No Mistério das Vozes Búlgaras a nova e emocionante sonoridade
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de março de 1992
Lançado no final de 1992 - e praticamente só divulgado em janeiro - um dos mais interessantes discos de música vocal está passando injustamente despercebido: "Le Mystére Des Voix Bulgares" (Polygram)/CD, preço médio de Cr$ 20.000,00).
Nos últimos anos, a imprensa especializada européia começou a chamar atenção para este original grupo vocal, formado exclusivamente por mulheres, que apresentam "uma insólita ordem polifônica em timbres corrosivos" como escreveu o sempre atento Antonio Gonçalves Neto, da "Folha de São Paulo".
Pier Paolo Passolini (1922-19750, o cineasta, poeta, escritor, ativista político, que está sendo reavaliado a propósito de seu 70o. aniversário de nascimento, foi o primeiro a perceber a beleza e inusitado das vozes búlgaras, que tiveram gravações providenciadas graças ao produtor discográfico Marcel Cellier. Assim, em trechos das trilhas sonoras de seus filmes "O Evangelho Segundo Mateus" (1964) e "Medéia" (1970), Pasolini empregou, com muita precisão, este canto que exerce um compreensível fascínio para ouvidos mais sensíveis. Há três anos, foi o canadense Denys Arcand, que também recorreu a trechos musicais das Voix Búlgares - em seu sentido gregoriano - religioso - para ilustrar algumas passagens do belo filme "Jesus de Montreal".
No ano passado, o Festival de Montreaux, a cada ano mais aberto a experimentos musicais vindos de diferentes partes do mundo, abrigou apresentações deste conjunto vocal, da qual, até o momento, se ignora maiores detalhes.
Finalmente, com a inteligente decisão da eficiente Fátima, diretora da área de jazz e clássicos da Polygram, em incluir no suplemento de dezembro o terceiro volume da série de discos que Le Mystére Des Voix Búlgares já fizeram, propicia-se que os interessados em canto coletivo possam apreciar este trabalho, que reúne canções definidas como populares na [Bulgária], em tratamentos de Setefan Mountagshiev, Krassimir Kuratshynski, Nikolai Kaufmann, Ivan Spassov, Kosta Kolef e Guerorgui Mitschev que, julgamos, integrem-se às experiências desenvolvidas por este original grupo. Gonçalves Filho, em sua audição e sensibilidade, observou que "o termo popular é amplo o suficiente para abrir uma restauração discutível de elementos da tradição religiosa ortodoxa" como é a que passa a audição atenta das 14 faixas deste significativo CD. Na maioria destas faixas, um coro feminino "a capella" pratica os malabarismos vocais (que no Brasil iniciam já a [partir] do terceiro volume) conquistem cada vez mais um público classe "A".
Na opinião de Antonio Gonçalves Filho, pode-se até fazer uma aproximação destas vozes búlgaras aos coros femininos de Bela Bartock (1881-1945).
O compositor húngaro fez arranjos para canções populares de seu país que, elevadas a padrão musical, acabaram adquirindo formas um tanto esquizóides. Nem por isso deixaram e ser atraentes".
Le Mystére Des Voix Bulgares passa uma sonoridade pastoral - numa sugestão das próprias montanhas balcâmicas - em todo o mistério da civilização, arte e cultura de raízes de uma das regiões do mundo praticamente desconhecidas a nossos poluídos e colonizados ouvidos. Um lançamento classe A, seguramente dos melhores já feitos pela Polygram.
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