O jazz saboroso que Cuba exporta
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 15 de outubro de 1989
Cuba não é apenas sinônimo do (melhor) charuto e socialismo tropical mas, sim, sonoramente, um ilha de grande riqueza como se prova através dos gêneros & talentos musicais que ali surgiram. Se a Nova Trova Cubana - com Sílvio Rodriguez e Pablo Milanez - explodiu na última década, graças à ponte cultural que Chico Buarque (e outros intelectuais do primeiro time) souberam construir - há também outros criadores notáveis da música cubana, sem folclorismos & concessões que começam a acontecer mundialmente. A razão mais do que suficiente para que uma poderosa multinacional (Warner/WEA) volte-se para este filão e, de uma só vez, enriqueça nosso acervo musical com quatro esplêndidos álbuns.
Jazz Tropical
Há dois anos, durante o IV FestRio, Ney Sroulevich, o grande idealizador-comandante do maior evento cinematográfico do Brasil, não trouxe apenas ótimos filmes. Revelou também aos brasileiros o trompetista Arturo Sandoval que, no restaurante do Hotel Nacional, se transformou em atração tão grande quanto os filmes que eram projetados na sala Glauber Rocha. Elogios não faltaram a Sandoval mas apesar de toda a cobertura nenhuma gravadora se animou, na época, a aqui lançar algum título de sua rica discografia, no qual se destacam três volumes com Dizzy Gillespie, seu amigo e admirador. Deslumbrados com seu sopro, críticos das mais importantes publicações já o classificaram de "o deus do trompete" ou "o maior trompetista do mundo". Sem abrir mão de suas origens latinas, Sandoval se impôs jazzisticamente e uma foto em que aparece cercado por cobras como Gillespie, Marry "Sweet" Edison, Wynton Marsalis e Jon Faddis mostra o conceito que obteve ao longo de sua carreira, na qual tem atuado com músicos como os trompetistas Maynard Ferguson e Woody Shaw; saxofonista da dimensão de Stan Getz e Benny Carter e bateristas como Billy Cobham e Art Blakey - afora experiências no lado erudito, com Michael Legrand e o pistonista francês Maurice André.
Antes de se consagrar como solista, Sandoval foi um dos responsáveis pelo destaque do Irakere, de quem a WEA traz também um dos 20 elepês já gravados pelo grupo, que mescla metais com uma base de teclados, guitarra, bateria e irresistível percussão. Liderado por Chucho Valdéz, o Irakere teve por muitos anos a participação de Sandoval. O jornalista Roberto M. Moura, convocado para fazer a apresentação no Brasil deste pacote cubano, informa que o Irakere, com seus 11 craques, já realizou mais de 70 excursões internacionais - Europa e Ásia, embora nunca tenha chegado ao Brasil. A crítica também tem enaltecido o grupo de Chucho Valdéz, que cresceu ouvindo Glenn Miller e misturou a influência das big bands com a música e o estudo clássico. Há 19 anos, num Jazz Jamboree, em Varsóvia, Chucho já apresentava sua "Missa Negra", aplaudida por músicos como Bill Evans, Herebie Hancock, Peterson e Chick Corea. Em 1971, o jazz fórum da Playboy americana incluía Valdéz como um dos cinco melhores pianistas de jazz do mundo.
Outro notável pianista cubano que temos agora oportunidade de conhecer é Gonzalo Rubalcaba, 26 anos ("Live in Havana"), que com uma carreira relativamente curta já conseguiu um prestígio imenso: aos 19 anos, extasiava no Festival Internacional de Varadero-82; aos 22, Dizzy Gillespie enaltecia seu estilo e hoje, já tem sete elepês gravados e chega ao Brasil ("Live in Havana"), com a experiência de quem atuou em inúmeros festivais, com brasileiros como Airto Moreira, Flora Purim e João Gilberto; vanguardistas como Archie Sheep e o Art Ensemble de Chicago. Dizzy, ao ouvi-lo no Festival Plaza 85, deu o elogio definitivo; "Fazem muitos anos que não ouço um pianista como Gonzalo".
A Nova Trova - O mais conhecido nome da chamada Nova Trova, Pablo Milanez, 46 anos, é parceiro de Chico Buarque ("Iolanda", "Canción por la Unidade Latino-Americana") e tem merecido a admiração (e parcerias) dois melhores nomes de nossa MPB - como Milton e Gil, assim como foi amigo da chilena Violeta Parra e trabalhou com a argentina Mercedes Sosa e o espanhol Joan Manuel Serrat.
Com 30 anos de atividades profissionais, discípulo do maior nome do violão em Cuba (e um dos grandes do mundo) - Leo Brouwer, Milanes se integrou ao Centro de Canção Política da Casa das Américas, em Havana e, ao lado de Sílvio Rodriguez (também popular no Brasil) e Noel Nicola, projetaria a chamada "Nova Trova". Em suas andanças pelo mundo, Pablo se tornou um grande embaixador da cultura musical cubana. Amigo pessoal de Fidel repete sempre:
- "Tratamos de expressar um mundo novo, de cantar o amor e apolítica, sem concessões e com autenticidade. A música passa por cima dos sistemas políticos: os cubanos como os negros americanos provêm de etnias similares e têm uma identificação que nenhum antagonismo político pode negar".
Este pacote de quatro elepês é uma excelente introdução à música cubana contemporânea. Que o projeto resulte em novos volumes.
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