Clássicos e jazz agora só em edição CD/cromo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de fevereiro de 1991
Definitivamente a era do laser chegou. Quem duvidava de que o novo processo demoraria a emplacar pelo seu custo enganou-se. Duas fábricas de CDs - a Microservice, em São Paulo e a VAT, em Manaus, estão com produção a toda para atender as várias gravadoras seja na área de reedições - desde trabalhos originais como a que Leon Barg, da Revivendo, está fazendo com antigos 78 rpm até discos dos mais comerciais - ou em lançamentos inéditos, alguns, inclusive, só saindo em CD e fita cromo. A Polygram e agora a ex-CBS, Sony Classics, já adotaram a política de colocarem no mercado exclusivamente produções de música erudita e lírica em CD/cromo, considerando - com razão - que o público destes gêneros é de alto poder aquisitivo e, naturalmente, exigentíssimo em qualidade auditiva.
Além do consumo crescente dos CDs - levando algumas lojas a se definirem prioritariamente (ou exclusivamente) por esta forma de discos (em Curitiba, já existe ao menos uma especializada, prioritariamente, em produtos importados), desenvolveram-se inclusive as locadoras de CDs, com uma faixa de atendimento especialmente aos jovens.
Portanto, mais do que natural que a cada mês amplie-se os catálogos em CDs - já existindo hoje mais de mil títulos a disposição do consumidor somente em produtos nacionais, número que poderá até duplicar nos próximos meses.
A Hora do Jazz - Apesar da música popular brasileira e, especialmente, o pop/rock, terem uma considerável faixa do mercado em CD, qualitativamente as edições se concentram no jazz e clássico. O boom jazzístico que, ao contrário de um certo modismo não se esgotou passadas as fases dos primeiros festivais (São Paulo-Montreaux e Rio de Janeiro-Monterrey) e que nem a suspensão do Free Jazz no ano passado (mas que volta este ano) esmoreceram, confirma a tendência de ampliação cada vez maior no gênero. O bom amigo Zuza Homem de Mello, 54 anos, recém chegado de sua habitual viagem européia e com a autoridade de quem participa dos conselhos consultivos de todos os festivais de jazz realizados no Brasil, garante que a música deste final de milênio, "mais do que nunca é o jazz e se eu tivesse uma FM programaria exclusivamente este ritmo". Chegar a tanto ainda vai demorar, mas o fato de atualmente existirem 16 programas especializados em jazz nas FMs de São Paulo - e uma dezena no Rio de Janeiro - é sintomático. Embora, infelizmente, os diretores das FMs de Curitiba (e mesmo a Estadual do Paraná) não tenham sentido a importância de abrirem maiores espaços a audições jazzísticas, o fato é que o gênero conquista bom Ibope e a prova é que gente competente, do nível de Armando Aflalo e Carlos Conde - paulistas, donos de coleções de milhares de gravações - produzirem programas como "Noite de Jazz" (Eldorado FM, terças e quintas), "Jazz Improviso" (Cultura FM, sextas e sábados, 24 horas), sem falar no "Jô Soares Jam Session" (Nova Eldorado AM), já são mostras suficientes de que o jazz está deixando de ser um gênero maldito.
Portanto, nada mais natural do que etiquetas se concentrem nestas faixas. Jonas Silva, o bravo dono da Imagem que há 21 anos edita jazz e clássicos, está passando todo seu acervo de representadas para edições CD, vendidas a preços bem razoáveis, enquanto que no Rio, graças ao seu trabalho, uma nova etiqueta, a Musicplay - com catálogo básico de jazz & blues - também está subindo em termos de aceitação. A Polygram, cuja área de clássicos e jazz, consolidada nos últimos anos por Leo Barros - agora promovido merecidamente a uma direção de marketing na Deutsch Grammophon, na Alemanha, fez excelentes lançamentos, especialmente do catálogo da Verve - num trabalho que terá continuidade com sua substituta, a jovem Fátima Figueiredo. A Sony Music, ex-CBS, com Maurício Quadrio e seus 41 anos de fonografia no Brasil, alimentará não só o excelente catálogo clássico (ver texto a parte), mas também o jazzístico - como a série "Quintessencial" de Billie Holiday (1915-1959), já com seis álbuns na praça - e o sétimo programado para março - como as mais recentes gravações do novo ídolo do pistão, Wynton Marsalis, de quem sairá nos próximos dias o seu último trabalho: a trilha sonora do recém concluído filme "Tune in Tomorrow".
Entre os mais recentes lançamentos da Polygram, na área jazzística, efetuados entre dezembro/janeiro, alguns títulos absolutamente indispensáveis. A começar por "Bird - The Original Recordings of Charlie Parker", que reúne temas reaproveitados na trilha sonora do belíssimo filme de Clint Eastwood (1988), mas aqui em suas gravações originais. Assim, temos a oportunidade de sentir toda a maravilha criativa de Parker, falecido em 1955 - em plena juventude, nas interpretações históricas que fez de "Laura" (Mercer / Raskin - quem viu o filme lembra-se, por certo, dos detalhes que cercaram este registro), da afetiva "Kim", que fez em homenagem a sua filha, e a outra homenagem - "Blues for Alice", ao filme que ironizava seu próprio apelido musical - "The Bird", sem falar em clássicos como "Lover Man", "Just Friends" e "April em Paris". Nestas gravações, registradas entre 1949/52, em estúdios nova-iorquinos, participaram, entre outros, gigantes como Max Roach (bateria), Hank Jones (piano), Thelonious Monk (piano), Ray Brown (baixo), Miles Davis, Lester Young e, naturalmente, Dizzy Gillespie.
"April in Paris" - Uma das mais conhecidas composições de E. Y. Harburg (um dos autores das músicas de "O Mágico de Oz", 1939) e Vernon Duke, que foi gravada por Parker num arranjo em que empregou cordas e até um oboé (Bronislau Kimpel), dá título a outro excelente lançamento da Verve, com a orquestra de Count Basie (1904-1984), um dos últimos mestres da época das big-bands e cuja obra, felizmente, continua a merecer edições entre nós. Em registros feitos em julho de 1955 e janeiro de 1956, Basie no comando de sua orquestra - numa das suas melhores fases - trouxe um repertório de dez momentos da maior inspiração, entre os quais "Dinner with Friends" (Neal Hefti), Duke Ellington ("What Am I Here For"), Freddie Green ("Corner Pocket") e, naturalmente, "April in Paris".
Ben Webster - (1909-1973), o saxofonista que, para muitos, foi o que melhor aprendeu as lições do mestre Coleman Hawkins (1904-1969) - citado em muitas enciclopédias como o saxofonista que foi o real introdutor de todas as possibilidades deste instrumento - pode ser apreciado em dois momentos notáveis. Justamente numa gravação em que dividiu as glórias com o mestre Hawkins, registrado em 1959, e do qual participou o pianista Oscar Peterson, o guitarrista Herb Ellis, o baixista Ray Brown e o baterista Alvin Stoller. Ben e Webster, com a categoria de autênticos mestres, estão a vontade, tocando conhecidos standards e, como disse o expert Carlos Callado, "não é preciso mais que dois ou três solos para que logo se vá percebendo o estilo de cada um".
Alguns meses depois do encontro com Hawkins, Webster voltou a reunir-se com o pianista canadense Oscar Peterson, mais o baixista Ray Brown - e acrescentando o baterista Ed Thiggen - para um outro momento definitivo, que agora também chega em CD. Peterson (Quebec, 15/08/1925), um dos maiores estilistas do piano, oferece momentos da maior ternura, nesta junção de seu trio ao sopro magnífico de Webster em faixas como "The Touch of your Lipes" (Ray Noble), "Bye Bye Blackbird" (Henderson / Morto Dixon) e "How Deep is the Ocean" (Irving Berlin), para citar só três dos sete magníficos temas registrados em uma única sessão, nos estúdios da United Records em 06/11/1959.
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