A cítara de dona Inge nas músicas de Natal
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de dezembro de 1985
Quando se fala de cítara, instrumento de raros executantes, os nomes que lembradmos são de Avena de Castro, falecido há poucos anos e que chegou a gravar alguns LPs com este original instrumento e, em termos internacionais, o de Anton Karas, cuja música ilustrou as imagens de clássico filme estrelado por Orson Welles - "O Terceiro Homem " (The Third Man, 52, de Carol Reed).
Pois é a cítara, este instrumento de sonoridade tão especial, que tem uma perfeita executante em dona Inge Bolman Bruns, 70 anos, uma simpática e encantadora filha de alemães, nascida em São Bento do Sul, mas há mais de 30 anos residindo numa casa de imenso jardim (por ela cultivado carimhosamente) em Santa Felicidade. Mãe de seis filhos, e com 16 netos, dona Inge sempre mostrou o seu talento musical apenas nos limites de seu lar, em reuniões com amigos ou na comunidade luterana.
Agora, num verdadeiro presente de Natal, a arte de dona Inge pode ser ouvida por todos. Uma de suas filhas, a bela Lilian de Bruns Guenther, sacrificou uma viagem à Europa para investir Cr$ 35 milhões na produção de um dos mais belos LPs já editados no Paraná ("Sossego da Alma", selo SIR, dezembro/85), e que traz a suavidade do som da cítara a voz bélíssima de Cora, sua filha, contralto da Camerata Antiqua.
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"Sossego da Alma" é daquelas surpresas agradáveis que acontecem de vez em quando. São 16 músicas tradicionais da velha Alemanha - desde clássicos de Natal como "Stille Nacht"de Frans Gruber, a "Wienglied" (Canção de Ninar) de Frans Schubert, a "Tocher Zion" de Haendel ou a folclórica "O Tannenbaum"("Arvore de Natal"), até temas menos conhecidos mas igualmente encantadores, como "Seelenruhe" - que, traduzido, dá título ao disco ou ainda a emocionante "Traumerei am Bach"de um certo Hans Dondl e que há mais de 30 anos, tem em dona Inge uma de suas raras executantes entre nós.
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Com o apoio de um de seus irnãos, Cesar, agrônomo em Cuiabá e que passou 15 dias em Curitiba, em outubro último, ajudando na produção do disco , Lilian de Bruns Guenther realizou um disco que foge do convencional. De princípio por que ultrapassando o simples registro de arte de sua mãe, resgata o som de um instrumento que embora de origem milenar tem raríssimas executantes no Brasil. Em segundo lugar porque apesar de ser uma proposta simples, sem ambições, o resultado foi excelente: as canções de Natal e os temas folclóricos selecionados para este disco tiveram um cassamento perfeito entre a cítara e a voz belíssima de Cora, nome já conhecido nos circulos da música lírica da cidade, requisitada para várias montagens operísticas aqui realizadas.
Colorado à venda em alguns poucos pontos (por exemplo, no Huml-Humel, cuja proprietária, Ingborg Rost, também cantora nas horas vagas, é amiga há décadas de Inge Bruns), "Sossego da Alma" transforma-se de repente, numa produção extremamente paranaense mas ao mesmo tempo universal. Trazendo em suas enternecedoras faixas aquele espírito de Natal tão germânico ainda cultivado por velhas familias aqui vivem - como a própria Bruns, que nas reuniões de 24 de dezembro, entoam belíssimas canções. Aliás, a família de dona Inge é toda musical: seu marido, Raulino, 73 anos, foi clarinetista da banda da EOEG e mesmo hoje não mais tocando o instrumento, é apaixonado pela música. os filhos - Carlos, João, Cora, Celso, Lilian e Cesar - são músicos e cantores amadores, que cultivam aquela tradição das canções folclóricas, religiosas e populares que, por falta de maiores espaços, correm o risco de serem esquecidas se não encontram pessoas como dona Inge e seus filhos para divulgá-los e registrá-los.
Dona Inge aprendeu a tocar cítara quando, aos 11 anos, foi estudar numa escola dirigida por freiras da Bavária em São Bento do Sul, cidade em que nasceu. A partir daí, incentivada por seu pai, Carlos, desenvolveu os conhecimentos deste instrumento de raros executantes. Anos depois o mestre Bruno Behr, de São Paulo, trouxe novos conhecimentos técnicos e, apesar dos trabalhos de dona-de-casa, ela sempre executou o dificil instrumento - embora recusando-se a tocar para público que não conheça pessoalmente. Isto fez com que só as pessoas de suas relações admirassem seu talento que agora, finalmente, com a edição do LP "Zither"(o título em alemão, é uma homenagem às suas origens), se deslumbrem com sua arte. Um grande amigo, Tibor Reisner, músico, orquestrador e regente, colaborou também para a seleção ao repertório - que é dos mais iquilibrados.
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