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Aramis

Celestino e os tempos das vozes trovejantes

Em sua série "Grandes Intérpretes", a RCA Victor reedita os mais marcantes sucessos de Vicente Celestino (Camden, 107.0157), um cantor que "nasceu num tempo em que era preciso ter um volume vocal para cantar, pois ainda não existia o microfone e todas as facilidades que este iria proporcionar aos de voz, menos favorecida" como registra o lúcido historiador J. L. Ferrete, no didático texto de contracapa deste lp importante do ponto de vista documental. Antônio Vicente Felipe Celestino (1894-1968), foi dentro da MPB um nome de prestígio tão grande quanto hoje desfrutam Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos ou Odair José em suas faixas específicas. Daí a razão porque se torna interessante a quem pesquisa a história da MPB ouvir as suas canoras interpretações de "O Ébrio", "Coração Materno" (revalorizada por Caetano Veloso no apogeu da fase tropicalista), "Serenata", "Patativa", "Ouvindo-te", "Falando ao Coração", "Porta Aberta", "Gilka", "Esquecimento", "Quero Voltar", "Rasguei O Teu Retrato" e "Ilusão de Garoto", agora reunidas neste relançamento da RCA. Filho de uma família de imigrantes italianos, amantes da ópera, até os 20 anos Vicente Celestino exerceu profissões humildes, trabalhando duramente para manter-se e aos seus, sem nunca, entretanto, desistir da idéia de ser cantor. Mas não um simples cantor de revuettes e burletas (coisa que, em verdade, seria obrigado a se tornar mais tarde): queria ser tenor de ópera, cantar no Municipal, e tornar-se tão grande quanto Caruso (a propósito: a Victor também lançou um interessante lp com as primeiras músicas gravadas pelo grande tenor). Em 1914, Vicente Celestino estreava na Companhia de Teatro São José, interpretando a canção "Flor do Mal", do guitarrista e compositor português Santos Coelho. O sucesso foi tão grande que, logo a seguir, seria convidado pela Casa Edison para gravar essa música em disco. Seria este seu primeiro registro fonográfico, abrindo um ciclo que, até sua morte, atingiria quase cem. A partir de então, Celestino iria ligar-se a esse tipo de teatro, excursionando por quase todo o país. Em ópera, sua acalentada ambição de juventude, ele só apareceria acidentalmente em temporadas não oficiais. Em 1933 já conhecido em todo o Brasil por apresentações em rádios (do qual, esclareça-se, foi um dos primeiros no país), por inúmeros discos gravados (até então no sistema elétrico, 18 na Odeon e 5 na Columbia) e através de suas performances teatrais e circenses (muitas vezes extensivas a pequenas cidades do Interior), Vicente Celestino conheceu, no Teatro Recreio, do Rio, aquela que se tornaria, a partir de então, sua esposa e eficiente conselheira artística - Gilda de Abreu. Em 1935, após breve temporada lírica no Teatro Santana, em São Paulo (onde Vicente se apresentava ao lado de Gilda na ópera "Aida", de Verdi), o artista deixou a Columbia (na qual, ao todo, fizera cinco discos) ligando-se à RCA. A primeira gravação na nova fábrica foi "Ouvindo-te", de sua autoria e "Rasguei o Teu Retrato" (tango-canção de Cândido das Neves). Um ano depois, Vicente gravaria o seu maior sucesso: "O Ébrio". No ano seguinte, outro registro sensacional para a época: "Coração Materno". Meses depois, novos discos e outros êxitos: "Patativa", "Esquecimento" e "Botão de Rosa". Durante 1938, Celestino faria cinco discos, um deles com a valsa "Gilka", de Dante Santoro. A década de 40 começou com novo triunfo através de "Quero Voltar" e "Serenata". Em maio outro sucesso - "Matei", cujo impacto sobre o público pouca coisa diferiu do provocado anteriormente por "O Ébrio" e "Coração Materno". Em 1941: "Sangue e Areia". Mas, a partir desse ano, Celestino ficaria restrito a seu repertório antigo. Era tempo de guerra e o sucesso só retornaria com o término do conflito (1945), através de "Mia Gioconda" (gravação de outubro). No ano seguinte, mais duas canções consagradoras: "Altar de Lama" e "Porta Aberta". Em 1946, Gilda de Abreu - numa atitude pioneira, dirigia o filme inspirado em "O Ébrio", que se tornaria um sucesso tão marcante que até hoje merece constantes reprises. Os cinemas ficaram lotados no país inteiro e milhões derramaram lágrimas assistindo a tragédia exibida nas telas. Celestino, agora também como ator, conquistava de vez o coração dos brasileiros, especialmente as camadas mais humildes que o idolatravam como a nenhum outro cantor vivo na ocasião. A verdade porém, é que o artista já não era mais o jovem de voz possante e enternecedora de outros tempos. A partir de 1950, com 56 anos de idade, começou a declinar tecnicamente, e em 1951 faria novo filme - "Coração Materno" - explorando o mesmo filão que lhe havia proporcionado tantos lucros em 46, ou seja, a canção famosa levada para a tela. A partir daí seria mantido pelos velhos sucessos, regravando-os todos em LP. Uma coisa não se alternaria até o seu falecimento: o fantástico prestígio de que desfrutava em todo o Brasil, a ponto de fazê-lo merecedor de uma quantidade enorme de títulos e prêmios, como nenhum outro em sua categoria havia alcançado até então. E ao morrer, em 1968, tinha a lamentá-lo, milhões de admiradores - que se mantinham fiéis ao seu nome. Neste lp da Victor-Candem, foram utilizadas gravações originais e algumas mais recentes. "O Ébrio", a faixa mais curiosa tem o monólogo introdutório feito em 1957, mas a interpretação é a original de 1936. Para quem se interessa pela história de nossa MPB, um disco importante. E que plenamente justifica esta caprichada reedição. LEGENDA FOTO 1 - O Ébrio: a caracterização maior LEGENDA FOTO 2 - Vicente e Nara: um diálogo (quase) impossível... musicalmente.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal do Espetáculo
16
11/06/1974

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