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Aramis

A aranha que agora todos querem beijar

Curitiba, entardecer de 4 de outubro de 1983. Cenário: uma livraria no Shopping Center Mueller. Personagens: o escritor Manuel Puig, o engenheiro Marcelo Marchioro e a jornalista Celina Alvatti. Situação: constrangimento. Interrompendo seu trabalho em São Paulo, onde desenvolvia com Leonard Schrader a adaptação de "O Beijo da Mulher Amada" para a tela, Puig havia concordado em vir a Curitiba para autografar seu último livro ("Maldição Eterna... Para quem ler estas páginas até o fim") e, com isto, ajudar a promoção da temporada da peça "O Beijo da Mulher Aranha", que havia estreado, dois dias antes, no auditório Salvador de Ferrante. Durante quase duas horas o escritor argentino permaneceu na livraria sem praticamente autografar nenhum livro. Apenas Marcelo, Celina e mais alguns gatos-pingados por ali apareceram. No dia seguinte, bem cedo, Manuel deixava Curitiba, de volta a São Paulo, evitando tocar na constrangedora "tarde de autógrafos"... xxx O fracasso de "O Beijo da Mulher Amada" na temporada curitibano (2 a 7 de outubro de 1983, auditório Salvador de Ferrante) foi tão grande que levou Marchioro, que havia fundado a Mutirão Produções Artísticas, a desativar a empresa após contabilizar prejuízos - cujo pagamento lhe custou imensos sacrifícios. Sucesso nacional há quase 3 anos, direção de Ivan Albuquerque, interpretação de Rubens Corrêa e José Abreu, a peça adaptada do romance de Puig teve, em Curitiba, o melancólico e triste destino de tantos outros grandes espetáculos: fracasso de público. Simplesmente, porque não havia artistas globais em seu elenco e a dita "inteligentzia soçalaite" não se motivou: menos de mil pessoas assistiram a peça. xxx Cine Palace Itália, noite de quarta-feira, 19 de março de 1986: o gerente Antonio Coelho e Levi Cordeiro Filho, chefe do escritório da Embrafilmes no Paraná, mostraram-se preocupados. Uma superlotação para a pré-estréia do filme "O Beijo da Mulher Aranha". Todas as poltronas ocupadas, espectadores sentados nos corredores e se o prefeito Roberto Requião tivesse ido (como havia prometido ao colunista Rui Barroso), teria ficado sem lugar já que 10 minutos antes da projeção não havia mais uma única poltrona vaga. Um disc-jockey da Antena 1 tenta descontrair o ambiente, com a linguagem jovem-FM e pede aplausos ao cantor baiano Luis Caldas - criador do "Fricote" (120 mil LPs vendidos só no Nordeste), presente na platéia e, finalmente, anuncia a presença do ator José Lewgoy, que havia entrado momentos antes. Lewgoy - aplaudido, em pé, pelo público - fala sobre a importância de "O Beijo da Mulher Aranha" ter recebido premiações internacionais e ser indicado a quatro Oscars. Justifica sua internacionalização, lembrando que muitos atores e atrizes brasileiros estão atuando hoje no Exterior. E termina contando que acreditou tanto no filme de Hector Babenco que, mesmo hospitalizado - devido a fratura da perna - fez questão de atuar, numa cadeira de rodas - no curto mas importante papel do diretor do presídio. xxx Com sessões lotadas, a partir de ontem, o "O Beijo da Mulher Aranha" deverá ao menos empatar o público obtido, no ano passado, na mesma sala, por "Amadeus" (1984, de Milos Forman). Um filme amargo, sério, desagradável em termos de consumo mas profundamente humano e social, atrai um grande público. Aquele público que jamais se havia interessado, há 3 anos passados, em aplaudir a peça baseada no mesmo texto - ou comparecer à tarde de autógrafos do autor, rasga agora elogios, faz comentários (muitos dos quais, totalmente idiotas) ao filme que há quase um ano vem fazendo sucesso na Europa e Estados Unidos e agora, às vésperas da festa do Oscar, finalmente chega às nossas telas. Realmente, o cinema é a sétima arte. Mas o marketing promocional é a regra número um nesta usina de sonhos & ilusões. LEGENDA FOTO 1 - William Hurt, como "Molina", o homossexual em "O Beijo da Mulher Aranha": em busca do Oscar, segunda-feira à noite.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
21/03/1986

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