Carly, Bette & Natalie
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de setembro de 1976
Apesar de todo o comercialismo e regras de "marketing" que norteiam a produção fonográfica americana, ainda acontece os autênticos talentos. E no campo das vocalistas, há alguns exemplos estimulantes, que reforçam a admiração de quem espera um pouco mais do que simples gritos eletroacústicos. Três vocalistas aparecidos nesta época - por coincidência, todas com novos discos colocados nas lojas nos últimos dias, são uma prova desta afirmação. A mais "velha" em termos de carreira é Carly Simon, 31 anos, educada na Sarah Lawrence College, em Bronxville, Nova Iorque e que começou cantando em duo vocal com sua irmã, Lucy ("Simon Sisters") e que teve em "One More Time", um dos seus primeiros sucessos. Casando-se com o baladista James Taylor em 1972, no mesmo ano receberia o Gremmy como "revelação vocal" e passaria a colecionar títulos e sucessos. Como Roberta Flack e Carole King - duas outras extraordinárias compositoras - vocalistas, Carly é também pianista e autora da maioria de suas músicas. Como Carole, canta suavemente, valorizando as palavras, a poesia das letras - numa época em que se tornou comum gritar e desprezar o lirismo. E o seu piano ouve-se suavemente, em arranjos esmerados. Nos últimos 4 anos, assim como participa dos discos de James Taylor (vide comentário de domingo passado, a propósito do lp " On the Pocket"), o marido também colabora em seus novos discos. " Another Passenger" (Elektra/WEA, 32.000, agosto/76), é um dos discos mais suaves que ouvimos nos últimos meses, com Carly em toda sua ternura e encantamento, com uma coleção de músicas novas, plenas de beleza em letra - e as quais dá a interpretação exata, acompanhando-se ainda ao piano - e tendo na instrumentação-base, excelentes profissionais - além, naturalmente de James Taylor. De músicas novas de Carly, aqui temos " Half a Chance", " Darkness" Til Dawn", " Riverboat Tambler", as três em parceria com Jacob Brackman; " Dishonest Modesty" e " Be Whit Me", em parceria com Zach Wiesner, e mais seus trabalhos individuais em que fez música e letra: " Fairweather Father"; " Cow Town", " He Likes To Roll", " In Times My Head" e " Libby".
Apenas duas músicas são de outros autores: " It Keeps you Runnin" (Mike McDonald) e " One Love Stand" (Paul Barrere/ Bill Payne/ Kenny Gradney). A produção de Ted Templemann foi das mais cuidadosas, e destaque-se entre os instrumentistas que acompanham Carly, o brasileiro Laurindo de Almeida, extraordinário violinista, que se ouvem em " He Likes To Roll" (onde também Carly mostra seu domínio neste instrumento), na mesma faixa destacando-se o flautista Bud Shanke e a marimba de Victor Fieldman. Em várias outras faixas, entre outros, a participação dos Doobie Brothers, que somados as vozes de Ellen Kearney, Leah Kunkle, Linda Ronstadt e Libby Titus, emolduram de forma harmoniosa este disco encantador.
Lançada internacionalmente no ano passado, Bette Midler ganhou instantaneamente uma adjetivação "The Divine Miss M", título aliás de seu primeiro lp (Atco/ ATLP-035, lançado no Brasil, pela Continental, em abril do ano passado). Dona de rara versatilidade, Bette canta blues, rocks, velhas canções ou sofisticadas melodias, passando de sexy a comica, de vulgar a lady, sendo, assim uma extraordinária show-woman. Filha de uma família pobre, no Havai, onde o pai pintava paredes e ela trabalhava numa fábrica de latas de abacaxi em conserva, judia de nascimento, fez uma ponta num filme e com os Us$ 300 dólares viajou para Nova Iorque, onde começou no coro do musical " Fiddler on the Roof", na Broadway. Depois de algum tempo passou a fazer um dos papéis principais da peça e, ao aparecer em " Salvation" - que não ficou mais do que uma semana em cartaz - conseguiu ser notada e fazer o seu primeiro disco. Aparentando 28 anos, (cabeleira cor de cenoura, um ar de Barbra Streissand com mais sexy, ela se define como " I'm trash with flash" ("Eu sou lixo com brilho"). O entusiasmo que havia provocado por seu primeiro elepê, repete-se agora com este seu segundo álbum ("Songs for The New Depression", Atlantic/ WEA - lançado ainda com o selo da Continental, mas já incluído no catálogo da WEA WEA Discos Ltda.). Embora autora de três faixas - " Samedi et Vandredi", M" Mr. Rockfeller", Bette é, antes de tudo, uma "entertainer", com uma voz personalíssima e que chega a lembrar Judy Garland (1922-1969) em sua melhor fase, pela espontaneidade e alegria que transmite em suas interpretações. Produzido por Moogy Klingman, com a participação de excelentes músicos como sempre acontece nas gravações da Atlantic, " Songs for The New Depression" tem o "feeling", o tratamento que o caracteriza como um dos melhores discos de vocalistas do ano. Em uma faixa, " No Jestering" (Carlton Malcolm, 2B), sente-se um ritmo quase brasileiro, com a percussão de Angel Allende e a bateria de John Wilcox, dando aquele balanço malandro dos morros brasileiros. Todas as faixas estão excelentes, mas destaque-se " Marahuana", " Let Me Just Follow Behind" e " Old Cap God", além de dois standards já conhecidos, que a divina Miss M, sabe valorizar: "Strangers In The Night" (Charles Singleton/ Eddie Sayder/ Bert Kaempfert), que foi um dos maiores sucessos de Sinatra há 10 anos e " Buckets of Rain" de Bob Dylan, que inclusive participa dos vocal, enquanto o produtor do elepê, Moogy Kingman, executa piano e harmônica.
O grande lançamento internacional da EMI/ Capitol neste ano, Natalie Cole não é apenas a filha do grande pianista de jaz e, sobretudo, cantor Nathaniel " King" Cole" (Montgomery, Alabama, 1917 - Santa Monica, Califórnia, 1969). Neste seu segundo elepê que chega ao Brasil, antecedendo sua futura tournée por nosso País, Natalie (Capitol/ Odon, ST 11517, agosto/76) dá um show vocal, com a garra, o sentimento das grandes vocalistas negras (embora ela seja apenas morena), cantando um repertório de Chuck Jackson e Marvin Yanci, produtores e também instrumentistas (teclados e percussão, respectivamente), com exceção de um dos temas mais identificados com aquela que foi a melhor de todas as cantoras americanas: " Good Morning Heartache" (Drake/ Hegginbrotham/ Feber) com Billie Holiday (1915-1959). E, sem querer ser exagerado, a interpretação de Natalie pouco fica a dever a inesquecível " Ladyday".
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