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Aramis

Nery conta o parto de seu folclore político

Em cartaz há 13 dias no Teatro da Lagoa, no Rio de Janeiro, a peça "Brasil: da Censura à Abertura", estréia de Sebastião Nery como dramaturgo - com ajuda, naturalmente, do diretor Jô Soares e co-dialoguista Armando Costa, está tendo um grande público. Tanto é que, a curto prazo, não haverá possibilidades da produção - estrelada por Marco Nanini, Marilia Pera e Silvia Bandeira - viajar, como desejaria Nery. No texto do programa ("A Garganta das Pedras") o autor conta como nasceu a idéia de seu "Folclore Político", que já foi reunido em 3 volumes, e terá um quarto, com lançamento previsto para breve pela Record, enquanto por uma editora pernambucana sairá sua coletânea de entrevistas, mutilada pela censura anteriormente, agora na íntegra: "Pais e Padastros da Pátria". Pela Codecri, Nery tem "Quem Tem Voto no Brasil", que há muito já deveria estar nas bancas. Mas vamos ver o que Nery conta como surgiu o seu hoje nacionalmente famoso folclore político: "o censor de Politika (o semanário que Oliveira Bastos, Philomena Gebran e eu fundamos em 1970 para enfrentar o AI-5) arregalou os olhos energúmenos, pegou a caneta-grossa e fez histéricas cruzes sobre meu texto: - Brizola e Dom Hélder nem a morte da mães? O censor da Tribuna da Imprensa (a barricada de Hélio Fernandes contra a ditadura) leu minha coluna sobre Juscelino, coçou o cabo do revólver enorme em cima da mesa da redação, pegou a caneta grossa, riscou o título, a primeira linha, a segunda, a terceira, desceu a caneta até o pé da lauda e das outras laudas: - Não adianta insistir! Nome de cassados não sai! Muito menos elogio a cassado! Era preciso buscar uma nova linguagem para ocorrer o sinistro edifício de burrice e violência que era o governo Médici. Sentei à máquina, escrevi "Alkimiadas - 7 Histórias de um Gênio da Raça". A primeira era José Maria Alkimin, advogado, tentando consolar o cliente condenado a 30 anos. - "Calma, meu filho, não é bem assim. Nada é como a gente pensa logo. Primeiro, não são 30, são 15, se você se comportar bem. Depois, são dias e noites. Quando se dorme, tanto faz estar solto como preso. Logo, são 7 e meio. E, por último, você não vai cumprir de uma só vez. É dia a dia, dia a dia. Suavemente". Passou tudo, sem um corte. O censor, estúpido, não sabia que o tempo da ditadura é como o tempo do cárcere. Um dia chegam ao fim. Era o caminho. Fui contando histórias, ironizando, satirizando o poder. Quando as reuni na série "Folclore Político", tentei explicar: - O homem é a palavra. O mais é circunstância. A história é a palavra. O resto é conseqüência. Por isso a história do homem é a história de sua palavra. É a crônica de sua linguagem. É o cotidiano do possível dizer. Na Grécia livre de Péricles, o discurso era a palavra. Na Judéia oprimida de Cristo, o discurso era a parábola. Na Idade Média torturada de Galileu, o discurso era o silêncio. O que é a Bíblia senão a fábula do povo judeu tiranizado sob os salgueiros da Babilônia? O que foi a tragédia grega senão a metáfora da liberdade? E as fábulas do escravo Esopo o cordeiro respondendo ao IPM do lobo? E Bernard Shaw roendo a empáfia do império britânico? E Stanislaw Ponte Preta, Max Nunes, Haroldo Barbosa, Millor Fernandes, Ziraldo, Henfil, Jaguar, Chico Anísio, Jô Soares, Agildo, Eduardo Novaes, Ivan Lessa, Claudius, Hilde, Fortuna, Lan, Veríssimo, Chico, Favi, Nani, Redi, essa infinidade de editorialistas políticos desses turvos tempos? O humor não é um descompromisso. É a garganta das pedras. Menino de fazenda, cedo aprendi que, quando a estrada não dá rumo, toma-se o atalho. É o jeito de dizer o tornado indizível. O humor é uma linguagem absolutamente séria, necessária, eterna. Desde o começo dos tempos, sempre foi mais proibido proibi-lo. O folclore é o humor da história. A versão popular da história. Monteiro Lobato definiu preciso: "Folclore são as coisas que o povo sabe por boca, de um contar para o outro". Isso aí. As histórias do folclore vão mudando na boca do povo como as nuvens na boca do vento. E porque são vento e nuvem, sopram as janelas do amanhã".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
6
12/04/1980

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