Pintaram novamente boas trilhas sonoras
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de abril de 1986
Aleluia! Após um longo tempo de indigência musical em termos de trilhas sonoras, com oportunistas montagens (mil vezes piores do que é feito pela Sigla, para as telenovelas da Globo) de sucessos pop para serem catipultuados em filmes supostamente de apelo jovem, os produtores estão voltando-se para trabalhos originais - se não de um único compositor (como acontecia no passado), ao menos com melhor adequação - e não apenas servido para divulgar candidatos ao sol do nirvana pop.
Exemplos significativos são as excelentes trilhas de "Cotton Club" (já em exibição em São Paulo-Rio, próximo lançamento em Curitiba), "A Traição do Falcão" (já lançado no Rio/SP, à disposição em videocassete e programado para breve no Astor) e "O Sol da Meia Noite" (aguardado há 3 semanas no Astor), sem contar a movimentada trilha do seriado de TV "Miami Vice" (TVSS, TV Iguaçu/TV Tibagi) e "To Live And Die In L.A.", este ainda inédito no Brasil.
O LENDÁRIO COTTON CLUB foi por mais de 30 anos uma espécie de templo do jazz em Nova Iorque. Em pleno Harlem, inaugurado em 1923, por um figurão da Máfia, pelo Cotton Club passaram os maiores nomes do jazz e em suas mesas sentaram-se as mais incríveis personalidades. Tema para um filme fascinante que fez Francis Ford Coppola mergulhar em nova aventura, gastando US$ 47 milhões em 1983 e, passados 3 anos, ainda não ter recuperado esta fortuna - debilitando ainda mais os estúdios Zoetrope (já abalados com "O Fundo do Coração", "Vidas Sem Rumo" e "O Selvagem da Motocicleta").
Sem ter conseguido nenhuma indicação ao Oscar em 1984, pequeno público no território americano, "Cotton Club" chega ao Brasil meses após a versão em cassete já estar percorrendo os clubes de vídeo. Apesar disto o filme - na tela ampla - vai extasiar quem curte os roaring twenties, a era das big bands e uma trama interessante: a história de dois músicos - o trompetista branco Dixie Dwyer (Richard Gere) e o sapateador negro Sandman Williams (Gregory Hines, no elenco também de "O Sol da Meia Noite").
A trilha de "The Cotton Club" é fascinante. John Barry não precisou trabalhar muito: bastou escolher os hits que entre 1927/36 marcaram a música americana e que tiveram, praticamente, seu parto, no famoso endereço nova-iorquino.
Assim, a trilha sonora (CBS, abril/86) é quase um disco de Duke Ellington (1899-1974), autor de oito dos temas, desde "The Mooche" (de 1928) até o meddley "Day Break Expressos", incluindo "Wall Street Wail", "Slimppery Horn" e "High Life". "Cotton Club Stomp", que Mitchel Parrish e Irving Mills criaram a letra, sobre tema sonoro de Ellington, em 1930, é destacado em solos de sax-barítono (Joe Temperly) e pistão (Dave Brown), dois dos ótimos instrumentistas convocados para as gravações das faixas. Barry só comparece com temas incidentais, complementando toda a estrutura deste maravilhoso mergulho no período mais rico, criativo e nostálgico da música americana.
A TRAIÇÃO DO FALCÃO (The Falcon and the Snowman) é um novo thrilling de suspense do inglês John Schlesinger, a grande revelação dos anos 60, internacionalizado com o sucesso de "Perdidos na Noite". Em termos musicais, a trilha deste filme estrelado por Timothy Hutton e Sean Penn, é (mais) uma confirmação do talento do guitarrista Pat Metheny, aqui associado a Lyle Mays. De toques sinfônicos a momentos pop, Metheny e Mays criaram nove temas marcantes - que se aprecia independente das imagens mas que, naturalmente, devem ganhar muito na moldura da tela ampla. Produção sofisticada, com participação de grande orquestra sinfônica e tendo um tema de David Bowie ("This is Not America"), em participação especial, "The Falcon and the Snowman", lançado no ano passado pela EMI/Odeon, está entre as melhores trilhas dos últimos anos. Uma prova de que Pat Metheny, com as melhores influências (inclusive a assumida de Milton Nascimento, patente até nas vocalizações de alguns temas) é, sem favor, um compositor capaz de muito dar à música do cinema - assim como já dignificou o pop-jazz fusion, com seus álbuns pela ECM.
O SOL DA MEIA NOITE (White Nights), de Taylor Hackford, é o exemplo do filme com todos os ingredientes para conquistar o público: como "Momento de Decisão" (The Turning Point, 77, de Herbert Ross), tem o ballet como tema e um dos mais famosos bailarinos do mundo, Mikhail Baryshnikov, como astro. Uma trama bem urdida - o que aconteceria se um dissidente soviético fosse obrigado a retornar à Rússia devido à pane do avião em que viaja? Baryshnikov é um dissidente russo e a partir deste fato, "White Nights" adquire um significado maior. Mas este filme - aguardado já há duas semanas no Astor - tem outras atrações. A estréia no cinema de Isabella Rosselini - filha de dois monstros sagrados do cinema dos anos 40 (a atriz sueca Ingrid Bergman e o diretor italiano Roberto Rosselini), o ator-bailarino Gregory Hines e a excelente coadjuvante Geraldine Page (Oscar de melhor atriz em 86).
Mas foi a trilha sonora de "White Nights" que catipultuou ainda mais a carreira deste filme: Michel Colombier associado a Phil Ramone convocou um time de superstars para interpretar os diferentes temas e de cara conseguiu caitituar duas faixas - "Separate Lives" (Stephen Bishop) e "Say You, Say Me" nas paradas de sucesso, ganhando ambas indicações ao Oscar de melhor canção original. Lionel Ritchie acabou sendo o premiado com o Oscar, num páreo que, aliás não foi difícil: este ano, todas as canções nominadas pela Academia não passaram de regulares. Curiosamente, o lp com a trilha sonora de "White Nights" (Atlantic/WEA) não incluiu "Say You, Say Me", provavelmente porque esta faixa já esgotou suas possibilidades no single e também fará parte do novo lp de Ritchie. A propósito: no filme, só se ouve a música ao final, quando dos créditos: quem sair apressado do cinema, não tomará conhecimento da mesma. Em compensação, o lp traz temas bem mais interessantes, especialmente "People On A String", com Roberta Flack. Para a fatia pop, sobraram presenças de Chaka Khan ("The Other Side of The World"), Lou Reed ("My Love Is Chemical") e David Foster ("Tap Dance"). Duas novidades: as presenças de John Hiatt e Jenny Burton como intérpretes de "Snake Charmer" e "People Have Got To Move", respectivamente.
WANG CHUNG, eis um nome a ser prestado atenção. No pacotão "New Rock Collection" (CBS, janeiro/86), o melhor disco é o que traz a trilha de "To Live and Die In L.A.", filme de William Friedkin, sem data para lançamento no Brasil. Estreando em 1984, com "Points On The Curve", ao lado de Jack Hues (vocais/teclados/guitarra) e Nick Feldman (vocais, baixo, teclados), Wang Chung, baterista, optou por um trabalho individual - quando surgiu o convite de William Friedkin ("Operação França", "O Exorcista") para elaborar a trilha sonora de "To Live and Die In L.A.", sofisticado thrilling de crime e paixão. O resultado é uma música densa, interessante e movimentada - ao longo de oito temas. Apenas um detalhe: ouçam com atenção a segunda faixa do lado B ("The Red Stare") e fechem os olhos: a impressão é de que se está ouvindo um dos tem as que Michel Legrand/Francis Lai criaram, há 7 anos, para "Les Uns Et Les Autres" (Retratos da Vida) - o maior êxito de público no Brasil nos últimos 4 anos. Coincidência ou plágio? Cartas à redação!
MIAMI VICE é uma das séries de maior sucesso na televisão americana. E ao lado da movimentação de seus episódios, dos ambientes sofisticados, das boas estórias - que estão garantindo também um bom Ibope no Brasil - "Miami Vice" é responsável pelo impulso a muitos temas musicais selecionados para sua banda. Em edição MCA/SBT, distribuição da RCA, temos onze dos temas de "Miami Vice" - a partir dos instrumentais "Evan", "Chase", "Flashback" e "Miami Vice", por Jan Hammer; aos vocalizados - "Own The Night" (Chaka Khan), "You Belong To The City" e "Smuggler's Blues" (Glen Frey), "In The Air Tonight" (Phil Collins), "Better Be Good To Me" (Tina Turner) e "Vice" (MGrandmaster Melle Mel).
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