A atriz
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de agosto de 1986
"Somos negras,
somos fortes.
Somos as
sobreviventes"
Nas múltiplas entrevistas que teve com jornalistas brasileiros desde a última segunda-feira, Margaret Avery só se recusou a responder uma pergunta: sua idade. Bem humorada e brincalhona, repetia: "Não me recordo..." Falando até em espanhol, e, depois, em português, quando a atenciosa Elza Veiga, coordenadora de imprensa da Warner Bros, lhe ensinou a frase.
No mais, Margaret Avery, uma atriz já com apreciável curriculum em teatro, filmes para televisão e alguns longas-metragem - ao menos um, exibido no Brasil ("Magnum 45", de Ted Post, com Clint Eastwood) - falou longamente sobre tudo que lhe foi perguntado. A importância de interpretar um papel marcante em "A Cor Púrpura", a emoção de ter sido indicada ao Oscar de melhor coadjuvante, sua relação com Spielberg, o significado de um filme tão densamente humano em relação não só aos negros - mas, especialmente, as mulheres. E, assim, da parte artística a condição feminina tocando em pontos como o aborto, a discriminação da mulher, a visão machista e intolerante de muitos segmentos da sociedade não só americana, mas em vários países - revelaram uma atriz profundamente lúcida e sensível, identificada com problemas atuais - e que mais do que uma rápida passagem promocional do filme que estrelou, mostrou, em suas entrevistas, uma verdadeira presença política, com opiniões firmes e decisivas.
O Estado do Paraná, único jornal do Sul presente na entrevista de Margareth Avery, no Rio de Janeiro, traz uma síntese do que Margareth falou.
Injustiça da Academia
"Realmente, Spielberg sofreu a discriminação dos membros da Academia. Como no passado, tantos filmes maravilhosos foram injustiçados, também "The Color Purple" sofreu a injustiça de ter 11 indicações e nenhum prêmio. Eu, ao menos, acho que deveríamos ter ganho todos. Em compensação, a receptividade do público - primeiro nos EUA, agora em outros países - é fantástica. O que transforma a não premiação do filme numa piada".
Spielberg
Eu só posso dizer que ele é um homem muito sensível, muito específico. Ele sabe exatamente o que ele quer e é um prazer encontrar um diretor que saiba o que quer fazer exatamente e, especialmente, comunicar isso a você, atriz..."
O Filme
"Muita gente vê "A Cor Púrpura" como um filme feminista. Talvez por ter sido baseado numa estória que uma mulher escreveu. E sobre uma mulher basicamente - com várias outras mulheres envolvidas na história. A história é narrada do ponto de vista da mulher. Lógico, o filme é feminista!"
Lesbianismo
As duas personagens centrais do filme - Celie (Whoopi Goldberg) e Shug (Margareth Avery) têm uma relação homossexual - mais intensa na descrição do livro do que na tela, onde foi tratada com extrema poesia. A propósito, Margareth Avery disse: "Bem, eu acho que as coisas foram suavizadas na tela, primeiramente porque no livro, lido em casa, é uma relação privada. Já numa tela, em público, fica mais desconfortável. Acho que o filme consegue mostrar a essência disso. Eu prefiro, muito mais, a forma que está na tela. E a relação entre Celie e Shug tem um sentido forte, numa mensagem de amor e descoberta".
A Personagem
"Desde que li o livro me senti atraída por Shug - não só porque tenhamos o mesmo sobrenome (Avery), mas por causa do amor de Shug pela vida. Mas ela é muito mais livre do que eu e foi isso que me deu mais trabalho na interpretação do papel. Shug é, de certa maneira, tudo aquilo que eu gostaria de ser (...) Como as mulheres do início do século (o filme passa-se entre 1906-48) eram um tanto roliças, exercitei-me diariamente, mudei minha dieta e engordei quase 10 quilos. Entretanto, para interpretar Shug, não consegui, mesmo treinando por quase dois meses, tragar um cigarro. A personagem Shug tirava tragadas longas e sensuais no cigarro, mas nunca consegui fazer a coisa parecer real. Vocês verão Shug com um cigarro, mas nunca a verão tragar".
Aborto
Sou favorável ao aborto. Acredito que o nascimento de uma criança não desejada traz conflitos aos pais e ao próprio ser que nasce, acompanhando-o por toda sua vida.
Teatro
Atriz premiada por atuações no teatro (ganhou o Drama Desk Critics, de Los Angeles, em 1977, por "Does a Tiger Wear a Necktie?"), Margaret foi objetiva. "Eu prefiro o palco porque ele oferece mais subsídios para um ator completo. Por isto há tantos atores e atrizes, embora vencendo no cinema, retornar sempre ao teatro. Os palcos são, em termos artísticos, muito mais recompensadores. Mas o cinema também é bom e o melhor é conseguir fazer as duas coisas.
Os negros e "A Cor Púrpura"
Quando da estréia de "A Cor Púrpura" nos Estados Unidos, algumas entidades negras (como a Coalision Against Black Exploration) protestaram contra o filme, fazendo acusações da forma com que Spielberg tratou os personagens. A propósito, Margaret lembra que tais manifestações partiram de apenas alguns grupos tradicionalmente contra tudo - que reclamaram do filme e, depois, também reclamaram (como a National Alliance For Colored People) do mesmo não ter sido premiado. "Em compensação, um poder negro disse em sua congregação que "The Color Purple" é o maior exemplo do amor entre as pessoas. Pessoalmente, sinto, cada vez que saio às ruas, que as pessoas me reconhecem e falam com extraordinária emoção do filme - visto duas, três e até cinco vezes por muitos espectadores.
Feminista
Não sei se sou feminista? Sou uma mulher e tenho que enfrentar a vida - e eu tenho uma filha (Aysha, uma bela adolescente, que a acompanhou a Argentina e Brasil) que trabalha para sobreviver. Trabalho até mais do que 8 horas por dia para ser melhor remunerada. Tanto quanto um homem. Isso é ser feminista?
Sobreviventes
Acho que as mulheres negras, americanas, são muito mais fortes porque ao longo dos anos, dos séculos, tínhamos que ser mais fortes por causa da própria história de nosso povo. As mulheres, especialmente, as negras, sempre foram exploradas - mas justamente elas foram as que resistiram. Em "A Cor Púrpura" as mulheres são muito fortes, porque elas tem que ser. Sim, as mulheres tinham que ser fortes para sobrevier. Aliás, quando você olha a história dos povos que sofreram, o que sobreviveram foram os mais fortes...
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