As aventuras do mais famoso ladrão inglês
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de março de 1992
Ronald Biggs tem toda razão em cobrar caro pela utilização de sua imagem. Afinal é um personagem real e vivo de uma história que poucos roteiristas poderiam imaginar. De origem humilde, Biggs era carpinteiro na Inglaterra e vivia em dificuldades financeiras. E foi isso que o levou a topar o assalto ao trem Glasgow-Londres, em 8 de agosto de 1963 - por coincidência, dia de seu 35o. aniversário - o chamado "assalto do século" - e do qual 11 homens levaram 2,5 milhões de libras. Embora tenha se tornado o mais famoso do grupo - e portanto a ele se atribuído o planejamento do assalto - na verdade foi apenas um integrante, e era até chamado "pé frio", convidado porque conhecia alguém capaz de dirigir a locomotiva depois que o trem fosse interceptado.
Ronald, um dos primeiros a ser preso, foi condenado a 30 anos de prisão mas escapou de Wandsworth poucos dias antes de completar seu primeiro ano de pena. E começou a ter que gastar o dinheiro do roubo: 30 mil para fazer uma operação plástica em Paris, mudando o seu rosto; mais 30 mil libras com um advogado em que confiava e que se oferecera para aplicá-las a juros e mais algumas milhares de libras para os cúmplices que o ajudaram na fuga. Mesmo assim, sobrou o suficiente para ele, a mulher e os 3 filhos viverem alguns anos na Austrália.
A Scotland Yard, entretanto, o descobriu e antes de ser preso, Biggs, com o nome falso de Michael Haynes veio para o Brasil, aqui chegando sem dinheiro, tanto é que empenhou um relógio na Caixa econômica por US$ 60. Vivendo em dificuldades - tendo que viajar constantemente a Argentina para renovar seu visto de turista - Biggs acabou descoberto.
Foi quando chegou a aceitar a proposta do jornalista Colin Mackenzie, repórter do "Daily Express", que lhe prometeu 35 mil libras e mediar sua apresentação à polícia inglesa. A reportagem saiu (uma série de 5) mas o dinheiro nunca apareceu e quando estava no Hotel Trocadero, acabou preso pelo detetive Jack Slipper, que vinha em sua pista. Só que nestas alturas, ele já havia encontrado formas legais para aqui permanecer - que se consolidaram em 30 de janeiro de 1974, quando sua companheira, a morena Raimunda de Castro (anteriormente havia vivido com Edith, Ana Paula e outras) ficou grávida de seu filho, Mike.
Mas isto não foi o final de seus problemas: foi preso pela Polícia Federal (em Brasília, chegou a ter como companheiro de cela o célebre falsário Fernando Legros) e, em 16 de março de 1981, na churrascaria Roda Viva, em Copacabana, foi seqüestrado por um grupo de ingleses, que o conduziram num jatinho até Belém do Pará e dali, num veleiro, a ilha de Barbados. Criou-se um caso diplomático internacional: o Itamarati protestou contra o seqüestro - já que Biggs já estava com sua situação definida no brasil, a opinião pública inglesa dividiu-se (especialmente cativada pela simpatia do filho brasileiro de Biggs) e no final ele acabou retornando ao rio - ficando ainda mais famoso. Biggs já era tão conhecido, a tal ponto que até o fotógrafo Anthony Armstrong-Jones, ex-marido da princesa Margaret, quando em viagem ao Brasil acompanhando o príncipe Charles, foi em sua casa para fotografá-lo em 1978. No mesmo ano ele compôs e gravou "No One Is Inocent" com o conjunto punk The Sex Pistols, no auge do sucesso.
Apesar de toda a badalação internacional - cobrava já em 81 uma média de US$ 20 para ser fotografado ao lado de turistas - Biggs não gosta de se expor. Tanto é que embora tenha vindo fazer o comercial do Sir em Curitiba, rodado na mansão de um conhecido empresário, oficialmente ninguém da produtora admite que as filmagens tenham sido feitas aqui. "Foi no Rio de Janeiro", é a alegação oficial.
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Nota
(*) A Autobiografia de Biggs foi lançada um mês depois no brasil, pela Difel, com o título de "A Minha Verdade"(217 páginas).
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