Simone e o alto preço do sucesso
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de março de 1992
Quando uma cantora atinge o status de superstar aumentam as cobranças. De um lado, o público sempre a exigir novidades e uma qualidade que supere (ou ao menos empate) com o trabalho anterior; de outra margem do rio, os implacáveis números comerciais: o resultado de vendas que não pode decepcionar.
Assim, não é sem razão que muitas estrelas (e astros) da canção sintam-se tensos perante a responsabilidade de cada novo projeto fonográfico - hoje se ampliando para as variantes do CD, fita cromo e mesmo vídeos. Simone, que tem uma das carreiras mais regulares dentro de nossa MPB, também sofre com este equilíbrio no fio da navalha, pois mesmo que a crítica não esvazie seu público, é claro que quando as vendas não ultrapassam os números mínimos a preocupação chega.
Em seu último elepê, lançado ainda no ano passado, Simone soube, inteligentemente, cercar-se dos melhores instrumentistas, buscar a experiência do produtor Mazzola e, principalmente, reunir um repertório equilibrado. Sem concessões, sabendo dar a cada faixa a dimensão que uma voz (e estilo) privilegiado consagraram em 19 anos de carreira, Simone desfila um pacote de belas canções, entre inéditas ou consagradas ("Brigas", Jair Amorim/ Evaldo Gouveia e "Conto de Areia", Romildo/Toninho) para chegar, mais uma vez, aos corações e ouvidos de seu público sempre fiel. Para tanto, há momentos de intensa beleza como a parceria do pianista Wagner Tiso e o poeta Ronaldo Bastos, "Meu Ninho", que na simplicidade referencial a um clássico da canção brasileira ("Fiz a Cama na Varanda"), tem na singeleza o seu grande cordão de comunicação. Ivan Lins/Vitor Martins, com "Ai Ai Ai" comparecem com um swing que Simone sabe aproveitar, para um arranjo em que requisitou inclusive uma secção de cordas (presentes aliás em várias faixas) e as flautas de Celso e Mauro Senise. Outro belíssimo momento é "Raios de Luz" do tecladista Cristóvão bastos e poeta Abel Silva, num arranjo de Chiquinho de Moraes. Gonzaguinha - cujo primeiro aniversário de morte transcorre no próximo dia 29 de abril (e que será marcado com uma grande festa de sanfoneiros, em praça pública, em Curitiba) não poderiam ser esquecidos por Simone, a quem forneceu tantos sucessos. Assim, com toda sua emoção, Simone faz de "Tempera" um canto póstumo a memória do grande compositor:
Tempera/ A deusas têm a tempera
Pura energia e tempera
Pura magia e tempera
Temperatura.
Duas faixas - para nós as menos expressivas - para públicos específicos: os jovens, o "Será" (Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Marcelo Bonfá) e ao público que aprecia o cubano Pablo Milanez, a versão que Chico Buarque fez para "Todos os olhos te olham".
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