Os grandes duetos da música instrumental
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de abril de 1986
Uma salutar fase de duos instrumentais: nos palcos de São Paulo tivemos, na semana que passou, encontros do pianista Arthur Moreira Lima com o violonista Rafael "7 Cordas" Rabello (que a Kuarup ou a Dell'Art deve transformar em disco) e o reencontro de Milton Nascimento com o saxofonista Wayne Shorter (de quem a CBS recém-lançou o lp "Atlantis").
Fonograficamente, temos três iluminados discos-recitais de grandes duetos: a pianista Clara Sverner e o saxofonista Paulo Moura - que motivou uma excursão nacional, com patrocínio da CCE (e apresentação em Curitiba, na semana passada); o emotivo lp do flautista João Dias Carrasqueira, 78 anos, com sua neta, a pianista Maria José e o encontro de dois dos melhores violonistas da atualidade - João de Aquino e Maurício Carrilho - estes dois últimos, produções independentes.
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Clara Sverner, concertista de formação internacional, com cursos em Nova Iorque e Genebra, premiada no Concurso Internacional Wilhelm Backaus, vem realizando nos últimos dez anos um intenso trabalho em favor da música brasileira. Em preciosos álbuns, sempre produzidos por seu amigo Maurício Quadrio, tem resgatado obras de autores importantíssimos, mas com a maior parte de sua produção inédita, como Glauco Velasquez (1884-1914), Marcelo Tupinambá (1892-1953), Eduardo Souto (1882-1942), e, especialmente, Chiquinha Gonzaga (1847-1935), de quem revelou um punhado de belíssimas canções, em dois lps importantíssimos. Em sua abertura musical, Clara também tem feito gravações em dueto - seja com o pianista João Carlos Assis Brasil (irmão do jazzista Victor, 1945-1981) - com quem gravou peças de Gershwin e Satie - ou, mais regularmente, com o saxofonista/clarinetista Paulo Moura, 54 anos, um dos mais ecléticos e profundos talentos do Brasil - que vai da música de gafieira ao mais difícil clássico com a mesma facilidade.
Um segundo encontro fonográfico com Paulo Moura, resultou em "Vou Vivendo" (EMI/Odeon, abril/86), seguramente um dos melhores lps instrumentais deste ano. Com extraordinária leveza e inventabilidade sonora - mas sempre respeitoso aos temas clássicos - Clara e Paulo gravaram três temas de Pixinguinha ("Vou Vivendo", "Lamento" e "Ingênuo"), três de Chiquinha Gonzaga ("Atraente", "Amapá" e "Io T'Amo"), três de Radamés Gnatalli ("Samba-Canção", "Devaneio" e "Monotonia") e, finalmente, "Fantasia", de Ronaldo Miranda, ex-crítico de música erudita do "Jornal do Brasil", hoje compositor consagrado, que, como diz Maurício Quadrio, "de sólida técnica compositiva e amplos e coloridíssimos horizontes criativos, numa visão moderna, desinibida e descompromissada da arte contemporânea".
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Um detalhe curioso a observar neste disco magnífico: "Samba-Canção", (faixa 2, lado B) em seus acordes lembra, claramente, o tema de "O Último Tango em Paris" (Last Tango in Paris), composição do argentino Gato Barbieri para o filme de Bernardo Bertolucci (1972). Um detalhe importante: o tema de Radamés é de 1959, quando, inclusive, ele o gravou. Coincidência ou não, no final dos anos 50, Barbieri, vindo de Buenos Aires e atraído pela efervescente Bossa Nova, passou algum tempo no Rio de Janeiro, entusiasmando-se inclusive com a produção de Gnattali. Gnattali não pode nem ter em discussão a autoria deste seu belíssimo "Samba-Canção". Já a influência do mesmo em Barbieri, é outra coisa. Ouçam e confirmem...
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Aos 78 anos, uma longa folha de trabalhos prestados à música brasileira desde que, aos 5 anos, ganhou sua primeira flauta de bambu, só agora João Dias Carrasqueira (Paranapiacaba, SP, 3/3/1908) tem um lp solo. Assim mesmo uma produção independente (Com Anima, caixa postal 500, Itu, SP, CEP 13.300) realizado em bases quase familiares. Em duo com sua neta, a bela pianista Maria José Carrasqueira de Moraes, o velho flautista transmite emoção e ternura neste disco que, por certo, foi acalentado por anos. Chamado de "Canarinho da Lapa", contemporâneo de Pixinguinha, os 8 Batutas, Zequinha de Abreu, tendo trabalhado com Canhoto (Américo Jacobino), Marcelo Tupinambá, convivido com Catulo da Paixão Cearense, Alberto Marinho, Caó (Odemar Amaral Gurgel), sem dúvida que João Dias Carrasqueira é um músico de muitas histórias e vivências. Ao lado de um trabalho desenvolvido entre o popular e o sinfônico (integrante de grupos de câmara e orquestras sinfônicas), sempre desenvolveu um trabalho de professor de flauta, formando inúmeros profissionais.
Entretanto, dentro das injustiças da música, só agora, no limiar dos 80 anos, chega a um disco no qual mostra seu lado de compositor em três momentos ("A Flauta de Apolo", "Bruxa Chorona" e "Pássaros Amarelos"). Para as outras faixas, escolheu autores nacionais, igualmente pouco conhecidos - como Vicente de Lima (1903-1984) em "Sonho de Amor" e Júlio Reis (1870-1933), com "Alvorada das Rosas". Do alemão Wilhelm Pop (1828-1903) temos o "Concert Waltzer" e a "Rapsódia Húngara", enquanto que de Nernest Kohler (Módena, Itália, 1849 - S. Petersburgo, URSS, 1907), Carrasqueira gravou o "Papillon". Enfim, um bonito disco para quem aprecia a arte da flauta.
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Senhores que se emocionam com o violão, eis um momento iluminado: o encontro de dois cobras deste instrumento num lp único, especialíssimo, magnífico. Faltam adjetivos para definir a beleza, equilíbrio e harmonia do lp que João De Aquino e Maurício Carrilho fizeram neste verão, com sessões no estúdio da Odeon, prensagem na Polygram e distribuição independente. Produção modesta (capa em branco e preto, sem ilustrações), contém, entretanto, 13 faixas iluminadas - cinco só de Aquino; três de Maurício e as demais em parcerias. Aquino, primo de Baden-Powell, violonista e compositor que tem marcado sua produção por uma legítima influência afro, está liberto, genial, nesta gravação espontânea, feita com arranjos desenvolvidos em parceria com Maurício, sobrinho do flautista Altamiro Carrilho (amorosa participação em "Folias e Reis") e que herdou toda a musicalidade familiar. Ex-integrante da Camerata Carioca, ótimo aprendizado na produção fonográfica através dos trabalhos desenvolvidos com Hermínio Bello de Carvalho, Maurício é hoje um instrumentista-produtor dos mais seguros. Sabe o equilíbrio de uma faixa, o arranjo certo, a participação exata - e assim, neste disco emotivo e simples, substitui o violão acústico por uma guitarra sintetizadora Roland GR-700 em quatro momentos ("Correndo Pra Galera", "Facho de Luz", "Folias e Reis" e "Meteoro") e ao lado do de João, faz a percussão nos violões em "Elfos" e "Rum com limão".
Amigos foram convocados para discretas, oportunas (e ajustadíssimas) participações especiais. Assim Chiquinho do acordeon está em "Folias e Reis", onde também participa o pianista Túlio Mourão (que retorna em "Meteoro"); o violonista Joaquim Santos, o sax-soprano Marcelo Bernardes também estão nesta faixa, enquanto a bateria de Robertinho Silva engrandece a "Correndo Pra Galera" e "Gemas".
Este encontro de João de Aquino e Maurício Carrilho é daqueles momentos iluminados, sonoros, nos quais a música desliza suavemente, como um rio cristalino. Um disco maravilhoso, que merece toda atenção.
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Olhos postos no futuro, a WEA está descarregando os conjuntos e intérpretes pop desta segunda década no pacotão "A música dos anos 90". E entre outros lançamentos - do mais estridente hard às elocubrações tecnopop - uma surpresa agradável é The Dream Academy, formado por Nick Laird Clowes, Gilbert Daniel e Kate St. John. Formado em Londres há apenas 3 anos, este grupo procura extrair dos recursos eletrônicos a vozes suaves um clima "entre o real e o imaginário, ocupando um espaço que talvez venha de nossa memória ancestral" como diz o release. O requinte do trabalho explica-se: Daniel e Kate tiveram formação clássica e ao longo das faixas sente-se quanto vale uma base séria, forte - ao invés de apenas gritos & espasmos eletrônicos. Um pop inteligente, enfim...
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Buscando o lado terrorífico - mas sem agressividade sanguinária do The Kiss e outros exemplos da violência pop destes últimos anos, o grupo The Damned, formado há 10 anos, pioneiro do movimento punk, também chega no pacote da WEA ("Phantasmagoria"). Em 10 anos, o grupo fez cinco lps, emplacou alguns sucessos e agora, numa nova fase, busca uma linha impressionista, creditada em parte ao vampiresco vocalista, Dave Vanian, apresentado como o que "atrai mais o público feminino".
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