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Aramis

De como atingir a todos os públicos

Como na obra musical de Mozart - as 41 sinfonias, 27 concertos, dezenas de óperas - "Amadeus" é beleza, harmonia, perfeição. Uma obra-prima em termos de realização cinematográfica. É uma lição de equilíbrio para atingir a todos os públicos - mesmo os que nunca tiveram maior familiaridade com a obra musical de WAM ou que se assustam com o gênero operístico. Como Herbert Rossa soube fazer com o balé em "Momento de Decisão" [(]Ther Turning Point, 77) e Claude Lelouch com a música clássica e a dança em "Retratos da Vida" (Les Uns Et Les Autres, 81), "Amadeus" dosa homeopaticamente momentos de ópera e música clássica, tem humor fino e requintado, excelentes interpretações e o maior acabamento técnico para estabelecer, nas mentes e emoções, a maior carga de empatia. O resultado é um filme que da primeira a última sequência, ao longo de seus 158 minutos não tem um momento sequer de monotonia e cansaço. Ao contrário, há uma estrutura perfeita, num encadeamento de situações/sequências que prendem o espectador da primeira a última cena. xxx A ação se passa há quase duzentos anos - durante alguns anos da vida de Wolfgang Amadeus Mozart, que morreu na miséria, em 5 de dezembro de 1791, com 36 anos incompletos - mas a contemporaneidade das idéias e reflexões colocadas no texto de Peter Schaeffer/imagens de Milos Forman é total. Pode-se ver, se assim o espectador quiser, um filme profundamente político e crítico no exame das relações da criação artística e o poder. A imposição da censura - transmitida nas proibições imperiais, nas intrigas e invejas da corte e nas exigências de consumo de uma sociedade na época. A interdição da música para a cena do balé em "As Núpcias de Fígaro" - numa interpretação interesseira de um decreto imperial, revogado, afinal pelo próprio monarca - é dos momentos mais satíricos. "Amadeus" não se propôs - desde quando Peter Schaeffer o concebeu como peça de teatro (estreando em 1979, em Londres) - a ser uma biografia fiel de [Wolfgang] Mozart. A partir de muitas leituras e interpretações, dando ao maestro e compositor Antônio Salieri (1750-1825) um destaque, como personagem, mais amplo, "Amadeus" é um amplo painel de um compositor e sua época - mas sem fixar dogmas rigorosos. Assim, em nenhum momento se toca num aspecto importante na vida de Mozart: sua ligação com a loja maçônica da Áustria, que o ajudou financeiramente e que, ao final de sua vida, o teria perseguido, contrariada por segredos e símbolos maçônicos terem sido "revelados" na ópera "A Flauta Mágica" (1971), justamente uma de suas últimas obras. Curiosamente, em "Divino Amadeus" (Vergesst Mozart, 84, de Slavo Luther), lançado no Brasil na primeira semana de junho, para, enganosamente, confundir (e atrir) o público, a ligação de Mozart com a maçonaria era profundamente exposta, bem como a teoria de que a sua morte foi provocada por doenças venéreas. Aliás, até seria interessante, agora, com a exibição de "Amadeus", que o "Divino Amadeus" voltasse a ser exibido, para o público poder comparar as duas interpretações. Sem contar que existem outras duas versões cinematográficas, ambas alemãs, uma de 1943, outra de 1955, sobre a vida de Mozart. xxx Assim como já se falou muito em torno de "Amadeus", muito ainda se escreverá a respeito deste evento cinematográfico e musical. Como cinema, um momento de maior beleza. Musicalmente, uma reaproximação com um dos gênios da criação, o que faz com que se transcreva [a lúcida] observação de Mário Henrique Simonsen, ex-ministro do Planejamento, hoje crítico de música clássica da "Veja", num trecho do longo texto que publica na edição que está nas bancas: "É muito fácil gostar de Mozart. Basta ouví-lo e o filme "Amadeus" promete exercer essa influência sobre o grande público. A comunicação de massa consegue transformar os compositores clássicos em ídolos populares. Na década de 60, por exemplo, Bach cresceu extraordinariamente na discografia internacional porque os Beatles resolveram enriquecer a música popular com as táticas de contraponto, encorajando o então célebre conjunto vocal Swingle Singers a divulgar a própria música bachiana. Espera-se que o filme de Milos Formam exerça impacto análogo com Mozart". LEGENDA FOTO - Salieri (F. Murray Abraham) e Mozart (Tom Hulce): o conflito entre a mediocridade e o gênio, no evento cinematográfico do ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
27/06/1985

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