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Aramis

Descolorida usina de sonhos

"O Último Magnata" (Cine Condor, 5 sessões diárias) é, antes de mais nada, um filme para quem ama o cinema. Um filme sobre o cinema para quem o curte - em seus mitos, sonhos & ilusões. Mas, paradoxalmente, muito provavelmente, em termos de bilheteria, não alcançará a renda mínima exigida pela impessoal CIC para justificar uma segunda semana de exibição. Um filme como "The Last Tycoon" oferece amplas facetas para registro - necessários para melhor compreensão pois quanto mais o espectador estivar informado sobre Hollywood, sua economia, política e mesmo fofocas - em especial as tumultuadas relações do romancista Francis Scott (Key) Fitzgerald (1896-1940) com os produtores da Usina de Sonhos - mais compreenderá este filme que marca o reaparecimento do diretor Elia Kazan, ausente há 5 anos, quando dirigiu o corajoso e quase amadorístico ( preto e branco, negativos em 16mm) "Os Visitantes", já um clássico nos ensaios cinematográficos sobre as conseqüências da guerra do Vietnã. F. Scott Fitzgerald - ao lado de Ernst Hemingway e Henry Miller, um dos nomes mais conhecidos da literatura americana - passou os últimos anos de sua vida em Hollywood, desperdiçando o seu talento como roteirista, incompreendido pelos chefões dos estúdios, numa época em que Tycoons como Samuel Goldwyn (1884-1974), na MGM e David O. Selznick (1902-1965), na Fox, eram os senhores absolutos dos estúdios, mantendo roteiristas, diretores, técnicos e artistas sob rígido controle - fazendo-os obedecerem sem discussão as mais estranhas ordens. Esse ambiente de uma Hollywood industrial e impessoal, sem o glamour das revistas "movie-fans", é que Fitzgerald, com sensibilidade mas também fúria, queria denunciar nas páginas de "The Last Tycoon" - do qual havia escrito apenas seis capítulos ao morrer, aos 44 anos, na tarde de 21 de dezembro de 1940. Não é preciso ser um devorador de livros sobre o cinema para identificar no personagem Monroe Stahar (Robert DeNiro) o jovem produtor Irving Thalberg (1899-1936), que durante 10 anos foi o vice-presidente executivo da MGM, braço direito de Louis B. Mayer (1885-1957). Thalberg, que acabou se suicidando, foi responsável por grandes sucessos (açucarados) do estúdio do Leão, alguns estrelados por uma de suas mulheres, Norma Shearer - personagem que em "O Último Magnata" é citada como Meire Davis e colocada como se tivesse morrido no auge de sua carreira (na verdade, Norma Shearer após desquitar-se de Thalberg, fez poucos filmes, mas em 1962 reapareceu numa série para a televisão). "The Last Tycoon", o romance inacabado foi editado no Brasil, publicado inicialmente pela civilização Brasileira e, posteriormente, pela Record. Quando Sam Spiegel, 75 anos, um dos mais eficientes produtores da velha escola americana ("Uma Aventura na África", 1952; "Sindicato de Ladrões", 1954; "A Ponte do Rio Kway", 1957; "De Repente, No Último Verão", 1959; "Lawrence da Arábia", 1963; "Caçada Humana", 1965 e "O Enigma de Uma Vida", 1966) decidiu, há quase 5 anos, levar ao cinema, o inacabado romance de Fitzgerald, convidou um dos mais importantes dramaturgos e roteiristas ingleses, Harold Pinter, para preparar o script. Autor de peças ("Volta ao Lar", "Juventude em Revolta") e roteirista de notáveis filmes da chamada geração "angry young men", Pinter é, como Kazan (que aceitou dirigir "O Último Magnata" quase como umas férias, porque escrevia um romance, cansado com obstáculos que não conseguia ultrapassar e filmar, para mim, é mais suave que escrever") - um intelectual e criador inquieto e que gosta de propor ao espectador temas para pensar, refletir e discutir. Graças a essa soma - os seis capítulos iniciais de Fitzgerald, a competência de Pinter e a sensibilidade de Kazan - resultaria em "O Último Magnata" talvez a melhor fita inspirada na obra do autor de "Belos e Malditos". Afinal, já é grande a lista de filmes extraídos de textos de Fitsgerald - dos quais os mais conhecidos são "A Última Vez Que Vi Paris" (54, de Richard Brooks), "Suave é a Noite" (61, de Henry King) e "O Grande Gatsby" (que já teve 3 versões, a última das quais foi a frustrada superprodução dirigida pelo inglês Jack Clayton). O próprio Fitzgerald - em seus alcoólicos anos finais, quando trabalhou como roteirista em Hollywood, foi biografado no decepcionante "O Ídolo de Cristal" (Beleved Infidel, 1959, de Henry King) - interpretado por Gregory Peck e com Deborah Kerr vivendo a colunista Sheilah Graham, com o qual teve seu derradeiro romance. Toda essa vivência cinematográfica - em que realidade e ilusão se confundem em imagens coloridas - poderia resultar em "apenas" mais um filme sobre Hollywood - temática já extensa e que ainda recentemente mereceu um levantamento de 480 páginas (U$ 30 dólares, a venda em livrarias americanas e européias). Entretanto, um cineasta como Elia Kazan, 69 anos, 34 de cinema, cuja filmografia inclui obras como "Viva Zapata", "Sindicato de Ladrões", "Vidas Amargas", "Um Rosto na Multidão" e "América, América" não poderia restringir-se a fazer um filme de amor/contemplação/deslumbramento. E, assim, para quem souber ver em "The Last Tycoon" algo de mais profundo, este filme tem muito a oferecer. Obra de reflexão e com muito de biográfico do próprio Kazan, acusado de ter delatado seus colegas durante a perseguição maccartista na década de 50 - o que confere aos diálogos no filme entre Monroe e o líder sindical comunista Brimmer (Jack Nicholson), do sindicato dos roteiristas, um grande significado político. Romanticamente, a longa seqüência em que Monroe busca conquistar Kathleen Moore (Ingrid Boutling) se insere quase como um digno "love story" dentro do filme. E, se como observou José Carlos Avellar, do "Jornal do Brasil", uma das características de "The Last Tycoon" são os diálogos sussurrados, mansos, a ausência de música de longas seqüências, os espaços solitários - a cabina de projeção, uma praça vazia, o esqueleto de uma casa em construção - na história de amor Monroe-Kathleen, emoldura-se outro clima - romântico sem ser piegas, emocionantemente belo. A Hollywood, que hoje é apenas nostalgia de uma época (e cuja visão real destrói os sonhos de quem cresceu emocionando-se com o cinema) aparece sem glamour em "O Último Magnata". Talvez sem a violência crítica com que Robert Aldrich/Clifford Oddts a viram, em 1954, em "A Grande Chantagem" (The Big Knife) ou sem o simbolismo do extraordinário "O Dia do Gafanhoto" (The Day of Locust), que o inglês John Schelessinger realizou há 3 anos, do romance de Nathaniel West (1906-1940). Mas de uma forma adulta, sem chantilly ou lantejoulas, "The Last Tycoon", em sua mistura de realidade & fantasia, sonho & pesadelo - é um filme ao qual ninguém que ama o cinema deve deixar de assistir.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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05/02/1978

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