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Aramis

Lá, entre as estrelas, Zé Maria, um homem de teatro

São muitos os aspectos que fazem de José Maria Santos um trabalhador cultural da maior importância. De origens humildes, sem maiores pretensões intelectuais, encarnou o próprio aspecto de nossa arte subdesenvolvida e desprotegida. Pertencente a uma geração de Curitiba dos anos 50 que fazia teatro com idealismo e amor, sem qualquer possibilidade de sobreviver com as peças que eram encenadas na época, José Maria encontrou nas aulas do curso que Aristides Teixeira coordenava no Sesi um primeiro embasamento para a carreira que acabaria por abraçar integralmente. Entre tantas pessoas que participavam daqueles anos de sonhos dourados, dois nomes de especial significado: Lala Schneider, que, com ele, se lançaria na carreira teatral (embora para sobreviver, tenha trabalhado na Federação das Indústrias até a sua aposentadoria) e Ruben Valdruga, que após se formar em Direito, retornaria a Londrina onde faria carreira em sua profissão, se tornaria político (foi deputado estadual e acabou secretário do Trabalho), mas sem abandonar a paixão pelo teatro. Um terceiro amigo daquela época, atuando mais como estimulador cultural e divulgando as iniciativas teatrais que aqui se faziam, era Edésio Franco Passos, inteligência política que o levaria a ter posições ideológicas da maior coerência, que lhe custaram prisões e perseguições, desembocando numa liderança estadual do PT - que o fez candidato nos anos 80 a vários cargos eletivos. Desta geração, se não pioneira ao menos daquilo que se pode chamar de tempos heróicos de nosso teatro, destaca-se também Eddy Antônio Franciosi, diretor e autor, com uma contribuição importantíssima no teatro do Sesi - grupo ao qual Zé Maria esteve ligado antes de alçar seus vôos solos. Vivendo a época em que o amadorismo possibilitava montagem de textos com muitos personagens - como a primeira encenação de "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, no Guairão inacabado do final dos anos 50, Zé Maria obrigou-se nos últimos anos, a recorrer a textos com poucos intérpretes e, especialmente monólogos amplamente comunicativos, que por sua portabilidade, facilitavam seu deslocamento por centenas de cidades do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (a partir do anos passado, também em São Paulo), num trabalho de saltimbanco cultural, chegando muitas vezes a pequenas localidades que raramente (ou nunca) tinham visto um espetáculo teatral. Se a morte, esta inimiga terrível e suja como escreveu Albert Camus 9e cujos 30 anos de morte foram lembrados pela colega Raquel Santana, na capa do ALMANAQUE de ontem), não tivesse levado o bom Zé Maria, por certo ele chegaria às 2 mil encenações de "Lá", o monólogo que a partir de 1971 o fez subir por 1800 vezes ao palco, em dezenas de temporadas em Curitiba (a última, em agosto/89, no auditório Antonio Carlos Kraide, no Centro Cultural do Portão). *** Se a impossibilidade de produzir espetáculos com elencos maiores o levaram a acumular grandes prejuízos (e dos quais se recuperava com remontagens de "Lá", de Sérgio Jockyman), Zé compensava-se desta frustração dedicando-se ao grupo de teatro do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, no qual como professor, revelou alguns talentos que acabariam fazendo carreira e, principalmente, estimulando que os milhares de alunos desta escola-modelo aprendessem também a amar teatro. Só este aspeto da vida profissional de Zé Maria, pelas inúmeras produções que dirigiu no Cefet, o faz merecedor de um destaque à parte - e que a direção daquela instituição lhe preste, agora, uma homenagem. *** Outro aspecto na personalidade de José Maria Santos que não pode ser esquecida: a sua independência crítica em relação ao oficialismo das artes paranaenses. Corajosamente, sem se amarrar a interesses pessoais, sempre colocou a "boca no trombone", para denunciar incompetências, mumunhas e safadezas em nossos bastidores artísticos, além de ironizar projetos demagógicos. Para ele, por exemplo, a "Campanha da Kombi", privilegiando grupos medíocres, não passava de uma "sopa dos pobres", que humilhava os verdadeiros profissionais. A política desastrosa dos caros organismos culturais também sempre teve em José Maria um atento vigilante, embora, infelizmente, suas denúncias não encontrassem o respaldo merecido. *** Um levantamento preciso de uma carreira desenvolvida desde 1956, suas próprias raízes - considerava-se lapiano, embora seu registro civil tenha sido feito num cartório de Guarapuava - sua presença junto ao teatro e mesmo ao cinema paranaense foi significativa. Premiado como melhor ator coadjuvante em Gramado ("Aleluia Gretchen"), ator de um experimental filme que Ozualdo Candeias e Valêncio Xavier rodaram no Centro de Criatividade inspirados num conto gráfico do Poty ("A Visita do Velho Senhor"), atuações em produções frustradas ("Os Galhos do Casamento", "Deu a Louca em Vila Velha" etc.), Zé Maria lutava também por uma maior valorização dos artistas paranaenses nas peças publicitárias - especialmente nas do governo do Estado. Até há poucas semanas, Zé podia ser visto num bom comercial da campanha da Secretaria da Fazenda, interpretando um motorista de caminhão. Uma imagem robusta, vigorosa, de um ator para todas as estações da vida. xxx Imagens do Zé-ator, Zé-produtor, Zé-animador cultural e, sobretudo, Zé-amigo se confundem na tristeza deste momento em que nos deixa. Ficamos, com a imagem do homem sorridente e otimista, que há seis meses, pleno de vida, dizia aqui mesmo em O Estado, respondendo à pergunta de qual havia sido a peça inesquecível que fizera: - A que ainda vou fazer... LEGENDA FOTO - A versão de Sarney, por José Maria Santos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
05/04/1990

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