelente auxiliar e após dois anos de quase voluntário trabalho, tendo magra gratificação de estagiário, seria efetivado como funcionário celeista. Somando o lado teórico e os trabalhos de pesquisador, Chico se revelaria um cineasta, realizando, em Super 8 e depois em 16mm, curtas como "Ana Carolina" (premiado num festival em Petrópolis, Rio de Janeiro), "Cicatrizes" (premiado no festival de Osório, Rio Grande do Sul), "As Margens do Belém", "Guido Viaro" e "O Pesadelo" (sobre o artista plástico Alex Xavier).
Em maio de 1983, quando Valêncio Xavier deixou a Coordenação da Cinemateca, Francisco foi a escolha natural. Desde então, não mais realizou filmes por uma questão de ética: "não acho correto, dirigindo uma instituição que deve ajudar outros cineastas, prevalecer-me da situação para fazer meus filmes", explicava na época.
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Chico coordenou a Cinemateca e por 5 anos a programação das salas que a Prefeitura foi conseguindo - Groff, Ritz, Luz e Guarani. Muitas vezes, discordamos - franca e lealmente, através de nossas colunas - da programação feita, dos critérios de lançamento, mas sempre num clima de honestidade crítica - tanto é que pessoalmente sempre convivemos e juntos estivemos em festivais e júris, mantendo sempre um bom diálogo.
Só quando houve a infelicidade de um elementos despreparado ingressar em 1988, na área, o Geraldo Pioli, é que a situação ficou mais séria. Por falta de sensibilidade e, especialmente, cultura cinematográfica, Pioli marcou nos últimos 3 anos as programações das salas oficiais - que foi assumindo, infelizmente, com o afastamento pouco a pouco de Chico, com uma série de atitudes infelizes que não nos cansamos de aqui criticar e denunciar.
Humilhado e magoado pela atual administração cultural do município, Francisco recolheu-se a partir de 1988 apenas a programação da Cinemateca, enquanto o descalabro na área sob "responsabilidade" de Pioli aumentou, somada a intervenções infelizes da despreparada diretora de ação cultural da Fucucu, Celise Niero, sem maior informação no delicado setor cinematográfico.
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Como a imprensa denunciou no último sábado, Chico e mais três funcionários da Cinemateca - Willy Schumann, Clara Satiko e Sandra Borne - foram afastados com a alegação oficial de "incompetência" e de que exerciam uma "ditadura estética", nas palavras da presidente da Fucucu. Ironicamente, o funcionário que há muito tempo já deveria ter sido deslocado para outro setor (e este sim responsável por muitos erros de programação) não será demitido: tem imunidade sindical como diretor cultural do Sindicato dos Funcionários da Prefeitura.
A forma com que a demissão se deu e a escolha de três pessoas que para substituir a equipe tem apenas como curriculum o fato de serem "cinéfilos", fez com que o fato tivesse a maior repercussão no último fim de semana. Novos fatos serão denunciados nesta semana, para mostrar mais esta prova de arbitrariedade, refletindo o verdadeiro caos que marca a atribulada atuação das diretorias da Fucucu.
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Na última segunda-feira, 22, o coordenador do Centro Cultural do Portão, Roberto Pitella, 31 anos, foi arbitrariamente demitido, acusado de "incompetente". A "incompetência" de Pitella, profissional que havia assumido o cargo em setembro último - e cuja administração correta e criativa já se fazia sentir - foi não ter aceito ofensas verbais do ator Ariel Coelho, que há 10 dias, quando trouxe seu espetáculo "Valentim, Valentim" no Auditório Antônio Carlos Kraide, pretendeu que ele fosse executar trabalhos de produção - que cabia ao artista providenciar.
Sobrinho-neto de um dos jornalistas mais estimados da imprensa paranaense, Ducastel Nycz (1920-1981), e também descendente de um dos pioneiros da exibição no Paraná, Pitella em sua administração, conseguiu dinamizar o distante centro cultural - implantado no governo municipal de Roberto Requião, cuja administração cultural é hoje lembrada, nostalgicamente, como uma fase dourada, frente ao que ocorre no governo lerneano.
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O advogado Carlos Frederico Marés de Souza, 46 anos, procurador geral do Estado e que por 7 anos presidiu a Fundação Cultural de Curitiba, no sábado deu uma nova demonstração de dignidade, honradez e amizade: espontaneamente foi levar a Francisco Alves dos Santos uma solidariedade pela violência sofrida.
Nota
(*) Francisco Alves dos Santos já colaborou com quase todos os jornais de Curitiba e nas revistas "Panorama" e "Quem". Em 1975, reuniu entrevistas que fez com vários cineastas no livro "Cinema Brasileiro" (70 páginas, edição Voz do Paraná). Anteriormente, havia publicado o romance "Pássaro Cativo". A propósito, qual é mesmo o curriculum de seu substituto?
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