Login do usuário

Aramis

Um Exercício que faz bem

No sofisticado teatro profissional americano "Exercício" corresponde a um prévio treino, geralmente desenvolvido entre dois atores (rizes), antes de iniciar o ensaio. Corresponde a um aquecimento de músculos, antes de começar a corrida artística de um simples exercício teatral para desenvolver uma das mais inquietantes peças contemporâneas, capaz de, 8 anos após sua primeira montagem profissional no Brasil (Glaude Rocha e Rubens de Falco, sob direção do cearense B. Paiva), ter duas remontagens, estreadas quase que simultaneamente: no Rio (Teatro Glória), com Gracindo Júnior e Marília Pera, em Curitiba (auditório Salvador de Ferrante), com José Maria Santos e Lala Schneider. Se a montagem carioca procurou "nacionalizar" o ambiente e ação, a encenação de Eddy Antônio Franciosi manteve-se fiel ao texto: o ator e a atriz são americanos, vivem uma realidade americana. "Seria falso tentar o contrário", diz Francisco, o diretor. Estreado na quarta-feira, "O Exercício" começa a atrair um público em escalada. Não se trata de uma comédia fácil e digestiva como "Lá" ou "Marido, Matriz ou Filial" de Sérgio Jockyman, ou o vanguardismo hermético dos textos de Manoel Carlos Karam ("Fulano de Tal", "Doce Primavera"), que Zé Maria, generosamente, encenou em bases profissionais. O Exercício é uma peça que exige do público, no mínimo, uma freqüência regular ao teatro, para entender a sua própria linguagem. Mas que, na atual montagem, é a comprovação de que o trabalho consciente, honesto e esforçado, consegue excelentes resultados. Eddy Antônio Franciosi, jornalista, assessor da FIEP, autor de cinco peças e direção de outras tantas, tem desenvolvido trabalhos com Zé Maria e Lala Schneider há quase duas décadas. Montagens amadoras, semi-profissionais e finalmente, agora um trabalho que custou mais de 100 horas de ensaios, 32 noites seguidas. Reunidos os três, discutiram linha por linha do texto de Carlino, cena por cena foi amplamente imaginada e criticada. Pensou-se em termos de cada diálogo. Lala e Zé Maria "dormiram" sobre os seus personagens, cansando-se ao máximo para dar a forma definitiva. Enfim, fez-se aquilo que se chama, muitas vezes erradamente, de laboratório. Não um laboratório de experiências vanguardistas, de gritos e espasmos epilépticos, comuns a certo tipo de (sub) teatro tupiniquim, mas, sim um esforço coordenado e inteligente. O resultado está no palco do pequeno auditório do Guaíra, todas as noites: pode-se gostar ou não. O próprio Zé Maria, no final, ao invés do demagógico apelo de "se gostarem contem aos amigos/se não gostaram não falem nada", corajosamente conclama todos que emitam suas opiniões sinceramente. O mais profissional dos homens do teatro paranaense, 20 anos de digna e honesta carreira, independente e sem papas na língua, Zé vive há pelo menos 9 anos só de teatro. Um ator identificado, em termos de público, com o tipo histriônico, é também um intérprete dramático e criativo. Lala Schneider, que já foi definida por Cláudio Corrêa e Castro como uma das 5 melhores atrizes brasileiras, é uma intérprete segura e profissional. A soma do trabalho de três esforçados profissionais e um texto difícil resultou num espetáculo que, se não é alegre ou digestivo, é inquietante, faz o público pensar e raciocinar (o que, nos dias atuais, é sempre positivo). Fala em sentimentos, em passado e presente. Um duelo verbal que, como uma grande mola, faz as emoções se soltarem e retornarem, caminharem para a frente e para trás. Isto faz do texto de Lewis John Carlino, uma obra fascinante. Eddy Franciosi, na direção, manteve-se fiel ao autor, mas soube cuidar, artesanalmente, dos menores detalhes. A iluminação amarela como convém a um ambiente cinzento de um teatro vazio - onde se passa a ação. O guarda-roupa, simples e despojado, mas sociologicamente correto: a atriz é elegante, o ator displicente em seus trajes, refletindo a ação de cada um. E na trilha sonora, Eddy com sensibilidade musical, escolheu os belos trechos de óperas de Verdi e Wagner, a lado de curtos (mas definitivos) momentos das trilhas sonoras de "Amargo Pesadelo" (Dileverance, 1972, de John Boorman) e "Licença Para Amar até a Meia Noite" (Cinderela Liberty, 73, de Mark Rydel): o "Duelo de Bandolins" encaixa-se como uma luva num longo monólogo do ator (José Maria) e "Nice Be Around", de Paul Willians, com o melancólico solo de harmônica de "Toots" Thielemans, é um tema tão belo, tão enternecedor, que corta a acidez de certos momentos de "O Exercício", uma peça inquietante, difícil, mas que mereceu uma digna montagem. Um espetáculo para ser visto por quem gosta de bom teatro. LEGENDA FOTO - Zé & Lala: profissionalismo em cena
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
4
19/04/1977

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br