As últimas imagens de José Maria Santos
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de janeiro de 1990
Três semanas antes de ser internado no Instituto de Cirurgia e Medicina do Paraná, para ser submetido à primeira das quatro cirurgias que suportou em seus 42 dias de sofrimento, o ator José Maria Santos, então pleno de saúde e entusiasmo, havia dado mais uma amostra de energia, talento e, sobretudo, profissionalismo, para um trabalho gravado em vídeo que só nas próximas semanas começará a ser montado.
Valêncio Xavier, 57 anos, um dos melhores amigos de José Maria, diretor do Museu da Imagem e do Som, convidou-o para fazer o personagem central de um vídeo-ficção, com apenas quatro intérpretes, rodado na própria sede do MIS-PR, como trabalho prático de um curso de iluminação que ali foi realizado entre os dias 27 e 29 de outubro de 1989. Na generosidade que o caracterizava, sem questionar o fato de que nada receberia por este trabalho - já que não havia orçamento previsto para sua realização - José Maria ali esteve no dia 28 de outubro, um sábado, por quase cinco horas para fazer um personagem característico, fundamental dentro da história escrita pelo próprio Valêncio, que dirigiu o vídeo, tendo como assistente o cineasta Fernando Severo.
Devido à pressa com que a produção havia sido definida, Valêncio, com sua capacidade de trabalhar agilmente adquirida em 33 anos de televisão, nem chegou a fazer um script detalhado. Por isto mesmo, concebeu um argumento, em que os personagens não teriam falas - usando apenas suas expressões. José Maria Santos recebeu as instruções de Valêncio na hora, entendeu o sentido da história - na qual interpreta um velho agiota, numa trama com elementos de realismo fantástico - e teve um perfeito desempenho, como mostram os 150 minutos rodados. "José Maria era um ator objetivo, que conseguia entender na hora o que a direção pretendia e por isto o convoquei, na véspera, para fazer o personagem", explica Valêncio, que dentro de sua programação de promover cursos práticos na área de vídeo, havia trazido Dante Lecioli para ensinar as técnicas de iluminação nas gravações em vídeo. Um dos iluminadores-seniores da Rede Globo de Televisão, Lecioli tem um curriculum dos mais ilustres, destacando-se os trabalhos que desenvolveu com Walter Avancini, especialmente as mini-séries "Grandes Sertões", "Sampa", "Gabriela", "Abolição", "República", entre outras. 108 alunos assistiram ao curso que se estendeu por três dias, e como trabalho prático surgiu a idéia de fazer um vídeo. O ator Juba Machado ajudou a esquematizar a produção, Fernando Severo - que estava montando seu novo curta, "Longas Sombras no Final da Tarde" na moviola do MIS-PR, pediu para ser o assistente e Valêncio escreveu em poucas horas um argumento, fez a direção e, necessitando de um ator experiente para o papel central, telefonou para José Maria que, de pronto, aceitou, "mesmo sabendo que não poderíamos pagar seu cachê".
Juba Machado interpretou o segundo personagem e para os dois outros papéis foram usados jovens alunos do curso, Milton Pereira de Camargo e Juliana do Rocio Ceccon.
O curso de iluminação de Dante Lecioli deu prosseguimento à série iniciada com aulas sobre câmara (a cargo de Alberto Melenechoki) e que terá, agora, um curso de montagem, com o curitibano Mauro Alice, um dos mais respeitados profissionais desta área, tendo inclusive sido o editor de "O Beijo da Mulher Aranha", de Hector Babenco - trabalho que o obrigou a uma permanência de 8 meses em Los Angeles.
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Realizado despretensiosamente, mais como exercício do que com finalidades de ser apresentado em televisão ou mesmo concorrer em festivais, este vídeo - sem título definitivo, mas que tem como nome de trabalho a enigmática designação de "Mal" - ganha, agora, uma importância histórica, por registrar as útimas aparições de José Maria Santos em vídeo.
Ator eclético, José Maria foi no início dos anos 60 um dos primeiros profissionais a aparecer no vídeo da pioneira TV-Paraná, ali criando um personagem que marcou época na série "É proibido Sonhar", escrita por Maurício Távora e que contava com as desventuras de um funcionário público, o "barnabé" (Sinval Martins, hoje diretor da agência de propaganda do grupo Hermes Macedo) que dormia durante o expediente, sonhando com aventuras amorosas com a belísima secretária (Cláudia Grecco, ex-bailarina, hoje coreógrafa e professora de balé) de um irritado chefe de seção, personagem interpretado por José Maria Santos.
- "Esta série marcou época, se constituindo numa das primeiras experiências de se levar o humor, ao vivo, na televisão paranaense. Afinal, naquela época ninguém pensava em vídeo-tape" - recorda Valêncio Xavier que, posteriormente, viria a escrever algumas telepeças em que José Maria atuou, além de um programa humorístico "Seu Marido Também é Assim", que não teve o mesmo êxito de "É Proibido Sonhar".
No cinema, além da premiada atuação em "Aleluia, Gretchen" (melhor ator coadjuvante no Festival do Cinema Brasileiro de Gramado, 1977), José Maria apareceu em outros filmes realizados no Paraná: "A Visita do Velho Senhor", que Ozualdo Candeias e Valêncio Xavier realizaram no inverno de 1979, baseado num conto gráfico de Poty Lazarotto, elogiadíssimo na 7a. Jornada de Cinema da Bahia - e levado a vários cinemas de arte. Mesmo em produções frustradas - como "Caminhos Contrários" (e seu subproduto, "Deu a Louca em Vila Velha") do comerciante O. Ponzio e "Os Galhos do Casamento", de Sérgio Segall (rodado em Morretes), José Maria sempre teve atuações corretas. Participou do vídeo "Muiraquitã", de Werner Schumann, e de alguns curtas em super 8mm - como "O Besouro" de Hugo Mengarelli, e, em sua generosidade, sempre estava pronto para colaborar com projetos de jovens. Tanto é que é possível que tenha feito outros filmes em super-8 (e mais recentemente, vídeos), dos quais nem se tem maior conhecimento. Para tanto, Valêncio Xavier está apelando a todos que tenham infomações que permitam constituir a filmografia de José Maria que telefonem para o número 232-9113. Igualmente, é intenção de Valêncio reunir informações biográficas mais detalhadas - levantamento de todas as peças, atuações em televisão, etc. - que permitam a elaboração de uma biografia, que acoplada ao depoimento que gravou há alguns anos para o MIS-PR, venha a ser editada, o mais rápido possível, pela Secretaria de Cultura.
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Infelizmente, o maior sucesso de José Maria - o monólogo "Lá", de Sérgio Jockyman, por ele apresentado mais de 1800 vezes a partir de 1971, nunca chegou a ter um registro completo em vídeo - embora devam existir seqüências isoladas feitas por cinegrafistas de algumas estações de televisão. Assim, a idéia da produção de um vídeo, também com depoimentos das pessoas que mais de perto conviveram com o grande homem de nosso teatro, consta nos projetos do MIS-PR.
Felizmente, Valêncio teve a boa idéia de documentar em vídeo, por duas vezes, a íntegra do espetáculo "Zé Maria Procura Sarney para se Coçar", da qual foi, um dos autores do texto. Como José Maria introduziu sempre novas piadas, conforme a circunstância do momento político, as duas versões mostram espetáculos diferentes. Provando a capacidade que José Maria tinha de improvisar no palco, sabendo utilizar o humor com inteligência e graça - levando sempre a diversão a seu público.
Hoje, aqui publicamos, com exclusividade, algumas fotos feitas por Kadji, tomadas nos bastidores da gravação do vídeo realizado na sede do MIS-PR, na tarde de 28 de outubro de 1989.
LEGENDA FOTO 1 - Dante Lecioli, iluminador da Rede Globo, orientou um curso prático no MIS-PR, em outubro, que resultou num vídeo que marcou a última atuação de José Maria Santos, falecido na noite de 4 de janeiro.
LEGENDA FOTO 2 - Numa interpretação espontânea, criada na hora das gravações, José Maria Santos fez na tarde do dia 28 de outubro, na sede do MIS, o último trabalho de sua vida. Com roteiro e direção de Valêncio Xavier, este vídeo será montado pelo curitibano Mauro Alice.
LEGENDA FOTO 3 - Valêncio dirige José Maria e Juba Machado no vídeo rodado no MIS - que tem o título (provisório) de "Mal"
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