Nenhuma estréia mas voltam muitos filmes de qualidade
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de outubro de 1987
Início de ano, programação cinematográfica tranqüila. Permanecem em cartaz os lançamentos de maior apelo popular feitos no Natal e voltam muitas reprises. Partindo do raciocínio de que todos estão em férias, os exibidores não se arriscam com grandes novidades, preferindo programas de censura livre. Só que desenhos e filmes ingênuos não funcionam nos horários da noite e assim temos programações duplas.
O Lido II, por exemplo (que está uma sauna, devido à falta de ar condicionado) exibe nas sessões da tarde o desenho de longa-metragem "As Peripécias de um Ratinho Detetive" e, à noite, reprisa - sempre com bom público - "De Volta para o Futuro", de Robert Zemeckis - que esteve entre os preferidos do público em 1986 e ganhou várias indicações nas listagens dos melhores do ano.
Também no São João, o mesmo esquema foi adotado pelo jovial e simpático executivo da Fama Filmes, João Aracheski: às 14, 16 e 18 horas reprisa "O Cangaceiro Trapalhão", com a turma de Renato Aragão e, à noite, continua em cartaz o aterrorizante "A volta dos mortos-vivos", um filme de terror na linha brega.
MORREM OS CINEMAS - Como os cinemas estão desaparecendo - vide nosso comentário na coluna "Tablóide", sobre o fechamento do Vitória no próximo dia 29 e a brutal atitude da Fundação Cultural de Curitiba em exigir de volta o cine Rui Barbosa, diminuem as opções de lançamento. O Vitória vive seus últimos dias, pois no dia 29 de janeiro cerra definitivamente as portas. "Short Circuit - o incrível robô", de John Badham, que ali estava em exibição, passou para o Cinema I, enquanto retornou na sala "Inimigo meu", de Wolfgang Petersen.
"Short Circuit", do mesmo diretor de "Jogos de guerra" - com uma história que lembra "Herbie" e "E.T.", deveria fazer melhor carreira. O tema é fascinante, Badham é competente e o elenco é de jovens e simpáticos intérpretes da nova geração: Ally Sheedy, Steve Futtenberg, Fischer Stevens e Austin Pendleton. Entretanto não rendeu o suficiente para permanecer no Vitória, transferindo-se assim para o cinema da Rua Saldanha Marinho.
"Inimigo meu" (Enemy mine), uma superprodução de Stephen Friedman, veio credenciado pela competência de Wolfgang Petersen, o cineasta alemão revelado (ao menos no Brasil) por "Das Boot", que há 4 anos lhe valeu indicações ao Oscar de melhor diretor e roteiro adaptado. Posteriormente, Petersen dirigiu outro grande sucesso - "A história sem fim", o mais belo filme destinado à infância nestes últimos anos.
De um romance de Barry Longycar, realizou em 1985 o profundo "Inimigo meu", que mais do que uma ficção científica, é uma obra em que emoções elementares - como o amor e ódio, fraternidade e honra - vêm à tona quando dois pilotos espaciais inimigos se encontram num distante sistema solar. Davidge (Dennis Quaid Jr.), um terráqueo embrutecido pelas batalhas e Jeriba Shigan (Lois Gosset, Jr.), um Drac do planeta Dracon - na verdade um ser complexo, de aspecto físico estranho aos olhos humanos e orgulhoso herdeiro de uma cultura ancestral, são inimigos que estão em guerra quando suas naves caem num planeta hostil, Fyrine IV, o qual é constantemente bombardeado por chuvas de meteoros e habitado por seres extremamente carnívoros. Desenvolve-se entre os dois sobreviventes uma relação estranha com uma profunda lição de humanismo. Um belo filme, com excelentes efeitos especiais, produção esmerada e bela trilha sonora de Maurice Jarre.
BOAS REPRISES - Francisco Alves dos Santos foi previdente. Sentindo que "A história oficial", de Luiz Penzo, estaria entre os dez melhores filmes do ano não teve dúvidas: conseguiu junto à Paris Filmes a reserva desta obra-prima do cinema argentino contemporâneo para reprisá-lo na segunda semana de janeiro e, desde ontem, o político filme está sendo apresentado no Groff. embora esteja também à disposição em vídeo, a emoção de rever "A história oficial" na tela ampla é muito maior.
Premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro-1986, "A história oficial" situa-se ao lado do aguardado "Tangos - o exílio de Gardel", de Fernando Solanas (que o João Aracheski promete trazer em breve para o novo Bristol) entre as melhores realizações do renascido cinema argentino.
"A história oficial" é documento de um passado recente da Argentina: a época da ditadura militar, dos "desaparecidos", da violação dos direitos humanos. Luiz Puenzo retrata, sutilmente, esta época - um pesadelo que o Brasil também conheceu e que ainda aflige ao menos dois países da América do Sul - Bolívia e Paraguai. Isto faz com que a empatia deste filme seja intensa e o tem feito receber dezenas de prêmios em vários festivais, inclusive o Oscar. Norma Aleandro, que já era uma consagrada atriz argentina antes de seu exílio, de volta à Argentina em 1982, é a atriz principal de "A história oficial". Ao seu lado, outro ator notável - Hector Alterior, que, também exilado por alguns anos, na Europa atuou em dois filmes marcantes - "Cria Cuervos", de Carlos Saura e "Quarteto Basileus", que esteve entre os melhores de 1984. No elenco também Chunchuna Villafane, Hugo Arana, Patricio Contreras e Guillermo Battaglia. Fotografia de Felix Monti e música de Atilio Stampono com canções de Maria Elena Walsh - extraordinária cantora e compositora argentina, imerecidamente esquecida no Brasil.
"A história oficial" é, sem favor, o melhor programa desta temporada. Merece ser visto e revisto quantas vezes for possível.
Outra excelente reprise é de "Crimes de Paixão" (Crimes of Passion), do inglês Ken Russell. Dando a Anthony Perkins oportunidade de ter o seu melhor papel desde "Psicose" (o original, 1960, de Alfred Hitchcock), este drama dark, com cenas pesadas, é um profundo estudo psicológico que merece atenção. Kathleen Turner, uma das novas sensações do cinema, mostra que não é apenas uma sensual atriz e tem interpretação das mais fortes e, no elenco central, John Laughlin também se destaca. Uma fotografia marcante. Reprise no Ritz (onde o filme foi lançado, meses atrás ali permanecendo quatro semanas em cartaz).
Outra reprise marcante: "Gandhi", de Richard Attenborough. Superprodução sobre a vida do líder pacifista da Índia, com Ben Kingsley no personagem-título, mereceu muitas indicações e várias premiações ao Oscar. Um grande elenco - no qual se destacam Candice Bergen, Edward Fox, John Gielgud, (já falecido) e Trevor Howard - recursos extremos de produção, fotografia caprichada, ótima trilha sonora (editada no Brasil pela RCA), fazem desta reprise um programa recomendável. Devido a ser um longa-metragem, obedece a horários especiais: 13h30min, 17 e 20h30min.
OUTROS PROGRAMAS - Mesmo sem conseguir o público que esperava - repetindo-se aqui o que aconteceu nos Estados Unidos - "Howard, o super-herói" permanece em exibição no Condor. Apesar da experiência do produtor George Lucas, esta comédia com toques de ficção-científica é decepcionante. Por sua ingenuidade não satisfaz nem o público adolescente e irrita os adultos. Há alguns diálogos interessantes mas o roteiro é convencional - e não soube aproveitar a malícia dos personagens em quadrinhos de Steve Gerber, bastante populares nos Estados Unidos mas desconhecidos no Brasil. No elenco também não há destaques e é difícil entender por que foram necessários sete diferentes intérpretes para o personagem-título. Só se a fantasia do pato foi asfixiante demais. Enfim, este pato Howard não deixará saudades para ninguém...
Em compensação, no Lido I, está em exibição uma comédia das mais criativas e imaginosas: "Um vagabundo na alta roda" (Down and out in Beverly Hills). Fazendo rir o competente Paul Mazursky tem sabido criticar o american way of life ("Bob & Carol & Ted & Alice", "Greenwich Village: Next Stop/Próxima parada: bairro boêmio", "A tempestade", etc.) e agora, refilmando uma peça de René Fauchois ("Boudou sauvé des eaux"), que já havia sido levado à tela por Jean Renoir, Mazursky cria uma espécie de "Teorema" com a sofisticação de Beverly Hills. É uma comédia deliciosa mas daquelas que faz o espectador refletir. Um bom elenco - Bette Midler (excelente comediante), Richard Dreyfuss, Nick Nolte, o veterano Little Richards, Tracy Nelson e o próprio Mazursky numa ponta - e mais a inspirada trilha sonora de Andy Summers, ambientes requintados fazem deste programa merecedor de atenção. Espera-se, apenas, que continue em cartaz por mais uma semana.
Também permanece em cartaz "Labirinto - a magia do tempo", e "Aliens - o resgate". "Labirinth", de Jim Henson - o mesmo realizador de Os Muppets e "O cristal mágico" - tem uma grande atração para os adolescentes: o cantor-ator David Bowie. Ao seu lado, uma ninfeta que está despedaçando corações infanto-juvenis: a suave Jennifer Conelly. A trilha sonora do próprio David já foi editada pela EMI-Odeon. Bowie, aliás, interpreta cinco canções originais. A fotografia (de Alex Thompson) é esmerada, muitos efeitos especiais e uma história que possibilita dupla leitura: mais do que as aventuras e perigos que uma garota, Sarah (Jennifer Connely) enfrenta para resgatar seu irmãozinho, que havia sido seqüestrado por duendes e seu poderoso líder, Jareth (David Bowie), o filme capta os sonhos e os sentimentos de uma menina prestes a atingir a feminilidade e a autoconsciência.
"Aliens - o resgate", seqüência de James Cameron ao cult-movie que Ridley Scott realizou em 1979, também tem elementos de atração - a começar pela bela Sigourney Weaver, atriz que admiramos desde aquela época e só agora começa a entrar para o território das superstars, do novo cinema americano. Uma história um tanto complicada tem, para compensar, um desenvolvimento linear e, como em todos os filmes desta última safra, requintes especiais.
A Cinemateca continua fechada e as sessões extras estão suspensas. Para o próximo dia 15, o Itália promete um lançamento especial: em substituição à comédia australiana "Bici Voadoras", de Brian Trenchard-Smith, o inédito "Camorra", de Lina Wertmuller. Afinal, um filme adulto e importante nesta época de reprises e continuações.
LEGENDA FOTO 1 - Dennis Quaid e Louis Gosset Jr. em "Inimigo Meu", um science-fiction de mensagem humana e pacifista. Em exibição no Vitória, que fecha definitivamente no dia 29 de janeiro.
LEGENDA FOTO 2 - A bela Jennifer Connelly em "Labirinto - A Magia do Tempo", de Jim Henson. Um filme com toques mágicos em exibição no Cinema I.
LEGENDA FOTO 3 - "Gandhi", superprodução de Richard Attenborough, premiada com vários Oscars, volta a exibição. Agora no Cine Luz.
LEGENDA FOTO 4 - Richard Dreyffus em atuação marcante na comédia "Um Vagabundo na Alta Roda", de Paul Mazursky. Em exibição no Lido I.
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