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José Maria Santos, um nome para teatro

"Saber o que acontece depois da morte." (resposta do homem de teatro José Maria Santos à pergunta "uma curiosidade", à jornalista Adélia Maria Lopes, para o perfil publicado na coluna "Personagem", ALMANAQUE, 20/8/89). É. Agora o bom Zé deve estar sabendo. A morte o levou na noite de quarta-feira, abrindo já no terceiro dia deste início dos anos 90 a primeira grande baixa em nosso universo afetuoso e artístico. Após 45 dias de sofrimento e quatro operações, internamentos no Instituto de Medicina e Cirurgia do Paraná e Hospital de Clínicas, José Maria Santos morreu da mesma doença (diverticulite) que levou, há 5 anos, o presidente Tancredo Neves. Depois de Antonio Carlos Kraide, Olinda Wischeral, Maurício Távora, Irineu Adami, o bailarino Francisco Duarte e tantos outros que se dedicaram, de corpo e alma, a fazer espetáculos no Paraná, José Maria Santos deixou esse nosso insensato mundo e, esteja onde estiver, por certo continuará em seu jeito bonachão, alegre, espirituoso e, principalmente, independente e corajoso que sempre foi a sua marca registrada. *** Na quarta página de O Estado do Paraná, dois dias após a morte de Paulo Leminski (24/8/44 - 7/6/89) na emoção de todos nós, Dante Mendonça transmitia numa amorosa charge-despedida, uma sugestão-apelo: dar o nome do poeta, tradutor, escritor e letrista ao Teatro da Classe, onde Leminski fez palestras e mesmo shows musicais. A idéia não prosperou e a homenagem foi para a Pedreira Paulo Leminski, com seu espaço ao ar livre, destinado a grandes espetáculos, especialmente de música jovem (que constituía o seu grande público), por certo mais apropriada a uma homenagem para ficar. Houve, também, quem argumentasse de que apesar de toda a sua importância para a vida cultural paranaense, Paulo Leminski nunca havia sido propriamente um homem de teatro. Agora, em relação a José Maria Santos, a questão é diferente: não só ele foi durante 34 de seus 56 anos (nasceu em 12 de dezembro de 1933), o mais profissional, esforçado e lutador dos homens de teatro no Paraná, como, literalmente, com suas mãos, ajudou a transformar uma velha fábrica de malhas na Rua 13 de Maio num teatro que, finalmente, agora, quase 10 anos após ter sido por ele idealizado, ganha recursos oficiais e começa a ser restaurado pela Secretaria da Cultura. E que merece chamar-se Teatro José Maria Santos. O engenheiro e dramaturgo Luiz Groff, 53 anos, autor de "A Reputação dos Quatro Bicos" - comédia que Zé Maria produziu e interpretou (com direção de Oracy Gemba) para a inauguração do Teatro da Classe, em abriu de 1982, sempre lembrava uma imagem poética para ilustra o esforço que José Maria Santos, na qualidade de presidente da Associação dos Produtores Teatrais do Paraná, fez para que a cidade ganhasse aquele espaço cultural. A antiga malharia que sofreu um incêndio no final dos anos 70, adaptada para um evento carnavalesco ("A Fábrica de Samba") se tornaria um teatro graças ao esforço de José Maria: que, pessoalmente, com sua grande esposa e companheira Rute, o filho (e também ator) Mauro e as filhas Daniele, Simone, Maria Josete e Vivan, pôs a mão na massa, para que o projeto desenhado nas pranchetas do arquiteto José La Pastine não ficasse pela metade. Zé Maria, que entre tantas peças que montou em mais de três décadas do teatro paranaense, foi um pedreiro em "Muro de Arrimo", colocou-se por muitos meses, entre 1981/82, na posição de verdadeiro mestre-de-obras para que a cidade ganhasse o Teatro da Classe. Concluído, como nenhum grupo se animou a montar a peça inaugural, foi novamente à luta: entusiasmado com a comédia de Luiz Groff, fez de "A Reputação dos Quatro Bicos" um dos grandes sucessos de público - com boas casas durante quase dez meses. Incansável, Zé também foi para a cozinha do teatro: implantou um restaurante que em pouco tempo se transformaria em ponto de encontro de artistas, jornalistas e mesmo políticos e no qual, no inédito horário da meia-noite, fazia outra inovação: uma revista política em forma de monólogo, "Nem Gay, Nem Bicha". A chegada dos pés vermelhos com a vitória de José Richa nas eleições de 1982, levou a criação de um espetáculo de farpas inteligentes e afiadas, escritas originalmente por Groff mas que, na proporção em que o tempo passava, adquiriram uma autoria de Zé, inteligentemente atualizando com ironia os fatos do dia a dia. Um humor atualíssimo - lembrando mesmo o clima dos cabarés políticos da Alemanha da República de Weimar - que se constituiu, na época, numa primeira - e muito bem-humorada - crítica às confusões armadas pelos peemedebistas do Norte do Estado, que chegando ao poder com a vitória de Richa, provocaram situações dignas de comédias de Carlitos. Entretanto, em sua independência crítica, já a partir do show, Zé também não poupava os chamados "sulistas" e com isto, "Nem Gay, Nem Bicha" ultrapassou as limitações de um simples show de meia-noite, para, em seu momento, se transformar numa sacudida em muitos - e que, na falta de melhor humor de alguns dos atingidos, provocou até ameaças telefônicas ao bom Zé, que como caboclo macho que era, ironizava os que lhe prometiam vinganças pessoas. Posteriormente, com "Zé Maria Procura Sarney para Se Coçar", voltaria a esta forma de humor, já então com um texto desenvolvido originalmente em colaboração com outros amigos (Valêncio Xavier, Paulo Ciça, Manoel Carlos Karam) e que levaria não só em dezenas de cidades do Paraná, mas também a outros Estados. Leia Mais sobre José Maria Santos no Tablóide (pág. 3) e na contracapa.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
05/01/1990

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