A bênção de Abril (III)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de outubro de 1983
Para se entender a importância do emanário << Brasil, Urgente >> - ponto de partida da tese do frei dominicano Paulo Cezar Loureiro Botas, que agora surge em forma de livro (<< A Benção de Abril - Memória e Engajamento Católico 1963/64 >>, Editora Vozes, Cr$ 4.000,00) é indispensável um flash-back sobre os fatos sociais-políticos do período - como registramos ontem o prosseguimos hoje. A crise gerada com a renúncia do presidente Jânio Quadrios, em agosto de 1961, e com a tentativa de golpe militar contra João Goulart, seu sucesso legítimo, deixava transparecer a crise aguda do sistema. Após uma campanha de mobilização popular - a da << Legalidade >> - liderada por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul - chegava-se a solução intermediária: o parlamentarismo.
O Congresso Nacional aprovava no dia 2/9/1961 uma emenda - << Ato Adicional >> estabelecendo o sistema parlamentarista. Goulart tomava posse no dia 7 de setembro como presidente da República. A partir deste instante, Goulart lutou para reconquistar seu plenos poderes. No dia 6 de janeiro de 1963 um plebiscito dera ganho de causa ao regime presidencialista.
No dia 23 de janeiro o Congresso revogava o Ato Adicional 14 que instituíra o parlamentarismo. No entanto, o processo de democratização do Estado fundado sobre o populismo estava organizante. Afinal, o populismo enquanto política de aliança entre as classe - burguesia industrial e proletariado urbano - se revelava insustentável. O proletariado industrial começava a participar politicamente do processo de desenvolvimento nacional e se encaminhava para uma autonomia na sua ação. a situação se agravava ainda mais com a extensão da prática de política de massas à sociedade agrária através das Ligas Camponesas, Sindicatos rurais, movimento de Educação de Base. Era grande a influência da Igreja Católica. A JUC e a JEC (Juventude Estudantil Católica) lideravam o setor estudantil. O MEB tinha um programa de ação onde estavam intimamente ligadas a alfabetização e a formação política. No setor agrário os sindicatos católicos conscientizavam e organizavam os camponeses para que exigissem a reforma agrária. Em julho de 1962, no Recife, realizou-se a Conferência do Nordeste, patrocinada pelo setor de Responsabilidade Social da Igreja, da Confederação Evangélica do Brasil. A finalidade do encontro de 167 delegados de 17 Estados (incluindo, naturalmente, o Paraná) representando 16 denominações cujo objetivo era encontrar uma orientação para uma presença mais efetuava na << fronteira cultura, econômica e política >> naquele momento - e o título da conferência era sintomático: << Cristo e o processo revolucionário brasileiro >>.
Lembra Paulo Cezar Botas que as igrejas evangélicas assumiam a dianteira do processo de engajamento social cristão através dos seus representantes. Era a maneira encontrada de refletir os problemas e os desafios brasileiro numa busca sincera de participação concreta dos cristãos. A reinvidicação da liderança cristã na revolução era a tônica da reunião. E os evangélicos assumiam e apoiavam a bandeira das reformas de base.
Neste contexto surgiu, em março de 1963, o jornal << Brasil, Urgente >>. Lançado em São Paulo por uma equipe de leigos liderados por, frei Carlos Josaphat, religioso dominicano, o instrumento de divulgação do novo pensamento católico. Desde o seu primeiro número, BU atacava os meios políticos tradicionais e apoiava o governo Goulart na sua abertura nacionalista. Neste sentido, catalizava interesses de militantes católicos e se tornava alvo preferido dos ataques de católicos e políticos conservadores. O primeiro número de << Brasil, Urgente >>, saiu a 17 de março de 1963, se definindo como << um jornal do povo a serviço da justiça social >>. Iniciava suas atividades com o apoio da hierarquia católica e da Província Dominicana. O então cardeal de São Paulo, D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta recomendava aos seus diretores:
- << Não desejo que Brasil Urgente seja como o caqui: mole, doce e sem nervuras >>. Os meios de subsistências do jornal eram os de uma sociedade de capital aberto, cuja participação se fazia através da venda de ações. Havia 8.000 acionistas e a venda dos seus exemplares era expressiva: 60.000 com um encalhe de 20%. Contribuíra também para seu esquema de manutenção o arrecadado nas conferências e palestras sobre as reformas de base e Encíclicas sociais realizadas por frei Josaphat em várias cidades Várias vezes ele esteve em Curitiba, época em que Paulo Cezar, era estudante colegial).
a editora tinha como nome o lema dos dominicanos: Veitas S/A. A equipe do jornal mantinha contatos freqüentes com os parlamentares que se congregavam na Frente Parlamentar Nacionalista e o então líder da bancada do PDC, deputado Franco Montoro (hoje governador de São Paulo), anunciava na Câmara o lançamento do jornal, em entusiasticas palavras.
A política de << Brasil, Urgente >> se identificava com a política efetivada no período, pelos organismos de esquerda: a da mobilização da opinião pública para se pressão parlamentar, visando a aprovação das leis de Reformas de base. Ou seja, o jornal assumia o encaminhamento tático das esquerdas: o de organizar a atividade política do proletariado em termos de consciência de massa. Publicava as plataformas e manisferos dos partidos e organizações políticas, estudantis e operários. Publicava convocações para passeatas, congressos e assembléias, a propaganda eleitoral dos candidatos do PL (partido Libertador), PDC (Partido Democrata Cristão), PSB (Partido Socialista Brasileiro), e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) à Câmara de São Paulo. O << meio >> estudantil era o mais atingido, pois nele atuavam a JEC, a JUC e a AP. No << meio>. operário e camponês era menos popular, porque estes eram atingidos pelos jornais << Novos Rumos >> do PCB (Partido Comunista Brasileiro), << Política Operária >> da POLOR (Política Operária), << Classe Operária >> do PC do B (partido Comunista do Brasil) e do << Liga >>, do deputado Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas.
Em desembro de 1963, houve a primeira crise na redação de << Brasil, Urgente >>: a Província Dominicana, retirando seu apoio, enviava frei Josaphat para a Europa (ele não mais retornaria, sendo hoje reitor de uma instituição dominicana em Fraiburgo, na Suiça). Tentava-se desmobilizar o trabalho exercido pelo << Brasil, Urgente >>, já então um jornal de grande influência e credibilidade.
Apesar do afastamento do frei Josaphat, circularam ainda mais 15 números - entre 22 de dezembro de 63 (nº 41) até a semana de 28/3/63-3/4/64 (nº 55). Neste último período, BU notociava a mobilização da direita para a preparação de um golpe. Reconhece Paulo Cezar que << Brasil, Urgente >> sofreu - como os outros grupos de esquerda - do radicalismo verbal expresso nas ameaças constantes e vigorosas ao << tigre ferido >>. Dá subestimação da ofensiva golpista e da confiança ilimitada no dispositivo militar do presidente João Goulart. Neste eufórico envolvimento não consideraram a mudança da política externa americana após a morte de Kennedy.
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