"Fazenda Fortaleza", o grande projeto do cinema paranaense
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de janeiro de 1988
Se o ministro Celso Furtado, da Cultura, tiver o mínimo interesse em conhecer um bom projeto na área do cinema que poderá ser realizado no Paraná em 1988, o secretário René Dotti poderá lhe expor, com facilidade, um exemplar trabalho que vem sendo desenvolvido pela mais promissora cineasta paranaense: "O Drama da Fazenda Fortaleza", de Berenice Mendes.
Durante a programação que cumprirá nesta quarta-feira, em Curitiba, o ministro da Cultura deve - ao menos assim se espera - interessar-se em saber o que há de melhor em termos de projetos a serem desenvolvidos neste ano. E na área de cinema, nenhuma iniciativa mais ligada ao nosso Estado e que responde aos anseios de quem realmente sabe da importância de se valorizar as coisas do Paraná encontra-se desenvolvido já num roteiro definido e com a pré-produção em andamento: a transposição para a tela de uma das mais fascinantes histórias ligadas ao Paraná, baseada em fatos reais ocorridos no século XVIII na região de Castro.
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Berenice Mendes, 29 anos, uma advogada que trocou uma carreira no Direito pela disposição de fazer cinema no Paraná, há 8 anos vem se dedicando a passar para a tela suas idéias e propostas. Em 1980, realizou sua primeira experiência, o documentário em preto e branco "Como Sempre", documentando a visita do Papa João Paulo VI a Curitiba. Em 1982 fez o documentário "Comunidades Rurbanas", que serviu de suporte audiovisual para a prefeitura de Curitiba expor seu programa administrativo. "O Foguete Zé Carneiro", 35mm, em 1983, se constitui numa das poucas obras destinadas ao público infantil e nestes cinco anos já teve mais de 3 mil exibições. Em 1984, documentou "Londrina", num curta inteligente e criativo. Finalmente, em 1985, "A Classe Roceira" registrou a luta dos sem terras do Sudoeste - trabalho vigoroso que lhe valeu os dois principais prêmios no II Festival do Cinema Brasileiro de Fortaleza (agosto/87), após ter sido levado aos festivais de Gramado e Brasília.
Com trabalhos em vídeo - no final de 87 fez uma belíssima vinheta que a Secretaria da Cultura veiculou como mensagem de Natal e acaba de concluir outro trabalho para a Secretaria Municipal de Educação - Berenice vem trabalhando há mais de um ano no projeto "Drama da Fazenda Fortaleza".
Pela seriedade e honestidade, além de seu excelente relacionamento nos meios culturais, Berenice tem um grande crédito. Uma das razões que levaram o professor David Carneiro a lhe ceder, sem cobrança de direitos autorais, o seu romance "Drama da Fazenda Fortaleza", que escreveu há mais de 40 anos, com base nos relatos do naturalista francês Augustin César Porvençal de Saint Hilaire (1779-1853), que em sua viagem pelo interior do Paraná conheceu o drama registrado na Fazenda Fortaleza, na região dos Campos Gerais, na qual um rico e cruel fazendeiro, José Félix da Silva, manteve em cárcere privado, por anos, a sua esposa, Rosário, acusada de infidelidade e ter tentado assassiná-lo. O romance - cuja edição original teve capa e ilustrações de Theodoro de Bona e há muitos anos está esgotado - chegou a ter um resumo em inglês que, no início dos anos 50, chegou às mãos dos produtores Harold Hecht (1907-1985), na época associado ao ator Burt Lancaster, realizando uma série de filmes importantes. A força da história e imagens sugeridas chegou a interessar a Hetch e Lancaster, que fizeram um contato com o professor David Carneiro. Entretanto, o projeto não foi adiante.
Um quarto de século depois, lendo o romance, Berenice entusiasmou-se com sua força dramática e procurando o professor David Carneiro, conquistou sua simpatia e mereceu a confiança para ter os direitos legais de levar ao cinema este drama paranaense - mas com uma temática universal já que enfoca o amor, o ódio, as paixões e as implicações do poder, num universo único.
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Valêncio Xavier, 48 anos, homem de TV, roteirista, cineasta premiado e escritor, foi contratado por Berenice para desenvolver o roteiro, trabalho já concluído em seu primeiro tratamento. Com inteligência e objetividade, Xavier deu um grande dimensionamento ao romance do professor David Carneiro, conservando sues personagens e ação - mas estendendo a dimensão da história e valorizando especialmente o personagem Saint Hilaire, que esteve no Brasil, em viagens de estudos, de 1816 a 1822, quando coletou mais de trinta mil espécies de plantas com cerca de cinco mil desconhecidas dos cientistas da época.
Em sua viagem ao Sul, mais especificamente nos Campos Gerais, esteve na Fazenda Fortaleza e registrou os fatos ali acontecidos, num de seus livros - que viriam a ser detalhados pelo professor David Carneiro em seu romance.
Obviamente, um filme como "O Drama da Fazenda Fortaleza" é uma superprodução, já que envolve um mínimo de 25 personagens centrais e mais de 50 coadjuvantes, além de centenas de extras. O primeiro orçamento estipula um custo ao redor de US$ 700 mil (o que é ínfimo, frente as produções internacionais, hoje com um mínimo de US$ 10 milhões), mas é o que custou o filme "País dos Tenentes", de João Batista de Andrade. Para levantar recursos necessários, a Documenta Produções Cinematográficas, empresa de Berenice e suas associadas, Lu Rufalco e Fernando Morini, terá que contar com o natural financiamento da Embrafilme e, no mínimo, mais 50 a 60% da iniciativa privada, através de recursos da Lei Sarney.
Numa demonstração de organização, Berenice distribuiu já na segunda-feira, um excelente trabalho detalhando seu projeto: em formato 30 x 31, 16 páginas, ilustrações de Guinski, é exposto uma síntese do argumento, detalhes do orçamento, dados biográficos de Saint Hilaire, Berenice, David Carneiro e Valêncio Xavier, além de cronograma possível e elenco previsto. Assim, se houver apoio para o filme ser produzido, as filmagens poderiam ocorrer entre abril/junho, com finalização até o final de outubro e pré-lançamento em novembro deste ano. Seu lançamento comercial, entretanto, só ocorreria em março de 1989. No elenco previsto, há nomes cogitados - como Marco Nanini ou Jonas Bloch para Saint Hilaire, Othon Bastos / Geraldo Del Rey para José Félix, Marieta Severo ou Christiane Torloni para a esposa Rosário, mais Silvia Buarque / Denise Mildon (Ana Luíza), Maurício Mattar / Paulo Vinícius (o índio Jaguar), Grande Otelo ou Mussum (para o escravo Benedito) e Stepan Necerssian (Firmino). Obviamente, são nomes cogitados - não havendo ainda possibilidades de contratos.
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A organização de Berenice, sua visão de marketing cultural - e a clareza com que expõe o seu projeto, fazem com que ela venha merecendo atenção de empresários e autoridades. O jornalista Francisco da Cunha Pereira Filho, editor da "Gazeta do Povo", e sempre um defensor dos grandes projetos paranistas, viu com simpatia a idéia, lembrando inclusive que em sua infância leu (e ficou impressionado) o livro do professor Carneiro, colaborador da "Gazeta do Povo" há muitos anos.
Em termos de projetos de cinema voltados ao Paraná, sem dúvida que Berenice Mendes merece ter o seu visto com atenção e respeito. Muito mais do que os eternos aproveitadores das tetas oficiais que buscam a Embrafilme e o governo do Paraná para sugarem subvenções para filmes que nada tem em relação ao nosso Estado - e que, estranhamente, estão conseguindo da empresa estatal (dirigida circunstancialmente por um paranaense), um tratamento "especial" que até agora foi negado a Berenice e a outros jovens cineastas do Paraná.
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