Governo desapropria o teatro. E agora?
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de maio de 1988
O governador Álvaro Dias entendeu as razões do secretário René Dotti, excelente advogado, e assinou o decreto de desapropriação do imóvel no qual funciona o Teatro 13 de Maio. Muito bem, palmas!
Agora começa a demanda jurídica. Naturalmente, os proprietários do imóvel vão esgotar todos os recursos para conseguir o máximo de indenização, num processo que se arrastará por meses, talvez anos - e que no frigir dos ovos só será bancado pelo governador que suceder a Álvaro. Enquanto isto, o espaço cultural está preservado e se conseguiu fazer uma boa imagem: ao invés da rua 13 de Maio, em pleno setor histórico, ficar apenas com mais um estacionamento - como pretendiam os proprietários atingidos - se manterá uma área para atividades artísticas.
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Agora surgem questões práticas: quais os recursos para transformar o Teatro da Classe num espaço maior, com duas ou três salas de espetáculos como seus 1.100 metros quadrados comportam?
Mais importante ainda: como e quem administrará o espaço? Será mais uma unidade para a política oficial desenvolvida pela Fundação Guaíra?
Será entregue ao Sindicato dos Profissionais em Espetáculos? A grupos teatrais? Voltará à própria Associação dos Produtores de Espetáculos cuidar de sua administração?
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Desde que o incansável José Maria Santos - aliás, uma ausência notada na cerimônia de desapropriação do imóvel, realizada na tarde de terça-feira, 17, no Palácio Iguaçu - começou a pensar em "fazer um teatro para a classe", temos, em nossas colunas registrado a verdadeira odisséia cultural que foi a criação deste espaço.
Antiga malharia - uma das mais antigas de Curitiba, aproveitada depois, quando o cartunista Dante Mendonça presidia a comissão organizadora do Carnaval de Curitiba numa "oficina do samba", o local - antes um imenso barracão, sem qualquer infra-estrutura - ganhou as características de um bom teatro, anexo a um bar-restaurante, graças ao entusiasmo de uma pessoa cujo nome merece - e deve - ser lembrado: José Maria Santos.
Lapiano, 54 anos, o mais profissional dos homens do teatro no Paraná, honesto e trabalhador, foi José Maria, na condição de presidente da Associação dos Produtores Teatrais, que não apenas idealizou a criação de um teatro "liberto da esfera oficial", mas , fisicamente, ao lado de sua família, ajudou a reformar o velho imóvel - a partir do projeto do arquiteto La Pastina.
Foram meses de trabalhos, mendicância de verbas e auxílios até que o teatro foi inaugurado com "A Reputação do Quatro Bicos", comédia de Luís Groff que, encenada pelo próprio Zé - ator e produtor (Oracy Gemba fez a direção) ali permaneceu meses em cartaz.
O bar-restaurante dos fundos do teatro teve no fotógrafo Jesus Santoro o primeiro arrendatário. Depois, frente sua desistência, Zé o assumiu e o improvisou num café-político, apresentando o monólogo "Nem gay nem bicha", satirizando os pés roxos que chegavam ao Poder, com a vitória de José Richa sobre o grupo braguista.
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Quando deixou a presidência da Associação dos Produtores de Teatro, José Maria afastou-se também do teatro - que nestes últimos anos tem atravessado diversas fases, mas numa decadência grande. Paralelamente, o imóvel foi vendido pela família Heller - que o tinha alugado à associação - para dois comerciantes libaneses que, desde o início procuraram desocupá-lo. Travou-se então uma luta de resistência, concluída agora, com a decisão do governador Álvaro Dias, declarando-o de utilidade pública, possibilitar a sua desapropriação.
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Independente de qualquer análise mais profunda, nota-se que o antigo Teatro da Classe - rebatizado como Teatro 13 de Maio - vem funcionando precariamente. Parte do imóvel esteve alugado à milionária Dora Paulo Soares, proprietária de uma escola de balé e o bar-restaurante nos fundos, numa decadência de público (transformou-se em reduto gay) acabou fechando.
Para que se justifique a injeção de recursos oficiais nas reformas do espaço - além do próprio pagamento do imóvel, que por sua localização é valorizadíssimo - há que se definir o real aproveitamento do mesmo.
Não haverá sentido do governo investir milhões de cruzados - numa época de crise - num teatro que não atinja realmente suas finalidades. Pela extensão do imóvel, várias atividades podem ali ser desenvolvidas. Aliás, antes de sua transformação no Teatro da Classe, chegou a ser proposta, pelo cineasta e animador cultural Valêncio Xavier, na época diretor da Cinemateca (por ele idealizada e criada) o seu aproveitamento como um estúdio de filmagens e ampla sede para aquela unidade da Fucucu, abrigada, de forma tímida no porão do Museu Guido Viaro. Como tantas boas propostas, a idéia de Xavier não prosperou - perdendo-se assim uma excelente finalidade do espaço.
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Aparentemente há muito interesse de grupos teatrais em explorar o teatro. Aparentemente... Na prática, José Maria Santos sentiu, quando concluiu o teatro, que mais do que nunca as rivalidades, divergências e mediocridades afloram nestas ocasiões e esta foi a razão pela qual, como "Da Classe", o teatro não funcionou. Agora, neste mês de maio, o teatro ganha a sua salvação física, mas isto de nada servirá se não houver uma mostra de competência dos principais interessados.
Caso contrário, em breve, a Secretaria da Cultura terá apenas em suas mãos mais um abacaxi para ser descascado com o gasto - de muitos milhões.
LEGENDA FOTO - Zé Maria: o homem que fez o Teatro da Classe, hoje no 13 de Maio.
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