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Aramis

Duas boas estréias e mais ótimas reprises

A concorrência entre os exibidores privados e a Fundação Cultural de Curitiba, que se tornou uma grande exibidora com três salas comerciais (e mais uma quarta, a ser inaugurada em breve no Portão) traz ao menos um benefício. Bloqueada em conseguir grandes estréias, a FCC terá que fazer reprises e, o bom gosto do Chico Alves faz com que filmes importantes retornem. Só espera-se que os mesmos, quando obterem boas bilheterias, permaneçam em cartaz - e não fiquem magros 7 dias. Por exemplo, "Quarteto Basileus", de Fabio Carpi, mereceria mais uma semana no Luz, mas sua carreira foi cortada ontem, para a reprise de "A Marvada Carne", de André Klotzel - por sinal, o filme que inaugurou aquela sala, há mais de um ano, numa única sessão. A semana tem quatro ótimas reprises - "Possessão", "Era uma vez na América", "A Marvada Carne" e "Gandhi" - para apenas duas estréias ambas auspiciosas: "Berlin Affair", de Liliana Cavani e "A morte pede carona", de Robert Harmon, que aliás, já deveria ter sido lançada na semana passada. Oito filmes de boa bilheteria continuam em exibição: "Labirinto", de Jim Benson (Astor), "A hora do pesadelo", de Wes Craven (Itália), "Os amantes de Maria", de Andrei Konchalovski (Cinema I), "Aliens - o resgate", de James Cameron (Plaza), "Um caipira em Bariloche", de Pio Zamoner (São João), "As peripécias de um ratinho detetive" (Lido II, a tarde), "Um vagabundo na alta roda", de Paul Mazurski (Lido II, a noite) e "Poltergeist II", de Brian Gibson (Condor). UM AFFAIR BERLINENSE - Berlim, a capital do III Reich, é cenário de dois interessantes filmes. "Possessão" (Possession), realização do polonês Andrzej Zulawski (como Polanski, também emigrado de seu país) e que, mistura sexo, infelicidades conjugais e, sobretudo, um terror apavorante - com um "E.T." gosmento e assustador que faz amor com a bela Isabelle Adjani - foi rodado em Berlim, incluindo no elenco vários intérpretes alemães. Filme complexo, de difícil entendimento, "Possessão" foi lançado há 3 anos pela Gaumont e agora, em reprise, no Groff (onde já havia sido exibido) talvez possa ser melhor entendido. Já na Berlim de 1938, de antes do início da guerra, a italiana Liliana Cavani, 50 anos, ambientou seu "Berlin Affair", produção de 1985, financiada pela Cannon Group. Lançada internacionalmente ao mesmo tempo que outra cineasta italiana, Lina Wertmuller, apresentava seu "Camorra" (visto na semana passada, também no Palace Itália), estes dois filmes foram adquiridos por Alex Adamiu, da Paris Filmes. Se "Camorra", com sua densidade e coragem em denunciar o tráfego de drogas na cidade de Nápoles não conquistou o público, é possível que "Berlin Affair" faça boa carreira, independente dos méritos de Liliana, pelo tema: o lesbianismo e um ménage-à-trois. Famosa por "O porteiro da noite" (1974, com Dirk Bogard e Charlotte Rampling), também um filme extremamente erótico e com conotações críticas ao nazismo, Liliana Cavani divide com Lina Wertmuller o podium das mais interessantes diretoras italianas. Com aprendizado na televisão, a partir de 1962, fez filmes marcantes - embora inéditos no Brasil - de fundo histórico ("Galeleo", 1968), adaptou "A pele" de Kurzio Malaparte ao cinema (La Pelle, 1981), e sempre buscou temas polêmicos. Formada em Literatura Contemporânea e Japonesa pela Universidade de Bolonha, Liliana interessou-se pela obra de Junichiro Tanizaki, autor de "A cruz budista", que inspirou este "Berlin Affair". A propósito deste autor - totalmente ignorado no Brasil - Liliana diz: - "Eu era (e ainda sou) fascinada pela sua intensidade e economia, pela sua capacidade de nos trazer, como espectadores quase sufocados, para dentro do significado de detalhes aparentemente irrelevantes". A história de "A cruz budista" é adulta, polêmica e escandalosa: a paixão de Louise (Gudrun Londgrebe, a bela atriz que Robert Van Ackeren lançou em "Uma mulher em fogo" e que logo poderá ser vista em "Coronel Redl", 85, de Istvan Szabo), mulher do ambicioso diplomata de carreira Heinz Von Hollendorf (Kevin McNally, ator inglês, visto numa ponta em "007 - O espião que me amava", 77), por uma belíssima japonesa, Mitsuko Matsugae (Mio Takaki, atriz e cantora japonesa, em seu primeiro filme no Ocidente). A trama evolui para um ménage-à-trois com seqüências das mais insinuantes, mas dentro de um cenário político - com o nazismo em ascensão. Dois veteranos atores - o italiano Massimo Girotti e o francês Philippe Leroy - também estão no elenco deste filme realizado com sofisticação e requintes, ao ponto de Liliana ter ido buscar no Japão um expert em quimonos, o cenógrafo e figurinista Jusaburo Tsujimura, somente para fiscalizar o visual de tudo o que se referisse ao personagem de Mitsuko. Apaixonada pelo romance de Tanizaki, dentro de uma visão crítica das relações sexuais e humanas de personagens em anos de crise, Liliana Cavani fez de "Berlin Affair" um filme de intenções sérias - longe de qualquer apelação pornográfica (apesar do erotismo latente de muitas seqüências). Ela explica: - "O que sempre me interessou nas pessoas é o que acontece quando elas escolhem viver por algo além delas próprias, por algo que elas julgam maior do que suas existências. Os críticos chamam a isso obsessão. Prefiro pensar no assunto como um interesse apaixonado no transcendental e, assim, relacionado com a espiritualidade e com a religião." OS RISCOS DA CARONA - Longinquamente, pode-se até ver no argumento de "A morte pede carona" (Lido I), alguns elementos de "Encurralado" (Duel, 1971, o primeiro filme de Spielberg). Mas o roteiro de Eric Reder é original e o jovem diretor Robert Harmon conseguiu fazer de "The Hitcher" um filme tão vigoroso que entrou em várias listas dos melhores do ano. Basicamente, a história de um jovem, Jim Halsey (E. Thomas Howell), que dirigindo seu carro numa rodovia deserta do Texas, dá carona a um homem, John Ryder (Rutger Hauer, o ator holandês que foi o replicante de "Blade Runner"), que logo lhe mostra uma faca e tenta matá-lo. Halsey consegue jogá-lo fora do carro e fugir. Mas Ryder passa a persegui-lo, num clima de terror e suspense que sobe de voltagem a cada seqüência. O filme chega até a ter um clima de western, no qual Halsey sente-se sozinho e desamparado. Os dois atores são conhecidos: Thomas Howell foi ator de destaque em "E.T.", e o holandês Hauer, entre outros filmes, apareceu em "Lady Hawke - o feitiço de Áquila". Uma nova atriz, Jennifer Jason Leight (vista em "Picardias Estudantis") está também no elenco, no qual figura ainda Jeffrey DeMunn como o capitão Eszterhas, John Jackson como o sargento Starr e Billy Grensbuch como Donner. A música é de Mark Isham, um novo compositor - que pode surpreender. Fotografia de John Seale. Um filme de verificação obrigatória. REPRISES EXCELENTES - Como último programa do cine Vitória, que cerra definitivamente suas portas no dia 28, quarta-feira - adquirido que foi pela Paranatur para se transformar num Centro de Convenções - está em exibição "Gandhi". Superprodução premiada com oito Oscars em 1982 - melhor filme, ator (Ben Kingsley), direção, roteiro original (John Briley), fotografia (Billy Williams), edição/montagem (John Bloom), direção de arte (Ram Yedeker/Norman Dorme) e guarda-roupa (John Mollo), este filme do inglês Richard Attenborough é o exemplo de programa para todas as estações e idades. A vida de Mahatma Gandhi, o grande líder de milhões de indianos que, sem violência, conseguiu expulsar os ingleses de seu país, é um exemplo para a humanidade. O ator Ben Kingsley tem uma interpretação antológica como Gandhi, num elenco all-star - Candice Bergen, como a jornalista Margaret Bourke-White, Edward Fox como o general Dyer, John Gielgud (já falecido) como Lord Irvin, Trevor Howard como o juiz Bloomfield, John Mills como vice-rei inglês, Martin Sheek como Walker. Uma bela trilha sonora de Ravi Shankar (com música adicional de George Fenton) - na época do lançamento do filme - 83), aqui editado pela RCA, se integra ao clima digamos espiritual deste filme de revisão obrigatória. Não só pela beleza e dimensão de "Gandhi", mas também como uma despedida do cine Vitória, que, por 24 anos, foi a sala em que aconteceram tantos e grandes lançamentos cinematográficos. Reprisado já várias vezes, "Era uma vez na América" (Once upon a time in America) é outra superprodução merecedora de revisão. Fazendo um grande painel americano, com uma história magnífica, grande elenco (Robert De Niro, James Woods, Elizabeth McGovern, Treat Williams, Tuesday Weld) e uma antológica trilha sonora de Ennio Morricone, Sergio Leone mostrou todo seu vigor de realizador. A longa-metragem do filme (quase 4 horas) não chega a ser cansativa tal o envolvimento da trama e dos personagens. Uma revisão também obrigatória. Duas reprises que se aproximam: hoje, Mazzaropi 5 anos após a sua morte, começa a ser reavaliado em sua forma simples e brasileira de comunicação. E o público de "Um caipira em Bariloche", a produção mais sofisticada que realizou, rodada na Argentina, prova o seu carisma. Curiosamente, o jovem paulista André Klotzel, mergulhou no universo caipira-paulista e usando inclusive a atriz favorita do velho Mazzaropi - a marcante Geni Prado - fez de "A Marvada Carne" (em reprise no Luz) um filme de grande apelo popular - e premiado com 13 troféus em Gramado, há dois anos. Falando em comédia, amanhã à meia-noite e domingo, às 10h30 min, o Groff exibe "O rei da comédia", de Martin Scorcese, com Jerry Lewis, numa interpretação séria. Não deixa de ser um aperitivo para o aguardado "Depois de horas", do mesmo Scorcese, que, em breve, deve ter lançamento na cidade. No Luz, domingo, em matinada, um filme sem maiores referências: "A estrela de ouro". No Plaza, nas sessões Zig-Zag, novas apresentações, no sábado e domingo (10, 11 e 12 horas) de "As novas aventuras da turma da Mônica". Dentro de algumas semanas, um novo programa de Maurício de Souza entrará em exibição nestes horários alternativos. LEGENDA FOTO 1 - Gudrun Londgrebe (Landgreebe) e Mio Takaki em cenas das mais excitantes em "Berlin Affair", de Liliana Cavani - estréia no Palace Itália. LEGENDA FOTO 2 - Nastassja Kinski e Vicente Spano em "Os Amantes de Maria", agora em exibição no Cinema I.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
10
23/01/1987

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