De como desperdiçar milhões e um teatro
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de abril de 1980
O impossível (parece) acontece. Numa tarde, nesta semana, um cidadão, humilde aproximou-se da edificação recoberta de [acrílico], na Praça Rui Barbosa - hoje o amplo, iluminado e "renovado" terminal de transportes urbanos e, respeitosamente, solicitou à funcionária da Fundação Cultural de Curitiba se poderia "utilizar" a unidade. A moça, surpreendida, julgou que o cidadão pretendia conhecer o Teatro de Bolso, reinaugurado há 10 dias, e abriu as portas. O cidadão entrou e voltou alguns minutos depois, agradecendo:
- Muito obrigado! O sanitário é bastante limpo, embora um pouco pequeno.
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De boas intenções o caminho do inferno está repleto. E por certo o prefeito Jaime Lerner, um homem reconhecidamente apreciador da arte e cultura, não deve ter tido tempo de examinar o projeto do Teatro de Bolso, que dentro das imensas proporções da Praça Rui Barbosa tem dimensões liliputeanas. Com apenas 100 lugares, um único camarim - já apelidado de "unissex" o que obriga as atrizes a trocarem de roupas no depósito (também de reduções mínimas), o mais novo "espaço cultural" da cidade, ao qual o nosso alcaíde pretende dar tantas utilizações, é uma autêntica agressão a qualquer manifestação cultural. Com 100 lugares, [planejado] sem observar as mínimas regras de técnica teatral, está condenando a um imerecido fracasso o espetáculo que custou mais de Cr$ 600 mil à Fundação Cultural de Curitiba, para sua inauguração. Ótimas músicas de Paulo Vítola (também autor do texto) e Marinho Gallera, 17 pessoas no palco, sob direção do veterano Maurício Távora, o Teatro de Bolso, reinaugurado há duas semanas, não mereceu dos diretores da Fundação Cultural - presidente e executivo, publicitários premiados, - o menor planejamento promocional, a tal ponto que a atriz Jane Martins, esposa do ator-diretor Maurício Távora - e da equipe que integrou o autêntico e original grupo, liderado por Ary Fontoura, teve que sair, na quarta-feira, a colocar cartazes, nos bares e lojas próximas, para tentar levar algum público ao espetáculo "Curitiba, Nossa Tribo, Salve, Salve!", que, afora a badalada estréia - quando a presença do prefeito Lerner atraiu o eterno bloco de puxa-sacos culturais, vem tendo mínima [freqüência]. Já houve noites em que menos de 20 pessoas apareceram no teatro, simplesmente porque não houve, até agora, a menor preocupação em promover o novo "espaço cultural", dar indicações ao público - a tal ponto que, como comprovadamente, já por 3 vezes - e está aí atriz Jane Martins para confirmar - pessoas humildes procuraram aquele lugar, julgando que fosse apenas um mitório público.
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Não nos cansamos de, declaradamente, nesta coluna e mesmo pessoalmente ao prefeito Lerner, colocar a posição das mais lúcidas lideranças da classe teatral, do erro que representava o desperdício de milhões de cruzeiros na construção de um teatro de proporções tão reduzidas como a que foi "reconstruído" na Praça Rui Barbosa. Mas a falta de uma assessoria corajosa a esclarecer o prefeito, faz com que erros crassos sejam cometidos, e os fatos estão a confirmar: público reduzido, nenhuma repercussão do espetáculo (de bom nível) que uma equipe de talento ali apresentará até o final do mês, e, o mais irônico de tudo, é que nunca um chefe do Executivo municipal teve tantos publicitários e "técnicos" de comunicação a assessorá-lo.
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Para registro das coluna sociais: na noite de quarta-feira, entre os poucos espectadores do Teatro de Bolso, estava o advogado Leopoldo Heitor, nome dos mais conhecidos da crônica policial brasileira. Foi atraído ao novo teatro para rever uma amiga de muitos anos: a atriz Cidinha Alves.
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