Caminhos e definições da crítica de cinema
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de dezembro de 1988
Sem querer, o cineasta paranaense Sérgio Bianchi foi o único realizador brasileiro que acabou se beneficiando diretamente do Seminário "A Crítica Do Cinema em Questão", realizada entre os dias 28 e 30 de novembro, no auditório da Cinemateca do Museu de Arte Moderna-RJ - como última atividade do V FestRio. É que o simpático Serjão, que se encontrava no Rio para tratar da participação de seu filme "Romance", em novos festivais internacionais, foi procurar no MAM o crítico José Carlos Avellar, coordenador do seminário. Entre a espera para falar com Avellar que é um dos principais assessores da Fundação Brasileira de Cinema, responsável justamente pela participação de filmes brasileiros em festivais no Exterior - Bianchi assistiu algumas das sessões do seminário e acabou fazendo bons contatos. Por exemplo, o crítico Pieter Van Lierop, da Holanda, lhe deu algumas dicas em relação ao próximo festival de Roterdam, no qual possivelmente "Romance" estará sendo apresentado.
Andrei Plachow, crítico russo, por 10 anos na redação do "Pravda", hoje um dos dirigentes da associação dos cineastas russos e influente executivo do Festival Internacional do Cinema, acenou, discretamente, com a possibilidade do último filme de Bianchi (que teve muitas seqüências rodadas em Curitiba) ir ao festival russo - apesar de sua temática (incluindo homossexualismo) contradizer dogmas da censura soviética.
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Com a participação de nove críticos internacionais, que haviam vindo ao Rio de Janeiro para cobrir o V FestRio, e mais uma dezena de brasileiros - dos quais apenas uma de São Paulo, a sempre respeitada e admirável Pola Vartuck - o Seminário organizado por Claudia Furiatti e José Carlos Avellar, atingiu seus objetivos: fazer uma análise da crítica cinematográfica, de sua importância nos meios de comunicação e o futuro do próprio cinema. Klaus Eder, crítico alemão, diretor do Festival de Munique e que como secretário geral da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica foi o coordenador internacional do evento, salientou, já na sessão de abertura, que esta reunião - dando seqüência a encontros anteriores promovidos este ano em Londres e Milão - tinha duas razões principais: em pesquisa realizada pela própria Federação, constatou-se que a crítica de cinema, apesar do grande interesse que desperta no público leitor, não influencia de forma direta a escolha do potencial expectador de filmes. "O que ocorre, com freqüência, repetiu, é a leitura da crítica após a assistência do filme em questão". Por outro lado, também se observou que a análise do crítico tem sido muito condicionada pela estratégia publicitária do produto-filme, em detrimento de critérios de julgamento estético menos parciais.
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Sinceridade não faltou nas exposições dos críticos. Tanto os estrangeiros quanto os brasileiros reconheceram que a influência da crítica sobre o público é reduzida.
Os espaços destinados a análises e reflexões sobre o universo do cinema tem sido diminuídos - embora cresça o espaço destinado a promoção de produções cada vez mais comerciais. "Rambo" foi o filme-exemplo mais lembrado para caracterizar os novos tempos em que a imprensa, em especial, abre espaços generosos a notícia cinematográfica mas substitui o crítico tradicional pelo resenhista, eliminando assim, pouco a pouco, o verdadeiro estudioso e conhecedor de cinema - pela imagem superficial do jornalista convocado para escrever sobre um determinado filme. Este aspecto resultou em amplas digressões e a jornalista (e também crítica) Susana Schild, do "Jornal do Brasil", com inteligência resumiu a questão: pode-se dizer que o grupo se dividiu entre os muitos pessimistas e os poucos pessimistas. No primeiro, estão aqueles formados pelos anos 60 quando a crítica [estava] junto ao público. No segundo, estão aqueles que vêem na própria banalização da crítica, com redução de profundidade e espaço, uma nova etapa de atividade, representada, mundialmente, pelas resenhas, vistas pelos puristas como uma crítica de segunda classe. Mais ou menos como as discussões psicanalíticas entre as tradicionais análises individuais no divã e terapias alternativas mais rápidas e menos puras.
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Mesmo com a ausência de críticos latino-americanos e dos Estados-Unidos - e uma mínima participação de profissionais fora do Rio de Janeiro - o seminário vale pelas informações trazidas, especialmente pelos críticos de outros países. Mike Downey, correspondente do "Screen Internacional" em Berlim Ocidental, fez uma análise do jornalismo cinematográfico europeu, enquanto o holandês Peter van Lierop enfocou o caso dos filmes de qualidade artística que se esgotam nos festivais.
Klaus Eder, como um jornalista que acompanha grande parte dos festivais de cinema que acontecem em todo o mundo, confirmou um dado para se pensar: menos de 80% dos filmes produzidos no mundo chegam aos circuitos de exibição, ficando a maioria restrita a televisão. Da produção levada a mais de 70 festivais de Huelga, na Espanha; (Havana e do Cairo) também se restringem aos países de origem - e as mostras, sem mínimas chances de obterem distribuição comercial. Portanto, é ilusão pensar que se conheça o cinema que se fez no mundo: mesmo os jornalistas que mais acompanham os festivais nos cinco continentes (e são raros com este privilégio) tem uma visão limitada. O grande público, então fica restrito apenas a produção comercial - geralmente americana - e os filmes de seus países. "Uma situação que não se inverterá, ao menos na forma do cinema tradicional" disse o crítico Norbert Grob, da Alemanha Ocidental.
Gravadas em fitas, num trabalho da assessora Marcia Vitari - jornalista e apaixonada por cinema - as exposições e debates do seminário deverão resultar numa publicação, com textos mais longos - com as profundas reflexões do crítico polonês Jerzy Plazewski e a histórica análise que Saul Pereira de Melo fez sobre o pioneiro "Fan", órgão oficial do primeiro cineclube existente no Brasil - o "Chaplim Clube", editado entre 1929/30. Nelson Hoineff, presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, expôs a situação da crítica no Brasil - com informações ampliadas por Avellar, em suas exposições didáticas, claras e profundas - mostrando a sua visão da questão.
Patrocinado pelo Goethe Institut - o diretor do Instituto no Rio de Janeiro, Hans-Joachim Schwierskott, presente em todas as sessões - o seminário serviu para retirar um pouco do complexo de inferioridade da crítica regional: falar sobre cinema, em termos profundos, está em crise em (quase) todo o mundo.
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