Login do usuário

Aramis

Cadilhe, um carnavalesco das memórias curitibanas

Se o carnaval curitibano tem uma memória ela se chama José Cadilhe de Oliveira. Pois este pontagrossense que se curitibanizou há quatro décadas - quando veio estudar na Capital - é o exemplo do Cidadão Samba, capaz de cantar mais de 300 marchinhas e sambas carnavalescos, contando alguma estória sempre bem humorada a respeito de cada uma. - Já pensei até em fazer um programa de rádio, em parceria com o Nireu (Teixeira, secretário dos Negócios do Governo da Prefeitura de Curitiba), que também conhece música como ninguém e tem ainda uma vantagem: é um exímio executante de caixa-de-fósforos. O programa nunca foi ao ar - mais uma prova da falta de visão dos homens que dirigem as rádios da cidade, que nunca souberam aproveitar talentos espontâneos como o de Cadilhe e Nireu. Ao gravar o depoimento para o projeto Memória Histórica do Paraná, José Cadilhe de Oliveira foi apresentado pelo coordenador João Dedeus Freitas Neto como "um homem que realmente representa o brasileiro em suas paixões: a união do amor pelo futebol, samba e carnaval". "Bebida não", diz Cadilhe, que sem ser abstêmio jamais bebeu um gota de álcool em seus 60 carnavais - considerando que aos sete anos, em Ponta Grossa, de calças curtas, já vibrava com a festa de Momo. - Depois que me tornei dirigente de escola de samba, então, o trabalho passou a ser bem mais sério e graças a isto os Embaixadores nunca deram vexame - explica. Os Embaixadores do Samba - a segunda escola de samba mais antiga da cidade (Colorado tem três anos a mais) nasceu como Cevadinhas do Amor, em 1948, e Cadilhe não se cansa de repetir a história: - Havia um grupo de foliões entusiásticos que se reunia no bar Stuart, na Praça Osório. Surgiu a idéia de fazer um bloco organizado e alguém lembrou de procurar patrocínio da Brahma. Felizmente havia um gerente de visão na fábrica de bebidas e foi possível fazer 48 fantasias, adereços etc., e até o símbolo da agremiação - bolado por um japonês, cujo nome não lembro. E o sucesso quando saímos pela Rua XV de Novembro foi enorme... No ano seguinte a Brahma mudou seu gerente em Curitiba e ao invés de um homem sensível ao Carnaval veio um alemão de maus bofes que recusou financiar o grupo. A solução foi procurar a maior concorrente da Brahma - a Antarctica - e o tema da fantasia foi "O Pinguim" - marca registrada daquela fábrica de cervejas. - A partir de 1950 é que organizamos mesmo a Embaixadores, com estatuto, livro-ata etc., explica Cadilhe, ao lembrar que até então o Carnaval curitibano era espontâneo, com blocos formados por amigos de diferentes bairros. - Nos anos 20 existiu aqui até uma Kananga do Japão, nome que agora voltou em evidência com a novela da Manchete. Depois vieram os Vassourinhas e, a partir de 1946, só Vira-Latas, que mais tarde basearia os Asas da Alegria, liderado por Lauro de Carvalho Chaves - e único do Dom Pedro II. Primeira escola de samba a se estruturar legalmente, com diretoria que reunia nomes conhecidos e ligada a sociedades tradicionais - inicialmente no Seminário, depois na Thalia - a Embaixadores da Alegria nunca conseguiu o título de campeã do Carnaval. - Chegamos a 16 segundos lugares, mas o primeiro lugar sempre nos foi negado - diz Cadilhe, com um certo amargor. Afastado há 12 anos da direção da Embaixadores da Alegria - embora continue a acompanhar o Carnaval - Cadilhe vê com tristeza a decadência do Carnaval de rua - e também a mudança na festa nos clubes. Em seu raciocínio, quatro fatores contribuíram para que os carnavais, com suas marchinhas, alegria e espontaneidade, sejam, tal como confete, pedacinhos perdidos de saudade: o final do corso (desfile de carros com foliões pelas ruas da cidade); a proibição do lança-perfume (uma ingenuidade, frente às drogas pesadas que hoje existem) e, especialmente, duas razões de ordem econômica: a carestia do material carnavalesco e a profissionalização dos músicos. - Hoje é impossível formar uma bateria de categoria sem contratar profissionais de percussão que cobram preços elevados. Neto de um jornalista e dramaturgo cuja obra espera ainda uma merecida revisão - José Cadilhe, nascido em Paranaguá, Cadilhe de Oliveira admite ter herdado um pouco da irreverência e alegria de viver intensamente a cada minuto. Advogado da turma de 1949 da Universidade Federal do Paraná, Cadilhe integrou por muitos anos a equipe do escritório João de Barro. Seria, entretanto, na justiça esportiva que faria carreira. Hoje é considerado um dos melhores (e poucos) especialistas no campo esportivo, o que o levou a se integrar em dezenas de entidades - merecendo homenagens que o fazem presidente honorífico ou membro honorário de federações, ligas, conselhos etc. Amigos têm insistido em que passe para o papel sua experiência de advogado em questões esportivas e nos últimos meses passou a considerar esta possibilidade. - Afinal, há muito para ser visto - explica, elogiando colegas mais jovens que também têm se destacado na justiça esportiva no Paraná, como Boleslau Sliviany, Antonio Mafuz e Norberto Trevisan. Um dos homens mais populares e estimados em Curitiba, com trânsito em várias áreas, Cadilhe seria um excelente secretário de Esporte e Turismo. Entretanto, o poder oficial não o atrai. Nem a política, apesar de, "como pecado da juventude", ter se candidatado a vereador (1948) e à Assembléia Legislativa (61), sem sucesso. - Para vereador perdi por apenas 23 votos. O suficiente para mostrar que entre a política e o Carnaval, o samba é mais leal. LEGENDA FOTO - Cadilhe: memórias carnavalescas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
15/10/1989

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br