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Aramis

Anistia para não faltar Chocolate no Carnaval

Dentro da realidade do Carnaval curitibano Chocolate (Mansuedem Prudente dos Santos, 49 anos) é um dos personagens mais característicos. Saindo às ruas para brincar no Carnaval "desde que me entendo por gente", Chocolate é uma espécie em franca extinção: o carnavalesco 365 dias por ano. Mesmo seus amigos mais chegados ficam às vezes sem saber o que acontece com este crioulo simpático, poucos dentes mas que iluminam um sorriso amigo, muito ritmo e compositor dos mais inspirados, como mostrou, há alguns anos, ao homenagear o amigo Mamangaba, da Escola de Samba Colorado, que morreu às vésperas de um Carnaval. Mas quando é fevereiro, Chocolate está na avenida, à frente de seus Ideais do Ritmo, que agora mudou de nome - para a pomposa designação de Grêmio Recreativo Cultural Capão da Imbuia, homenagem ao bairro onde reside há muitos anos. xxx Em todos os anos em que a Ideais do Ritmo tem desfilado, jamais conseguiu boas notas. É uma escola de samba que de escola só tem o nome. Na verdade é um bloco, quase familiar, onde desfilam Chocolate, sua esposa, filhos e até sua mãe - a qual a idade não tirou o entusiasmo. Suas fantasias são improvisadas, a bateria é das menores - embora afinada, pouquíssimos instrumentos. Mas tem, em compensação. Sempre um samba-enredo de autoria do próprio Chocolate, entusiasmo e, principalmente, a idéia de um belo enredo - geralmente temas bem atuais. Só quem conhece melhor Curitiba, em seus aspectos característicos e tiver convivido mais de preto com nosso Carnaval, poderá entender Chocolate. Oficialmente, sua escola é a que sempre atrasa ou deixa de desfilar. Pessoalmente, Chocolate é de fazer muitas reclamações e ameaças, que, alma de passarinho jamais concretiza. No máximo mistura tristeza e cachaça e chora sentado na calçada, depois que sua pequena escola já desfilou - porque sendo uma das menores é também sempre programada para o início do desfile. Inútil tentar fazer com que Chocolate se enquadre nos regulamentos da Prefeitura. O jornalista Nelson Comel, que há 4 anos tem nas mãos o abacaxi de organizar o Carnaval de rua, acostumado a lidar com os mais diferentes tipos de pessoas, como veterano do jornalismo esportivo, coordenador do consagrado campeonato de peladas (a cada ano movimentando milhares de pessoas), já por algumas vezes perdeu a calma com o Chocolate, que, numa reunião formal, balança o coreto e acaba impedindo qualquer conclusão objetiva. xxx O sonho de Chocolate, há muitos anos, é receber o título oficial de "Cidadão Samba de Curitiba". O dia em que um prefeito decidir oficializá-lo como "Cidadão Samba", o bom Chocolate se sentirá mais feliz do que se a sua escola fosse a primeira classificada. Poderia, também, integrar-se a qualquer uma das 12 outras escolas de samba da cidade, mas é do bloco-do-eu-sozinho. Não por egoísmo ou vaidade, mas porque Chocolate personifica a ginga, a malandragem, a astúcia do carnavalesco, amigo da bebida, da madrugada e que tal como Batatinha (Oscar da Penha, 56 anos), uma espécie de Cartola de Salvador, disse num samba, gostaria de encontrar o homem que inventou o trabalho ... para jamais ser seu amigo. Mas Batatinha, uma das personalidades mais estimadas da Bahia, é gráfico do "Diário de Notícias" e só quem está por dentro da MPB reconheceu, até hoje, a dimensão de seu talento (autor de músicas como "Diplomacia", "Toalha da Cidade", "Imitação", "Jajá da Gamboa", "O Circo", algumas lançadas por Maria Bethania). Chocolate é uma figura curitibana que tem que ser entendida, compreendida e mesmo perdoada em suas atitudes, nem sempre das mais corretas. Jamais se ajustará aos esquemas empresariais de uma escola-empresa, como o organizado "corretor zoológico" Afunfa (Osvaldo de Souza, 35 anos), transformou a Mocidade Azul - e que vai gastar Cr$ 1,5 milhão para ganhar novamente o Carnaval. Chocolate prefere sair à frente de 40 ou 50 sambistas, quase uma espécie de bloco, mas com toda liberdade possível. E deixa os outros falar. xxx No ano passado, o Chocolate fez com que Comel tivesse mais alguns cabelos embranquecidos. Depois de perturbar muitas reuniões da comissão organizadora, Chocolate foi reincidente no atraso da prestação de contas da ajuda oficial, atrasou na hora do desfile oficial e no domingo nem apareceu. Logicamente, pelas letras do regulamento, perdeu direito a qualquer ajuda para sair este ano. Mas jamais Chocolate aceitaria isto, sem protestar. Afinal, ele é um homem do povo, que convive nos botequins da vida com as pessoas que representam as camadas mais humildes da população. Logo, é um cabo eleitoral em potencial e tem amigos na política, entre vereadores e deputados - um dos maiores é o ex-emedebista Adalberto Daros. Assim, ao constatar que sua escola não teria ajuda oficial, Chocolate mobilizou seu "esquema" político, que passou a pressionar Comel. Este, muito habilidosamente, respondeu aos apelos, argumentando: "Mas deputado, V.Exª, que faz as leis, pretende, justamente, que a comissão do Carnaval as quebre por causa das irresponsabilidades do Chocolate?" Chocolate, sempre sua ginga de malandro simpático e adepto de que bom cabrito não berra (antes da hora), acabou procurando Comel e argumentou: - Mas Comel, está certo que eu cometi algumas falhas. Mas não esqueça de que estamos na época de abertura, e o presidente Figueiredo concedeu anistia aos seus inimigos. Eu também mereço uma anistia. Comel, contra-argumentou: - É. Mas a anistia foi para os que estavam no exílio ou cassados há 10 anos. chocolate, já improvisando um samba, rebateu: - Mas um Carnaval de outro corresponde há 10 anos de exílio. xxx Da verba oficial - reduzida, aliás - Comel não destinou nada à escola de Chocolate. Mas, coração de ouro (apesar de sua voz assustadora, às vezes), o bom Nelson acabou convencendo um amigo empresário a financiar o Grêmio Recreativo Cultural Capão da Imbuia a sair no Carnaval de 1980, com o incontrolável Chocolate á frente. Afinal, se o Carnaval é festa do povo, ninguém mais representativo do que este curitibano do Capão da Imbuia, merecedor de que um compositor inspirado o tome até para tema de um bom samba. Enquanto juntos tomam umas & outras ao longo de um bate-papo que só na simplicidade dos botequins dos subúrbios se pode encontrar. xxx Afinal, se o Carnaval de Curitiba já é frio, seria mais inexpressivo sem Chocolate e sua escola de samba.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
6
25/01/1980

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