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Aramis

Memórias de Távora

Memórias de homens públicos sempre trazem revelações surpreendentes. E no terceiro volume ("Voltando à Planície", Coleção Documentos Brasileiros, Livraria José Olympio Editora, 269 páginas, 1977), das memórias do marechal Juarez Távora (1898-1975), o militar que tanta presença teve na vida pública do País durante quase 50 anos, volta a fazer várias citações relacionadas a paranaenses. Nos dois volumes anteriores de suas memórias com o título geral de "Uma Vida e Muitas Lutas"- "Da Planície à Borda do Antiplano" (abril de 1973) e "A Caminhada no Antiplano" (novembro de 1974), já havia rememorado suas passagens por Curitiba, conforme registramos nesta mesma coluna. Agora, na última parte de suas memórias, com prefácio do senador Luis Viana Filho (ex-governador da Bahia), em edição póstuma, as referências ao Paraná são menores, mas assim mesmo significativas. Uma das partes mais interessantes, para os leitores paranaenses, é quando Juarez Távora recorda as razões que o fizeram decidir-se a concorrer pela UDN a presidência da República, em 1955, enfrentando a Juscelino Kubitschek (PSD - PTB), que acabaria sendo eleito. Chefe do Gabinete Militar do presidente João Café Filho, Juarez vinha resistindo a indicação de seu nome, para não prejudicar a escolha do ex-governador Etelvino Lins como candidato das correntes políticas que se opunham à candidatura Kubitschek. Entretanto recrudescera em São Paulo a campanha em torno do lançamento, pelo PDC, de sua candidatura à Presidência da República. "Telegrafei e escrevi ao deputado Franco Montoro, reiterando-lhe a intenção de não me candidatar contra o Dr. Etelvino Lins, e pedindo-lhe fazer cessar a campanha desencadeada, naquela capital, em favor de minha candidatura, sobretudo no momento em que ia reunir-se a Convenção Nacional da UDN. Esses documentos têm data de 27 de abril. E para evitar novos aborrecimentos, resolvi embarcar para o Paraná, nesse mesmo dia 27, aceitando convite de meu prezado amigo engenheiro Oscar Machado da Costa, então trabalhando no reforço de obras de arte especiais da RVPSC, para assistir a substituição das pesadas vigas em treliça da ponte sobre o Rio Iguaçu, em Porto União". A caminho de Curitiba, Juarez parou no campo de Marte, em São Paulo, ali se encontrando, a pedido do brigadeiro Eduardo Gomes, com o governador Jânio Quadros, "para tranquilizá-lo acerca de boatos de golpe imediato que estavam, então, circulando no país. Depois de ouvir o recado que o Ministro da Aeronáutica me pedira transmitir-lhe, pudemos esclarecer, nessa entrevista, os mal-entendidos surgidos entre 2 e 4 de abril, à margem da desistência de sua candidatura à Presidência da República, para o lançamento da minha". De Curitiba, Juarez foi em automóvel para Porto Amazonas, sede do escritório regional de Oscar Machado. No dia seguinte assistiu a substituição das velhas treliças na ponte ferroviária e viajou a Foz do Iguaçu, percorrendo a estrada em obras pela CER-1. Quando voltou de Foz do Iguaçu, em Porto Amazonas, na casa do engenheiro Machado da Costa, recebeu o professor Alípio Correia Neto, reitor da Universidade de S. Paulo e presidente do Partido Socialista Brasileiro e o deputado federal do PSP, Cori Porto Fernandes. Os dois reiteraram a Juarez a necessidade dele aceitar sua candidatura a presidência da república, pois a sua recusa poderia facilitar a Ademar de Barros, "ou outro demagogo, para eleger-se Presidente da República no pleito em andamento". Após duas horas de conversa, os visitantes despediram-se. "Era tamanha a minha sensação de angústia e de perplexidade, que lhes pedi o favor de deixar-me acompanha-los, em seu automóvel, até a saída da cidade, a fim de forçar-me a uma volta a pé, de cabeça descoberta ao sol e ao vento. Esperava que essa caminhada ao ar livre me desanuviasse um pouco o espírito contundido pelo áspero sermão que acabaram de ouvir. E, de alguma forma foi uma espécie de válvula de escape para a sensação opressiva que me sufocava. No dia seguinte, junto com o general Inácio José Veríssimo comandante da Artilharia Divionária da 5º Divisão de Infantaria, Juarez veio para Curitiba, hospedando-se na casa do engenheiro Flausino Mendes, diretor da RVPSC. Manteve contactos com o governador Adolpho de Oliveira Franco e após almoçar na casa do professor Julio Moreira, (que aniversariava naquele dia, pai do major Mauro Moreira, seu assistente militar, Juarez dirigiu-se ao aeroporto Afonso Pena, a fim de tomar um avião para o Rio. "Na hora do embarque encontrei-me com o professor Flávio Suplici de Lacerda, magnifico Reitor da Universidade do Paraná. Ao entrar ele, comigo, no avião, avistou sentados um pouco à frente e cochichando um com o outro, o ex-governador Moisés Lupion, do PSD, e o senador Sousa Naves, do PTB. O professor bateu-me no ombro e perguntou-me: - Conheces esses dois cavalheiros sentados à nossa frente? - Apenas de vista, respondi-lhe. - Já se consideram donos do Brasil e estão maquinando alguma jogada em benefício próprio, replicou-me o Magnífico Reitor. Nada lhe retruquei. Mas ele concluiu com este apelo: - Tente evitar isso, General, aquiescendo em ser candidato, nas próximas eleições para Presidente da República. Talvez houvesse conversado, a respeito, com o seu colega da USP, calculei eu... Despedimo-nos, em seguida, e fiquei pensando no caso durante toda a viagem. Chegando ao Rio, por volta das dezoito horas, havia tomado, afinal uma decisão: ia permitir o lançamento de minha candidatura, mesmo sem a retirada prévia da candidatura de Etelvino Lins, e sem a segurança de vir a contar com o apoio do Governador Jânio Quadros". É uma pena que o professor Suplici Lacerda, hoje enfermo, em tratamento na Clínica de Repouso João XXIII, não possa ler as memórias de Juarez. Que lhe atribuiu, assim, uma parcela decisiva em sua resolução de concorrer a presidência do Brasil, há 22 anos passados.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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24/03/1977

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