Na batalha dos jingles, até Garanhão dançou
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de novembro de 1986
No início, era apenas nos horários radiofônicos reservados ao TRE. Agora, a poluição sonora á geral. Em todo o Estado, mais de 10 mil veículos - de todos os modelos e estados de conservação - percorrem ruas, praças, avenidas e até rodovias para divulgarem as mensagens dos candidatos às eleições do próximo dia 15. Se antigamente, na falta de uma melhor tecnologia na aparelhagem de som, havia necessidade de locução ao vivo em cada veículo, agora uma simples e econômica fita minicassete possibilita a audição clara da mensagem e, o que é importante, dos jingles políticos. Com isto, nunca se ouviu tanta música ufanista e laudatoria como as que foram produzidas aos montes para estas eleições.
Muitos candidatos não se contentam com carros comuns, com dois ou três alto-falantes, para divulgarem suas mensagens e apelam para a fórmula do trio elétrico, transformando caminhões em parafernálias sonoras com decibéis suficientes para ensurdecer qualquer fã até do heavy metal.
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Se não recebem direitos autorais, os compositores requisitados pelos partidos políticos para criarem jingles e mesmo músicas mais longas para os candidatos não têm do que se queixar: desde junho, estão trabalhando bastante, recebendo importâncias que vão desde Cz$ 500,00 por um jingle até Cz$ 20 mil por uma produção completa, incluindo arregimentação dos músicos e cantores, aluguel de estúdios etc.
O fato é que, sonoramente, as eleições não justificam lealdade em termos de produção e há compositores que, honestamente, assumem a condição de jinglistas "exclusivamente como uma questão profissional", como o talentoso Gerson Fisbein, 29 anos - que mesmo se iniciando agora lucrativas atividades na área imobiliária, não deixa de fazer aquilo que mais curte: compor. E, só para estas eleições, Gersinho já fez mais de 30 jingles, a maioria gravada nos estúdios da Audisom, que cobra Cz$ 12 mil por cada produção - destinando menos de 10% ao criador do tema. Como se vê, a lucratividade é boa.
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Paulo Vítola, 39 anos, considerado um dos maiores talentos da Publicidade no Paraná e compositor de mãos cheias, diz que nem se lembra, exatamente, dos jingles que tem criado. "É uma questão puramente profissional, que termina na hora da gravação e da qual não guardo sequer uma cópia em fita" explica o autor das músicas de "Cidade Sem Portas".
Diretor de criação da Exclam, tendo recusado uma proposta milionária - Cz$ 1.2000.000,00 - para se transferir ao staff de Alencar Furtado-Jaime Lerner (este, aliás, seu amigo pessoal), Paulinho tem sido requisitado para criar inclusive spots de candidatos de outros Estados. Gerônimo Santana, de Rondônia, que já havia tido um jingle feito por Paulinho, fez questão que voltasse a fazer uma nova mensagem política.
Profissionalmente - e em parceria com seu velho amigo, Marinho Galera (com quem, há 4 anos, gravou o belíssimo álbum "Cidade da Gente", edição da Fundação Cultural), Vítola não se recusou.
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Rodney Camargo, 40 anos, um dos donos da Audisom, garante que "não existe - como nem poderia existir - qualquer posicionamento partidário em nosso trabalho". Assim, nos estúdios do Juvevê, a sua equipe de criação coordenada por Mara Fontoura, 29 anos, líder do grupo As Nymphas, tem feito jingles para candidatos do PMDB, PL, PTB, PDC e até do PCB e Partido Comunista "do" Brasil. Marcelo Jugend, candidato a Constituinte pelo PCB, amigo pessoal de Gersinho Fisbein, foi um dos poucos a pagar seu jingle com uma redução: por uma afinidade racial (ambos são filhos de israelitas), Fisbein não cobrou o trabalho de criação.
As vésperas de se radicar no Rio de Janeiro - onde vê melhores oportunidades para seu trabalho de cantora, compositora e arranjadora - Mara Fontoura tem reunido várias vezes o grupo As Nymphas, numa espécie de sessões Canto-do-Cisne. É que após 10 anos de existência, o grupo vai acabar, com suas integrantes seguindo caminhos próprios - mas, frente a necessidades de certos jingles, tem havido possibilidades de Miriam Taisa Lao, as irmãs Carmen e Cristina Baker, Gilseley Santos, Soraya e a própria Mara emprestarem suas vozes afinadas para mensagens políticas. Entretanto, em termos musicais, fora de trabalhos de jingles, as meninas estão descrentes e vão se despedir do público com um grande show, ainda este ano.
- Depois, é cada um por si - diz Mara, triste por sentir que mais um (bom) conjunto vocal formado no Brasil chega ao seu final.
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O jornalista Fabio Campana, 39 anos, comandante-em-chefe da comunicação no comitê Álvaro Dias, explica porque os jingles do candidato do PMDB foram produzidos em estúdios cariocas - o Pau & Corda e a Lira Produções Artísticas, sem que sequer se saiba os autores dos mesmos.
- foi uma simples questão de facilidade de produção, qualidade e mesmo preço. O custo de cada um não passou de Cz$ 8 mil.
Mas nem por isto, os autores da terra não foram desprestigiados: Paulinho Vítola fez um novo jingle, que começou a ser veiculado nesta semana.
Também no Rio foram gravados alguns dos jingles da Oposição. Heitor Valente, 38 anos, letrista dos mais experientes esteve numa roda viva para produzir uma série dos mais comunicativos, aliás, que estão sendo intensamente divulgados. De todo, o mais popular é "Que Fim Levou", que em parceria com Prince (cantor romântico, já com discos gravados pela RCA) e Ronaldo Monteiro de Souza (ex-parceiro de Ivan Lins), tem uma estrutura de pagode, com condições de adquirir vida própria independente da campanha política. Quem não gostou foi o ex-secretário Erasmo Garanhão, das Finanças, candidato a Constituinte, que conseguiu proibir sua divulgação no rádio e na televisão - mas não impediu que 1.500 fitas fossem distribuídas por todo o Estado, levando a irônica mensagem.
Que fim levou/aquela comissão do Garanhão!
Que fim levou/ O Dolar do Banco de Assunção!
Se a dor é forte, a gente berra!
Cadê os quilômetros de estradas?
Cadê a terra dos sem-terra?
E o dinheiro da bicharada?
Mudaram d'água pro vinho
E as promessas sedutoras
Foram embora de jatinho/na boite voadora
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Além de produzir jingles para a campanha das oposições, Heitor Valente - mais de 50 músicas gravadas por nomes de prestígio nacional, foi também requisitado para criar mensagens políticas para candidatos de outros Estados. Até para políticos do Maranhão fez suas mensagens - estas em parceria com seu amigo Billy Blanco, além de jingles para candidatos de vários partidos do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Ao contrário dos demais compositores, Heitor Valente não recebeu como free lancer por seu trabalho de jinglista na campanha da Frente das Oposições no Paraná. Coordenando importante setor do comitê de divulgação, tem realizado um trabalho de compositor e produtor (área em que tem boa experiência), com jingles especiais para o candidato Fabiano Braga Cortes - este em parceria com Celso Pirata e a participação da afinda Sonia Burnier. Outro de seus bons jingles foi o sambão "Vamos lá meu povo!", com uma estrutura de grande comunicação.
Os jingles de Heitor - assim como certas criações de Gersinho Fisbein - podem até serem trabalhadas para futuras músicas de duração normal. Fisbein, aliás, não esconde este projeto, já que dos jingles que fez em 1982, quando da campanha de seu tio, o engenheiro Saul Raiz, ao governo do Estado, criou alguns que hoje, com novas letras, integram o seu repertório.
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Já certos jingles [são] enriquecidos pelas interpretações. É o caso da bonita mensagem sonora do senador Enéas Faria, valorizando o sentido da amizade e confiança, que teve uma gravação perfeita da afinada Giselle, uma das bonitas vozes do Paraná - que há muito tenta, de todas as maneiras, encontrar uma brecha profissional no eixo Rio-São Paulo.
Também o jingle de Fabiano Braga Cortes destaca a amizade e em seu caso, há até uma conotação inplícita a quem o conhece pessoalmente: ele tem o hábito de dar apertos-de-mão que quase arrebentam os ossos.
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Reinaldinho Godinho, 36 anos, o principal homem de criação musical do Sir-Laboratório de Som e Imagem, também foi requisitado para desenvolver jingles, gravados com alto nível artístico - uma das características da equipe que possibilita que o hoje bilionário Percy Tamplim seja o empresário do setor de vídeo-áudio que mais fatura no Sul.
Publicitários também foram convocados para auxiliar em algumas letras de jingle. Sergio Mercer, 46 anos, um dos melhores textos da propaganda no Paraná, responsável pela campanha de Jaime Lerner à prefeitura, no ano passado, foi quem desenvolveu a idéia-tema de "Homem com H", que extrapolando o sinples jingle passou a identificar o candidato Alencar Furtado - numa das imagens mais fortes da campanha oposicionista.
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Apesar da utilização de alguns profissionais do Rio e São Paulo, a preocupação maior de Heitor Valente na produção dos jingles da Frente das Oposições foi a valorização dos músicos e cantores do Paraná. Com isto, desenvolveu-se também uma nova faixa de trabalho para profissionais que ainda têm poucas possibilidades de uma sobrevivência digna exclusivamente em estúdios, tímidos em suas contratações habituais.
As mensagens políticas, que a partir do dia 15 serão apenas fitas esquecidas, traduzem, de certa forma, um momento de nossa vida pública e, por uma questão de memória, devem ter cópias preservadas - inclusive no Museu da Imagem e do Som. Afinal, quem não sabe hoje do valor que as marchinhas políticas feitas nos anos 50, nas campanhas de Getúlio Vargas e, mais tarde de Juscelino Kubitschek de Oliveira e Jango Goulart, adquiririam com a passagem daqueles homens públicos para a nossa história política?
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