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Aramis

A música - A melhor trilha de Quincy para um filme de seu povo

Alice Walker, autora do romance, disse a propósito da trilha sonora que Quincy Jones criou para transposição cinematográfica de seu livro: "Há muitas cores na trilha de "The Color Purple", tantas quantas há na nossa gente. E antes dos seres humanos haviam cores na natureza; o azul vivo do céu, o verde suave da grama, o vermelho delicado, branco, marrom e preto das árvores sussurrantes, o azul, o dourado e o roxo das nuvens. Todas estas e mais estão representadas aqui. As notas de jazz repousam confortavelmente entre as clássicas, notas tristes entre os sons africanos, evangélicos e Spirituals. Afinal, nossa música tem sempre cruzado fronteiras, infiltrando-se e achando um lugar acolhedor nos corações mais duros dos estranhos. Através da música, o universo fala mais como comoventemente para nós. E nós estamos todos escutando". Quincy (Delight Jr.) Jones (Chicago, Illinois, 14/10/1933), hoje um dos mais realizados compositores e produtores musicais americanos, não deixou por menos: co-produtor do filme de Spielberg, realizou aquela que é a melhor trilha sonora destes últimos anos. Músico de jazz que trabalhou com mestres como Thelonious Monk, Art Tatum, Charlie Parker e Miles Davis - entre outros, Jones se firmaria como um notável compositor de trilhas sonoras - de "A Sangue Frio" (1967) a "O Mágico Inesquecível" (The Wiz) alcançando, porém seu grande momento em "O Homem do Prego" (The Pawnbroker, 1965). Portanto, agora, ao realizar a trilha para um filme sobre negros, num projeto em que se envolveu, inclusive, em termos financeiros, Quincy iria desenvolver uma trilha notável, tão especial que se espalha ao longo de dois elepês, num álbum duplo que a WEA como representante da Qwest (etiqueta do próprio Jones) lança paralelamente a estréia do filme - sem perder assim a força da promoção (ao contrário do que aconteceu com "Entre Dois Amores" e "O Beijo da Mulher Aranha", cujas trilhas chegaram nas lojas 4 meses após as fitas terem estreado nacionalmente). Musicalmente, "The Color Purple" é um deslumbramento do início ao final e sua não premiação (perdendo para John Barry, por "Out of Africa"), foi uma das 11 injustiças cometidas contra o filme de Spielberg neste ano. A própria canção-tema, "Miss Celie's Blues", parceria de Quincy, Rod Temperton e Lionel Ritchie, mereceria também o Oscar - dado a Lionel Ritchie, mas por sua canção "Say You, Say Me", de "O Sol da Meia-Noite" (White Nights), que, aliás, só a apresentava ao final, durante a projeção dos créditos. Em "The Color Purple", "Miss Celie's Blues" é o grande e enternecedor tema, na voz poderosa de Tata Vega, excelente cantora de blues, já com alguns lps editados no Brasil - mas ainda desconhecida do grande público. Dublando a personagem Shug Avery (Margareth Avery), Tata é a intérprete de várias faixas, nesta trilha esplêndida - que junta desde um reverencial tema de 57 anos passados ("The Dirty Dozens", Mayo Williams/Rufus Peryman, 1929) a work songs folclóricos ("J. B. King", canção dos construtores de ferrovias nos EUA) a temas africanos, para as seqüências feitas no Kenia - como a profunda "Katutoka Corrine" (Caiphus Semenya) além de uma homenagem a Coleman Hawkins (1904-1969), com a inclusão do clássico "Body And Soul" (J. Green/E. Heyman/P. Sour) numa gravação original de 1939. Mas são, sobretudo, os temas instrumentais de Jones/Temperton/Ritchie, em arranjos extraordinários, utilizando grandes formações orquestrais, que fazem "A Cor Púrpura" deslizar, sonoramente, com a mesma beleza das imagens do fotógrafo Allen Davidu - e a emoção que não se perde nas quase três horas de duração deste filme incrível. Assim como Alice Walker produziu um magnífico texto impressionista, descrevendo sua emoção a propósito de cada um dos temas musicais - mantido, em inglês, na edição nacional do álbum - também se poderia dedicar toda uma página para esta trilha sonora. Na impossibilidade de fazê-lo por falta de espaço, fica apenas recomendação: uma obra prima musical, tão bela quanto o filme de Spielberg - para alcançar corações e mentes de todos que souberem emocionar-se com esta verdadeira dádiva cinematográfica, tão injustamente tratada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
10/08/1986

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