Erros & acertos de um boneco que vale ouro
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de abril de 1988
Chamá-lo de um velho gagá só porque completa 60 anos é injusto.
Mas convenhamos que está longe daqueles anos de juventude.
É como se fosse, realmente, o tio rico, famoso em todo mundo, que velho e bilionário, se dá ao luxo de cometer asneiras. Como, por exemplo, a de abrir suas asas protetoras para uma obra-canalha como "Atração Fatal", indigna de qualquer consideração maior, esquecendo, mais uma vez, sobrinhos talentosos como Woody Allen e Stanley Kubrick, para só citar dois exemplos. Alguém pode admitir que uma obra-prima como "A Era do Rádio" só mereça a indicação de roteiro original? Só porque há 11 anos passados, Woody preferiu ficar tocando clarinete, como sempre faz às segundas-feiras (quando não está filmando) no Michael's Pub, em Nova Iorque, do que voar até Los Angeles, para receber os Oscars que "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (Annie Hall) mereceu como melhor filme, direção, atriz (Woody Allen, roteiro original (Woody/Marshal Brickman), desde então a Academia não deu mais chances a Allen esnobando nas categorias principais obras-primas como "Stardust", "A Rosa Púrpura do Cairo" e, no ano passado, "Hannah e suas Irmãs".
E o caso de Stanley Kubrick? É ainda mais vergonhoso. Este renovador do cinema americano merecia ao menos uma indicação já em 1955 quando realizou o revolucionário "A Morte Passou por Perto" (Killer Kiss), que não foi nem lembrado. Só em 1964, com "Dr. Fantástico" ganhou indicações a filme e direção, mas perdendo para "My Fair Lady" e George Cukor. E em 1968, "2001 - Uma Odisséia no Espaço", não ter sido incluído entre os indicados (ano em que o Oscar foi dado ao insonso [insosso] musical "Oliver" e Carol Reed levou o de melhor diretor) foi outra tremenda injustiça.
Injustiças, enfim, não faltam na longuíssima lista de omissões que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood vem fazendo desde aquele jantar na noite de 16 de maio de 1929, no Blossom Room do Hollywood Roosevelt Hotel, em que foram entregues os 12 primeiros Oscars, referente a temporada 1927/28.
Quem acompanha a história do Oscar já está careca de saber que os primeiros premiados foram "Asas" (Wings), como melhor filme, Emil Jannings e Janet Gaynor como melhor ator e atriz (coadjuvantes só começariam a serem premiados a partir de 1936); Frank Borzage (por "Sétimo Céu") como diretor, nas categorias principais.
A história do Oscar é longa e existem mais de 20 livros dedicados exclusivamente a contar todos os detalhes - indicações, premiações, injustiças, trapalhadas e muitas fofocas de bastidores. Um dos mais recentes é o volumoso "Inside Oscar" da dupla Mason Wiley e Damien Bona (869 páginas, Balantine Books), uma "The Unofficial History of the Academy Awards" que custa US$ 24,95 e, em São Paulo é possível encontrar na Dragone (Rua 24 de Maio, 35, 3º andar). Em termos de detalhamento, a dupla Wiley e Bona fez o trabalho mais completo que se possa imaginar, cobrindo a festa até 1985, ano em que, a exemplo deste, a Academia fez outra de suas sujeiras: deu 9 nominations a "The Color Purple", menos a de melhor direção para Spielberg - e das indicações não concedeu nenhum Oscar - mesmo nas categorias menores - ao belíssimo "A Cor Púrpura", carregando, entretanto, de premiações "Entre Dois Amores", de Sidney Pollack.
Um titio contestado - Entre tanto folclore que cerca o Oscar, a própria designação do feioso - mas tão desejado - boneco, recoberto de tinta dourada (e extremamente frágil, várias vezes aconteceu de alguns caírem da mesa e se espatifarem no chão durante a festa), tem sido contestada.
Durante décadas, alimentou-se a versão publicada por Terry Ramsaye no "The 1947-48 Motion Oicture Almanac", de que o boneco de 34 centímetros de altura ganhou o nome quando uma bibliotecária da Academia, Margaret Herrick, teria dito, ao olhar o prêmio, que ele se pareceria com seu tio, Oscar Pierce, um rico texano. Há alguns anos, esta história foi desmentida, mas ficou a lenda. O que afinal não modifica muito as coisas.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood foi fundada em 1927, por 36 profissionais ligados ao cinema incluindo os diretores Cecil B. de Mille, Henry King, Frank Loyd, Fred Niblo, John Stahl e Raoul Walsh - todos, naturalmente já falecidos; mais 11 produtores, sete intérpretes (apenas uma mulher, Mary Pickford), e 6 roteiristas, além de técnicos como o cenógrafo Gibbons, fotógrafos e até Sid Grauman, proprietário do lendário Chinse Theatre, durante anos o próprio símbolo de Hollywood - e que com suas calçadas nas quais estão as marcas das mãos dos grandes astros e estrelas, é visitado por turistas de todo mundo - apesar da área ser há muito da mais alta periculosidade, numa zona de Los Angeles em que prostitutas, ladrões, trombadinhas etc., dominaram a partir da década de 60.
Ir a Hollywood, aliás - e especialmente chegar ao Chinese Theatre - é destruir uma ilusão dos tempos de cinemaníaco. Melhor mesmo é conservar as imagens dos anos em que se lia "Cinearte", "Cinelândia", "Filmelândia", "Cinemascope 55" etc.
Voltemos, porém, a história do Oscar, para aqueles que talvez não saibam. Uma semana após a fundação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood -, o que aconteceu em 11/5/1927 - e que teve o ator Douglas Fairbanks (1883-1939) como seu primeiro presidente, durante um banquete no Baltimore Hotel, o produtor Louis B. Mayer (1885-1957) propôs que fosse criado um prêmio para, anualmente, distinguir as melhores realizações. Durante o jantar, Cedric Gibbons, talentoso cenógrafo e figurinista (reparem nos seus trabalhos quando a televisão reprisar os filmes de MGM dos anos 30/40), fez o esboço do boneco-prêmio, que, logo depois o escultor George Stanley modelaria.
A primeira escolha demorou: as votações se estenderam até janeiro de 1929, os resultados foram anunciados em fevereiro e a festa aconteceria em 16 de maio de 1929 - referindo-se ao período 1927/28 - razão pela qual este ano chega-se aos 60 anos do evento.
Em 3 de abril de 1930 houve a segunda festa, correspondente ao período de agosto de 1928 a julho de 1929 e o jantar-festa passou a ser transmitido pelo rádio.
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Ao longo destes 60 anos inúmeras modificações aconteceram. Desde os métodos de votação e apuração - que passaram a serem tratados como segredo de estado, com uma firma de auditoria (Price, Waterhouse & Co.) que garante o sigilo até a hora em que o envelope é aberto, perante milhões de (tele) espectadores, até a inclusão, cortes e mudanças nas diferentes categorias.
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Houve época em que existiam prêmios para fotografia só para preto-e-branco, depois criou-se (em 1939) a categoria de fotografia colorida e, a partir de 1940, também a direção artística tinha estas duas categorias (mais recentemente, voltou a existir apenas a categoria única de fotografia).
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A música (que passou a ser premiada a partir de 1934), este ano está agrupada apenas em duas categorias: desaparece o score para filme musical pela simplíssima razão de que os musicais praticamente desapareceram. Ou ficaram tão ruins que se confundem, como aliás se prova ouvindo-se as canções que concorrem neste ano.
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Até 1940, não havia maiores segredos em relação a proclamação antecipada dos Oscars.
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Em 1942, pela primeira vez, foram nominados documentários. E, devido a guerra, a festa naquele ano foi sem black-tie, com muitos atores famosos aparecendo em seus uniformes militares.
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Até 1944 as indicações não se limitavam a cinco. Havia categorias que chegavam a ter uma dezena de candidatos.
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Há 40 anos, pela primeira vez um filme estrangeiro levava o Oscar de melhor filme: "Hamlet", de Laurence Olivier.
PAGANDO OS PECADOS
Se tem cometido inúmeras injustiças, a Academia também tem procurado compensar seus pecados. Por exemplo, Charles Chaplin nunca ganhou o Oscar como realizador mas em 1929 já era homenageado especial pelo seu filme "O Circo". E, em 1971 - quando a festa já era transmitida para a televisão para todo o mundo (inclusive o Brasil), houve o mais belo e emocionante encerramento: sob aplausos, em pé, do público, o velho Chaplin, vindo especialmente da Suíça, recebia um Oscar especial pelo "efeito incalculável que teve ao converter o cinema na forma artística do século". Há 20 anos que Chaplin estava fora dos EUA.
Ao longo destes anos, inúmeras personalidades - nas áreas técnica, da criação, produção etc., têm sido homenageadas. Orson Welles, outro injustiçado (em 1941, "Cidadão Kane", o mais importante filme de todos os tempos), só recebeu o Oscar como roteiro original, reverenciado nesta longa relação, este ano, acrescenta-se o nome de outro dos últimos remanescentes dos anos de ouro do cinema - Billy Wilder.
Wilder, austríaco de nascimento, 82 a serem completados no próximo dia 22 de junho, não tem motivos de queixa: o Prêmio Irving Thalberg (criado em homenagem ao notável produtor da MGM, falecido em 1936, com apenas 37 anos de idade e no auge de sua carreira de super-executivo-produtor) que a Academia decidiu conceder ao diretor de "O Pecado Mora ao Lado" é mais um reconhecimento a Wilder, que já recebeu seis Oscars e 21 indicações desde 1933, quando começou a trabalhar em Hollywood. No ano passado, aliás, quem recebeu este prêmio foi Steven Spielberg, o que não deixou de representar um prêmio de consolação para quem foi injustiçado em 1985 e, neste ano, voltou a ser esquecido.
Outro troféu especial é o Prêmio Humanitário Jean Hersholt, destinado a quem "tenha por seus esforços humanitários trazido crédito para a indústria cinematográfica". O ator Jean Hersholt (1886-1956) é mais conhecido por dar nome a este prêmio do que pelos filmes que interpretou.
Enfim, o Oscar é uma festa fascinante - o maior evento em termos de marketing do cinema e que amanhã a noite, a partir das 23 horas, estará sendo acompanhado por milhões de espectadores - mesmo aqueles que não curtem tanto o cinema, mas que sabem que este é um programa especial - único em suas características e no qual sempre acontecem surpresas. Vamos, portanto, conferir!
LEGENDA FOTO 1 - Com toques de "Amarcord", o filme "Esperança e Glória" é um dos mais belos filmes do ano: o garoto Bill (Sebastian Rice Edwards) e seu avô (Ian Bannen) numa Londres dilacerada pelos bombardeios mas vista apesar disto com otimismo pela ótica das crianças. Candidato ao Oscar de melhor filme.
LEGENDA FOTO 2 - Michael Douglas (à esquerda), em "Wall Street - Poder e cobiça", é candidato ao Oscar de melhor ator.
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