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Aramis

Frida, uma grande personagem mexicana

RIO DE JANEIRO - Os melhores filmes do FestRio vêm sendo apresentados na parte competitiva. Assim foi com o estimulante "Nem tudo é verdade", de Rogério Sganzerla, sobre a passagem de Orson [Welles] pelo Brasil (em 1942), o profundamento político atual "A história oficial", produção argentina e também exibido hors concours, "Frida - natureza viva" do mexicano Paul Deluc. Conhecido no Brasil por seu semidocumentário "México insurgente", que realizado quase 10 ano antes de "Reds" também tomou o jornalista e escritor John Reed (1875-1919) como personagem central (mas enfocando-o em suas atividades no México, em seu início de carreira jornalística), Deluc comprova neste emocionante "Frida" porque é respeitado como um [dos] principais realizadores do cinema mexicano. Biografando a pintora e ativista política Frida Kahlo (1908-1954), que foi esposa do muralista Diego Rivera, este filme de 108 minutos se constitui num painel do México entre os anos 20 e 50. Secretário geral do Partido Comunista Mexicano, Diego Rivera (interpretado pelo ator Juan Rosé Gurrola) e mostrado em seu aspecto bonachão e brincalhão, irritando inclusive a Leon Trotsky (Max Kerlow), que em seu exílio mexicano e constantemente provocado por Rivera ("Você e o camarada Stalin deveriam beber mais juntos"), enquanto outro moralista, o stalinista Siqueiros (Salvador Sanchez) não aceita a amizade que Rivera e Frida Oferecem a Trotsky. O roteiro de José Joaquim Blanco e Paul Deluc insinua inclusive uma paixão de Trotsky por Frida, mulher de intensa personalidade e que apesar de sofrendo dolorosos problemas físicos - poliomielite, uma perna amputada, atentados etc - manteve uma vida intensa, como artista, intelectual e militante comunista. Como artista plástica (e hoje é uma das mais valorizadas e reconhecidas pintoras íbero-americanas) - Frida Kahlo produziu óleos de intensa agressividade, imagens fortes, quase dilacerantes (e para muitos, desagradáveis), com vísceras à mostra nas emoções que procurava transmitir. Ao final do filme numa padiola, já em seus últimos dias de vida, Frida compareceu à vernissage com grande exposição em sua homenagem. No papel-título, Ofélia Medina, bela e competente atriz mexicana. Tem uma interpretação soberba. Belas seqüências externas, fotografia requintada de Angel Goded e trilha sonora no qual estão muitas canções revolucionárias, fazem de "Frida", um dos momentos altos do FestRio e lhe dariam, sem dúvidas, condições de uma segura premiação se estivesse na competição. Presente ao festival, Paul Deluc trouxe outro filme - "Oferecimento de La Calle" - este infelizmente programado apenas para uma matinal sessão no mercado de filmes, no qual também foram mostrados três outras produções recentes do cinema mexicano: "Los Olvidados" de Alejandro Pelayo, "El Pueblo Maya", de Carlos Velo e "De la vida de las mujeres". DO TERCEIRO MUNDO CINEMA - Uma das preocupações de Ney Shovlevich, diretor geral do FestRio, é a abertura para as cinematografias dos países latino-americanos e da África. O que justificou, já no ano passado, a inscrição de filmes ingênuos, primitivos em termos de cinema mas significativos por mostrarem os esforços de realizadores do chamado terceiro mundo. Assim, mesmo um filme esquemático e que normalmente não resistirá maior juízo crítico como "O Trem dos Leopardos", produção de Moçambique, dirigido por um cineasta iugoslavo (Zdravko Velimirovic), foi recebida com simpatia. Num mesmo dia, foram exibidos dois filmes latino-americanos: "A hora Texaco", do venezuelano Eduardo Barberene e "Tempo de morrer", do colombiano Jorge Ali Triana. Com o personagem central interpretado pelo brasileiro Rubens de Falco (numa ótima atuação, aliás), "La hora Texaco" é um filme interessante, abordando a crise de um homem de meia idade, em crise pessoal e profissional ao ser ameaçado de demissão na multinacional (Texaco) em que trabalha há 25 anos. Sua esposa (interpretada pela bela Maria Eugenia D'Avila) é uma mulher também em crise e acaba tendo um romance com um jovem auxiliar de seu marido - aliás numa excitante seqüência (a primeira mostrada, até na quarta-feira, entre os filmes em competição). A história é narrada através do filho do personagem central, um jovem jornalista, em [ilegível] de flash-back e mostra especialmente os aspectos da colonização cultural da Venezuela - conseqüência direta do domínio das multinacionais de petróleo naquele país. Mesmo não se aprofundando numa visão política (mesmo as menções ao movimento guerrilheiro não passam do plano superficial), "La hora Texaco" é um filme atraente, autopunitivo inclusive em sua "visão americana" de comportamento, ao citar , claramente, toda uma seqüência de "A primeira noite de um homem" (The graduate, de Mike Nichols) ao som de "Mrs. Robinson" (Simon e Garfunkel). GARCIA MARQUES NO WESTERN - Se "A hora Texaco" passou em brancas nuvens, o filme colombiano "Tiempo de morir" mereceu elogios e é mencionado como um dos favoritos para algumas das premiações a serem anunciadas sábado, noite de encerramento. Realizado por Jorge Ali Triana, 42 anos, atuante no teatro, televisão e cinema na Colômbia, "Tiempo de morir" é baseado no texto de Gabriel Garcia Marquez (Nobel de Literatura - 1982) que há 20 anos no México já havia tido uma primeira adaptação ao cinema, dirigida por Arturo kipstein. Posteriormente, o próprio Jorge Triana fez uma versão para a televisão, mas realizando agora (o filme foi rodado no primeiro semestre de 1985) numa produção ambiciosa, com investimento de US$ 2,5 milhões e a co-produção com o Icac, de Cuba (inclusive o fotógrafo e o cubano Mário Garcia). Bem narrado em termo cinematográficos, com bons intérpretes, "Tiempo de morir" tem a estrutura de um western, com uma história semelhante a tantos filmes americanos. Após cumprir uma pena de 18 anos, Juan Sayago (Gustavo Ingarita) retorna a sua aldeia, para tentar reconstituir sua vida. Entretanto, os filhos do homem que ele havia assassinado, em legítima defesa, desejam uma vingança de sangue. Reencontrando Mariana, (Maria Eugênia D'Avila), a mulher com quem ia casar-se quando ocorreu a tragédia, Juan procura evitar um confronto mas, no final, há um duelo doloroso. A narrativa é tensa mas esquemática, sem alteração em seu ritmo. O carisma de Garcia Marques - somado ao prestígio do também romancista Carlos Fuentes (que fez os diálogos) mais as boas interpretações do elenco central, fazem de "Tiempo de morir" um dos filmes aplaudidos no FestRio. Suas imagens trazem também um toque de contemporânea tragédia: Entre as localidades em que foi rodado, está a cidade destruída há três semanas pela erupção de um vulcão. LEGENDA : Um filme sobre a Frelimo, na luta pela independência de Moçambique - "O Tempo dos Leopardos", veio também para o Festival do Rio de Janeiro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
11
29/11/1985

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