Um filme sobre a dignidade humana
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 21 de março de 1986
Um filme dentro do outro. Ou melhor: três filmes que se entrelaçam. A magia do cinema, a ilusão das imagens projetadas em retângulos iluminados, a usina de sonhos - como Ilya Ehrenburgh, definiu Hollywood, ao visitá-la, há meio século - constituem o leit-motiv deste "O Beijo da Mulher Aranha".
Manuel Puig - como seu compatriota Patrício Bisso (responsável pelo guarda-roupa e ator de composição em 4 diferentes cenas) - é um cinemaníaco fanático pelos filmes americanos até os anos 40. Sabe tudo a respeito do cinema e sua paixão passou em títulos ("A Traição de Rita Hayworth") e episódios de seus romances. Em "O Beijo da Mulher Aranha", o filme descrito pelo homossexual Molina era "Sangue de Pantera" (Cat People, 1942, de Jacques Tourneur), mas agora, ao ser transposto o romance ao cinema, não houve condições do filme citado ser aquele clássico de terror produzido por Val Lewton na RKO: em 1982, a mesma história foi refilmada, de forma satírica e glamorizada, por Paul Scharaeder - por coincidência, irmão de Leonard, roteirista de "O Beijo...".
Assim, dentro de "O Beijo...", se constróem dois filmes: um precioso filme sobre nazistas na Paris ocupada, com todos os clichês da época, e, brevemente - quase um video-clip - um outro filme que justifica simbolicamente o título. Ambos "estrelados" por Sônia Braga, que é ainda Marta, a amante do guerrilheiro Valemtim. Sonho e imaginação, realidade e fantasia, mentiras & verdades se misturam na montagem (perfeita) que Mauro Alice conseguiu dar a todo um universo lírico e ao mesmo tempo cruel de uma história que enaltece os valores humanos, a amizade, o respeito, a conscientização. Um filme sobre seres humanos - a partir da relação de um homossexual e um guerrilheiro - que se unem na dor e no sofrimento para uma redescoberta de valores maiores - transmitidos por imagens da maior beleza numa obra que, merecidamente, merece todo o espaço que lhe está sendo destinado - e a torcida para que leve ao menos dois (William Hurt, ator; Schraeder, roteiro) dos quatro Oscars que estará disputando na noite de segunda-feira.
LEGENDA FOTO 1 - Babenco (ao centro) dirigindo William Hurt e Sônia Braga em "O Beijo da Mulher Aranha".
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