Discos - Os músicos rurais e seu consumo urbano
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 28 de junho de 1974
"Fungado na Barra" é um exemplo de música para ser analisado sociologicamente: acordeon gritante, ritmo nordestino, interpretação sertaneja de Ari Soares falando em Copacabana, chopinho e Barra da Tijuca. O Nordeste na Zona Sul, a sociedade rural no consumo da grande metrópole. E este enfoque musical é a presença nas músicas incluídas por um tal de Marumby, com diferentes intérpretes em "Fungado no Forró" (Premier, RGE/FERMATA, 307.3196, abril/74), tipo da produção destinada ao público que aprecia a música nordestina, em toda sua simplicidade sertaneja e que vive na sociedade urbana. Por exemplo, Meirinho abre o disco cantando um humorístico tema, com a comunicabilidade esportiva que já motivou a Paulinho Nogueira uma das mais bonitas músicas do ano passado ("Meus Vinte Anos"); "Enterraram Cabeça de Burro no Campo do Corintians" (Candango do Ipê). A segunda faixa, "Baila da Tartaruga" (Zé Gonzaga) tem como solista de acordeon um artista que adotou o incrível pseudônimo de "Enxuga o Rato". Na faixa seguinte a gente se depara com um certo Mário, "do Conjunto The Laacktas"(?). Enoque Gomes dá uma interpretação em seguida ao sucesso de Hélio Matheus/Luiz Vagner, "Camisa 10". E prova de que a sofisticação bilionária da mais requintada praia paulista já chegou ao consumo suburbano, "Guarujá" inspirou uma música a Candango do Ipê, que é também o seu intérprete. Encerrando o face A do disco, o acordeonista Dominguinhos - que graças a Gal Costa e a Gilberto Gil ("Eu Só Quero Um Xodó") passou a ser consumido pelo público universitário, tem uma de suas músicas - "Na Casa da Dona Anita" - interpretada por um conjunto chamado "Águias do Baião". Neste LP de Carimbó, Xaxado e Frevos - realizado sem critério em termos de cultura popular do Nordeste, afora a alienígena (para o gênero que o disco se propõe) "Camisa 10", apenas duas faixas conhecidas: "Eu Só Quero Um Xodó", de Dominguinhos/Anastácia e o clássico de Dorival Caymmi, "Peguei um Ita no Norte".
Na mesma faixa de público, temos duas outras produções: "Quebra Pote" (volume 2) e "Ari Lobo", ambas edições da Som/Copacabana. No segundo volume da série "Quebra Pote", produzido por Oséas Lopes, foram reunidos o Trio Mossoró, o Trio Nordestino, Genival Santos, Bastinho Calixto, Antônio Barros, Zé do X e Anjos do Sol.
Com uma popularidade que justificou já várias edições como solista, Ari Lobo, que em "Quebra Pote" defende as faixas "Meu Santo Antônio" e "Estou Gamado" (esta de Luiz Moreno), aparece com um novo LP (Som/SOLP40482). Aliás, a oportunidade das festas juninas talvez faça com que estes LPs obtenham alguma divulgação fora do eixo dos programas sertanejos em rádios de audiência junto aos públicos classe "C" e "D". Uma sugestão aos programadores: "São João Iluminado" (Dominguinhos/Anastácia) com Trio Nordestino.
Com uma voz forte, equilibrada - lembrando um pouco Luiz Gonzaga de alguns anos, Ari Lobo traz uma seleção curiosa neste seu novo longa duração, incluindo um "S.O.S. ao I.N.P.S." (Chico Xavier/Nem), cuja idéia-título lembra-nos "O Samba da Sigla", que um conhecido arquiteto da cidade - hoje num dos mais altos cargos executivos - criou há 3 anos, num momento de bem humorada inspiração. Sem preconceitos - e com ouvidos abertos à cultura das camadas mais populares - até que se pode ouvir as canções satíricas de Ari Lobo.
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