Jésus, humorista do final do século XX
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de março de 1992
Embora jornalista não fale de si - e sim dos outros - Jésus Rocha abriu uma exceção. Para que seu livro seja mais conhecido, autoentrevistou-se para passar um pouco do que pensa sobre o Brasil, o humor e a vida, neste momento em que "Noções Unidas", em textos maiores, menores, frases e cartuns, procura apresentar uma bem temperada salada russa de "noções do governo, sexo, família, ditadura, democracia, casamento, violência, corrupção, solidão, mesmo, amor, ódio, vida, morte, Brasil etc.
- "Fazer humor no Brasil é fácil - diz. É mais um trabalho de percepção do que de criação. O humorista não tem que criar muito, e sim perceber, arrumar a realidade. De repente, o que parecia sério se torna o que realmente é: uma piada. O humorista brasileiro corre o risco e se repetir porque nossos problemas não mudam. Durante a Constituinte, eu até sugeri um lobby da categoria exigindo problemas novos. A sacanagem é a mesma dos últimos 492 anos. Às vezes, tento ficar otimista dizendo a mim mesmo: calma! Estamos atravessando um século difícil! A única coisa que me tranqüiliza é saber que não sou o único intranqüilo".
Jesus se considera um ex-subversivo.
- "Ou melhor, fui. E como disse na minha peça "Viva a Nova República", fui preso uma vez, e só não fui mais por incompetência da polícia, porque eu merecia. Merecia até ser exilado. Hoje eu seria um importante ex-exilado, com vários livros publicados ou talvez correspondente de jornal na Alemanha".
Em "Noções Unidas", selecionada de sua imensa produção, Jésus evitou dar nomes aos bois - ou seja aos personagens. Explica:
- Quero que o livro se mantenha atual como a maioria dos problemas, das loucuras que aborda. Infelizmente, sei que não perderá atualidade. Mas seus personagens sim. Alguns deputados, ministros, que inspiraram muitas frases, há 3,4 anos, nem lembro seus nomes. Mas as piadas continuam valendo...
Só existe um político nominalmente citado em "Noções Unidas": Paulo Salim Maluf, ex-prefeito, ex-governador de São Paulo e, como sempre, candidato a tudo: de vereador a presidente. Jésus Rocha explica a exceção:
- "Hoje Maluf é mais que um nome, é uma instituição. Um modus operandi. A frase com ele é até inocente: "Maluf é o único pianista do mundo que toca a quatro mãos - sozinho".
Jesus se autodefine como "humorista do fim do século'.
"Eu disse à editora que queria a palavra "humor" ou "humorista" na capa. Porque os balconistas das livrarias nem sempre sabem totalmente o que contêm todos os livros. E se você perguntar por um livro de humor, a primeira coisa que eles pensam é nas "Piadas do Pasquim" ou do Costinha. E nessa, até Woody Allen e Millôr Fernandes podem dançar. Assim nasceu a frase: "O humorista do fim do século". Poderia ser o humorista do século XX. Mas eu sou modesto".
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