Ary oferece rara Carmen para que Leon a reviva
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de setembro de 1989
A passagem do jornalista e pesquisador Ary Vasconcelos por Curitiba, na semana passada, convidado para conferencista da III Mostra do Choro (Sesc do Portão, 29 de agosto a 1º de setembro), não ficou apenas em suas didáticas explanações sobre as origens e os caminhos desta forma musical. Conhecendo melhor o magnífico trabalho que o produtor Leon Barg vem desenvolvendo através de sua etiqueta "Revivendo", para a recuperação dos melhores momentos de nossa música popular, Ary cederá uma preciosa gravação, realizada há 60 anos passados na extinta Brunswick, e que marcou a estréia da cantora Carmen Miranda (1909-1955) em disco, gravando "Não Vá Embora" e "Se o Samba é Moda", composições de Josué de Barros (1888-1959), que, um ano antes, havia conhecido Carmen e sua família, responsável pelo seu início artístico.
Gravado em setembro de 1929, em disco com o número 10.013, estas canções só apareceriam em janeiro de 1930, quando Carmen já havia gravado um segundo 78rpm, novamente com duas composições de Josué ("Triste Jandaia" e "Dona Balbina"). Raridades, que pouquíssimos colecionadores possuem, constam da coleção de Ary, que cederá o primeiro disco para que, submetido a um reprocessamento eletrônico, a cargo do único profissional do ramo no Brasil, Airton Pisco, possa ser incluído no segundo lp que a "Revivendo" colocará no mercado, com as primeiras gravações da "Pequena Notável". Entre os 31 discos de MPB lançados até agora por Leon Barg, o álbum com Carmen Miranda está entre os mais procurados, o que o animou a fazer um segundo volume - que será agora valorizado com este marco histórico do início de sua carreira.
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Além de encontrar uma repercussão cada vez maior junto a colecionadores e estudiosos - do que é prova a procura nacional por suas históricas reedições - os esforços de Barg, pernambucano do Recife, mas curitibano por adoção desde os anos 50, tem feito com que pessoas ligadas familiarmente aos artistas por ele redescobertos o tenham procurado. E há também surpresas. Por exemplo, em sua loja de discos, na Rua Barão do Rio Branco, 28/36, recebeu há duas semanas a visita de um velho e elegante senhor, cabelos embranquecidos, chamado Moraes Neto. Ao se identificar, Leon teve uma grande emoção: tratava-se de um cantor que marcou época nos anos 40, cantou nos tempos do Cassino da Urca e gravou oito 78 rpm - os quais, naturalmente, Leon possui em sua coleção de 27 mil volumes. Só que Leon - como qualquer outro pesquisador de nossa música - não tinha a menor informação sobre o paradeiro de Moraes Neto: se estava vivo ou morto, por onde andou, etc., etc.
Pois o veterano cantor, que machucou corações nos anos 40, com suas músicas românticas, vive hoje em Curitiba, na tranqüilidade de sua aposentadoria. E só rompeu a modéstia do anonimato ao tomar conhecimento do trabalho que Leon vem fazendo com nomes de nossa música, que gravaram alguns 78 rpm, jamais chegaram aos elepês e que permaneceriam eternamente esquecidos se não fosse o entusiasmo deste produtor movido pelo idealismo e o amor à nossa cultura popular.
Por exemplo, em seu último pacote, num elepê intitulado "Novidades de 1930", com fonogramas da Brunswick (uma etiqueta pioneira, que entre dezembro/1929 e abril/1931, lançou 167 gravações em 78 rpm), ao lado de registros de Gastão Formenti (1894-1974) e Sílvio Caldas (81 anos, completados no dia 23 de maio), foram incluídas três gravações de Laura Suarez, 80 anos - a serem completados no dia 23 de novembro - e mais três de Yolanda Osório.
Neste linha de garimpagem das vozes que embora tenham tido seus momentos de sucesso - mas que não resistiram ao tempo - Leon preparou novos fonogramas, que constam de três novos elepês, já com capas prensadas e que deverão estar em seus pontos de venda até o final de setembro.
Assim, em "Cadê Viramundo", se há os relativamente conhecidos J. B. Carvalho e o Bando da Lua, há a surpresa de três faixas com o Trio T.B.T., um enigma mesmo para aqueles que se julgam grandes especialistas em nossa MPB. Nos outros dois álbuns, teremos faixas com Elisa Coelho, Jessy Barbosa, Breno Ferreira, Aldo Veruna, Otilia Amorim e Raul Rouliem - este mais conhecido por ter sido um ator brasileiro que fez filmes em Hollywood dos anos 30, do que cantor.
Claro que para equilibrar com tantos nomes de difícil aceitação - e portanto com público praticamente inexistente - Leon Barg busca também gravações daqueles cantores que são conhecidos. É o caso de Sílvio Caldas, que com o primeiro registro do clássico "No Rancho Fundo" (1932) dá nome a um dos álbuns.
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Além do cuidado na remixagem das gravações em 78 rpm, eliminando os chiados, Barg vai mais além. Numa iniciativa pioneira e corajosa, já entregou a divisão técnica da Microservice, a primeira fábrica de discos laser da América do Sul, as fitas para CDs com Orlando Silva (1915-1978) e Francisco Alves (1889-1952), os dois maiores nomes da Velha Guarda, vozes perfeitas e que muito em breve, pela primeira vez, estarão sendo curtidos na sofisticação do registro a laser - a última palavra na tecnologia do reaproveitamento de gravações históricas.
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