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Aramis

Candeias, a arte de filmar sem dinheiro

Conhecendo-se a pessoa Ozualdo Ribeiro Candeias entende-se melhor o seu cinema. Paulista de Cajubi (5/11/1922), quase divisa de Mato Grosso, origens humildes, é um autodidata que aprendeu a fazer no cinema com uma câmera na mão e muitas idéias na cabeça. Portanto, não foi sem razão que apesar de toda discriminação que a turma do Cinema Novo, do Rio, tinha em relação aos paulistas, ele acabou sendo aceito como um dos criadores mais importantes dos anos 60, a partir de "A Margem", um filme de concepcão simples mas que revisto 20 anos depois, mostra sua energia e voltagem, com imagens de uma tragédia grega interpretada por dropouts das margens do poluído rio Tietê. Mesmo quando faz trabalhos comerciais - como "Caçada Sangrenta"(1974) ou "A Freira e o Torturador"(1984), Candeias não deixa de colocar suas idéias e forma pessoal de ver o mundo. Liberto de amarras ideológicas - embora não esconda sua simpatia pelo PT - Candeias repete sempre que o importante é "a gente ser sincero naquilo que faz". E esta sinceridade o faz com que seus filmes jamais busquem qualquer glamorização da realidade - muito pelo contrário, focando um lado incômodo e que desagrada aos que buscam o cinema como entretenimento. A formação de autodidata, um curso de contabilidade, experiências profissionais em várias atividades e um aprendizado num curso prático de cinema, além de uma extrema simplicidade de viver - traduzida em seus trajes simples, sua barba rala e forma direta de falar, não escondem algumas certezas. "Por exemplo, me recuso a ser humilde", diz com firmeza, acrescentando: - Não sou humilde naquilo que acredito. O que faço com certeza, coragem e sinceridade. Sem humildade. Entre as mais diferentes funções, já participou de uma centena de produções. De ator em "As Fêmeas-Sinal Vermelho", de Fauzi Mansur, a diretor assistente em algumas produções que, muitas vezes, nem chegam a creditar o seu nome. Ainda agora, tão logo encerre o curso prático de cinema que há 10 dias orienta em Curitiba, para 20 entusiasmados jovens, Candeias tem a proposta para realizar um filme financiado por um milionário de Goiás, que deseja assiná-lo como diretor. - Tudo bem. Será um trabalho profissional. Ele me pagará Cz$ 100 mil e eu lhe farei um filme conforme queira. Como Orson Welles que trabalhava em filmes de outros diretores apenas por uma questão profissional - conseguindo, recursos para seus próprios filmes, Candeias também não abre mão de fazer seus filmes: "Quando estou num trabalho para outra produção, limito-me ao estritamente profissional: ou seja, faço aquilo para o qual fui contratado", explica. Em compensação, em seus filmes, pessoalmente assume várias funções - "não só por uma questão de economia, mas para ter o controle possível de toda a realização". Freqüentador da Bôca do Lixo - o território que envolve produtoras e distribuidoras entre as ruas do Triunfo/Aurora/Gusmões, em São Paulo - Candeias defende o cinema que ali se faz. Em termos trabalhistas, é capaz de brigar pelo direito de que se faça a mais pornográfica das produções, embora, pessoalmente, tenha sua visão estética a respeito - o que o faz também criticar o comercialismo doentio que domina hoje este lado da indústria cinematográfica em São Paulo. Um homem de cinema, voltado ao Brasil - não teme a classificação de xenófobo, ao defender o cinema brasileiro, de todas as formas - Candeias é prático. Tão prático, que nesta semana, com sua câmera e 700 metros de filme virgem, mais o entusiasmo de um grupo de jovens candidatos a cineastas que acompanham suas aulas, está fazendo um média metragem rodado numa favela e nas ruas de Curitiba. - Eu nunca tenho velhas idéias para novos filmes. Eu tenho a essência das idéias para fazer um novo filme quando a oportunidade aparece.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
11/02/1987

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