Pablo, um compositor da Nova Trova Cubana
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de janeiro de 1987
A chamada Nova Trova é a prova de quanto pode um movimento musical de grande solidez fazer para aproximar culturalmente um país do hemisfério do qual se encontrava afastado. Anos antes das demarches para o reatamento das relações diplomáticas Brasil-Cuba terem sido iniciadas, os brasileiros já começaram a conhecer, admirar e amar a nova música cubana - especialmente a de dois intérpretes-compositores, Pablo Milanez e Silvio Rodriguez.
Para tanto, a maior colaboração foi de Chico Buarque de Hollanda, que em sua integridade e coerência política foi o primeiro grande nome da vida intelectual brasileira a se voltar a Cuba e, ignorando proibições, estabelecer contatos diretos. Viagens, caravanas de artistas brasileiros que ali fizeram apresentações, uma intensa programação com a Casa de Las Américas, ignorando os ódios anticomunistas acabaram triunfando e se hoje a visita a ilha de Fidel já faz parte dos mais burgueses programas de agências de turismo, há 10 ou 8 anos a coisa não era bem assim!
Pouco a pouco, Milanez e Rodriguez foram encontrando seu público no Brasil em discos ou em apresentações, sempre ajudadas por Chico Buarque, que, avesso a fazer shows, abriu exceções para dar força aos seus amigos. Agora, pela RCA/Ariola, temos um definitivo álbum mostrando o vigor e beleza da obra de Milanez ("Querido Pablo"), com a participação de inúmeros amigos que o admiram pela sua coerência e, especialmente, belíssima obra musical.
Agradável da primeira a última faixa, equilibrado, comunicativo, eis um exemplo de disco que ultrapassa qualquer projeto político para merecer o entusiasmo de quem aprecie antes de tudo a música, a poesia, as belas vozes e arranjos inteligentes. Abrindo com uma parceria de Pablo Milanez com Nicolas Guillen ("De que callada manera"), em interpretação sentida de Pablo e da cantora espanhola Ana Belém, o disco prossegue com "Son De Cuba A Puerto Rico", "Yo No Te Pido" (com Pablo e Miguel Rios), "Pobre Del Cantor", "Quando Gané, Quando Perdi", "Yo Pisaré Las Calles Nuevamente" (com o espanhol Jean Maramuel Serrat), "Amor Esta Isla", "El Tiempo, El Inpacable, El que Pasó" (com E.E. Aute), "Canción por La Unidad Americana" e "Quien Me Tienda Una Mano Al Pasar" no primeiro elepê.
O segundo volume abre com Chico Buarque dividindo a interpretação de "La Vida no Vale Nada", seguido de Mercedes Sosa em emoldurar "Anos". Na terceira faixa, Pablo, sozinho, em "No Me Pidas", enquanto Amaya Uranga está em "Para Viver" e Victor Manuel em "Amor". Silvio Rodriguez, o outro grande nome da Nova Trova cubana é ouvido em "El Breve Espacio En Que No Estás" - ficando as demais faixas apenas por conta de Pablo.
Arranjos e regência de Geoff Westley, ótimos instrumentistas convocados e, principalmente, a beleza das músicas de Pablo fazem deste álbum duplo um dos lançamentos do momento. Indispensável a quem curte a nova música cubana - que antes de ser política, é romântica e de qualidade.
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