Chegou o jazz mágico do pássaro
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de fevereiro de 1989
O que os músicos de jazz farão agora?
(cometário do contrabaixista Charlie Mingus, 1922-1979, em 12 de março de 1955, ao ser anunciada a morte de Charlie Parker).
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De Charlie "Bird" Parker já se escreveu muito - especialmente nos últimos meses, depois que "Bird", a cinebiografia, amorosa, fiel e magnífica que Clint Eastwood lhe dedicou teve sua primeira exibição no V FestRio e, nesse ano, lançamento comercial em São Paulo e Rio de Janeiro.
Tão genial instrumentista e compositor como dramático em sua vida, Parker ganhou uma biografia visual digna e competente. Clint conseguiu fugir dos esteriótipos, clichês e esquemas tradicionais para mergulhar a fundo, contando a história de Charlie, que, como tão poeticamente definiu Geraldo Mayrink, "refletia um homem gordo, bonachão, que nunca chegou a crescer inteiramente, amante de todas as mulheres, de todos os copos, de todas as seringas que incharam suas veias e, finalmente, o mataram. E, principalmente ouviram a música que os influenciou e influencia até hoje os melhores ouvidos. Jogados na orfandade, os músicos de jazz e seus críticos choraram e lamentaram a tragédia de Charlie "Bird" Parker. Mas ele, deformado e bêbado, morreu rindo na casa de uma de suas amantes, diante de um aparelho de TV. O médico legista achou que devia ter 64 anos. Estava com 34."
Bird é a grande estréia da temporada. Seguro candidato a ficar entre os 10 melhores do ano (assim como "Em Torno da Meia Noite", em 1987), é um filme para ser visto e revisto por quem ama a música, especialmente o jazz. Uma obra que comporta muitos e extensos textos - capazes de ajudar a entender sua beleza, a época - anos 40/50 - que retrata o universo sombrio, esfumaçado, mas delirantemente criativo da Nova Iorque, dos night-clubes - especialmente do que ganharia seu nome artístico - Bird, como maternidade do bebop.
Enquanto o vídeo selado não sai (o de "Round Midnight" já está nas locadoras), o negócio é curtir a trilha sonora, que no final do ano passado a CBS editou tanto em disco convencional como em CD.
Nada como as imagens para ajudar o som. Há 35 anos, quando Glenn Miller (1904-1944) ressuscitou em James Stewart ("Música e Lágrimas") o interesse pela música das big bands teve um grande embalo - suficiente para que se fizessem cinebiografias de outros stars do jazz, então ainda vivos - o clarinetista Benny Goodman - (1909-1986), o baterista Gene Krupa (vivido por Sal Mineo, o filme se chamou no Brasil "O Rei do Ritmo"), o pistonista Red Nichols (vivido por Danny Kaye em "A Lágrima que Faltou"). Mesmo cantoras pouco conhecidas no Brasil - como Helen Morgan (1900-1941) ganharam cinebiografias (no caso desta, interpretada pela desaparecida Anne Blyth em "Com Lágrimas na Voz").
Os monstros sagrados do jazz - como Louis Armstrong (1900-1971), Duke Ellington (1899-1974) e Ella Fitzgerald (71 anos a serem completados no próximo dia 25 de abril) não ganharam filmes biográficos porque não quiseram - mas suas imagens estão espalhadas em dezenas dos aproximadamente 3 mil filmes que, direta ou indiretamente tem ligação com o jazz.
O fascínio de um cineasta francês, Bertrand Tavernier, pelo jazz - que em termos culturais é mais valorizado na França do que em qualquer outro país - provocaria, de certa forma, um ressurgimento da cinebiografia jazzística: "Em Torno da Meia Noite" (Round Midnight), cinebiografia disfarçada do pianista Bud Powell (1924-1966), em seu exílio parisiense, resultaria no cult movie de 1986, que impulsionado pelo prestígio adquirido em circuitos de festivais europeus, conseguiu romper o acomodamento dos exibidores brasileiros e ter lançamento comercial no Brasil - para o que também contribuiu a indicação do saxofonista-ator Dexter Gordon, ao Oscar de melhor ator-88. Pena que outro filme de Tavernier, co-realizado com o americano Robert Parrish, "Mississipi Blues" (1985), permaneça inédito - e a sua exibição poderia ajudar a onda em torno do blues que cresce no Brasil, em especial com os maciços lançamentos feitos pela Brasdisc e a WEA.
"Bird", EUA, 1988, de Clint Eastwood; roteiro de Joel Oliansky; produção de David Valdez; fotografia de Jack N. Gree; música (arranjo-supervisão) de Lennie Niehaus (edição no Brasil da CBS); Com Forrest Whitaker (Charlie Parker) - melhor ator no Festival de Cannes; Diane Venora (Chan Parker); Michael Zelniker (Red Rodney); Sam Wright (Dizzy Gillespie); Keith David (Buster); Damon Whitaker (o jovem Charlie Parker). Em sua exibição no Cine Bristol, 3 sessões - 14h30; 17 e 20h30.
LEGENDA FOTO - Damon Whitaker interpreta o jovem Charlie Parker em "Bird". Quando adulto, o papel passa para Forrest Whitaker - irmão de Damon. Estréia hoje no Bristol.
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