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Aramis

Grupo Delírio: inquietações juvenis

Apesar de se destinar, teoricamente, ao público infanto-juvenil, "Indiana Jones e o Templo da Perdição" (cine Condor, 5a semana) tem uma sequência capaz de fazer o público de estômago fraco sentir-se mal. É a do banquete em que são servidos serpentes, cérebros e olhos de macaco, insetos, e outras iguarias que a imaginação de Steven Spielberg colocou em seu filme, consciente de que o público destes anos 80 - inclusive o infantil - aceita esta forma de espetáculo. Edson França Bueno, 28 anos, curitibano do bairro do Xaxim, ex-estudante de desenho industrial, ex-militar, hoje apenas ganhando a vida no comércio e usando todas as horas de folga para dedicar-se às suas duas maiores paixões - o cinema e o teatro, cita a sequência do filme de Spielberg para justificar o aparente mau gosto e morbidez de sua peça "Um Rato em Família" (auditório Glauco Flores de Sá Brito, até o dia 5 em cartaz, 21 horas). Segunda peça que escreve (a anterior, "Mulher Bolero", foi montada no ano passado, no mesmo auditório), "Um Rato em Família" é inquietante, irritante e provocativa, mas não deixa de mostrar um autor de talento, preocupado em colocar em cena uma visão nada otimista do mundo em que vivemos. Influenciado, claramente, pelas leituras de autores como Beckert, Arrbal, Ionesco, com algumas imagens cinematograficas (afinal, Edson é um dos mais entusiásticos cinefilos desta cidade), "Um Rato em Família" propõe-se a ser uma livre alegoria dentro daquilo que se convencionou chamar de teatro do absurdo. Com admirável humildade, Edson admite as restrições que se possa fazer a esse espetáculo - que escreveu e co-dirigiu (com João Paulo Leão) - e que mereceu quase seis meses de ensaios de um idealista grupo amador, formado com alunos do Curso Permanente de Teatro. Justamente,porque se trata de uma montagem amadora, com texto original, faz com que se procure ver em "Rato em Família" suas (possíveis) qualidades, esquecendo-se os inúmeros aspectos negativos que a leitura mais rigorosa do espetáculo oferece. Num momento em que novamente a diretoria da Fundação Teatro Guaíra ofende a classe teatral, exigindo testes de profissionais reconhecidamente competentes para contratá-los na peça que um diretor de São Paulo aqui montará nas próximas semanas (fato que provocou revolta dos artistas paranaenses, conforme a televisão documentou), é salutar ver que o teatro amador, feito em bases honestas e sinceras, procura trazer sopros renovadores. Ao invés de um texto convencional e um espetáculo formal, Edson Bueno e seus companheiros do Grupo Delírio optou pelo caminho mais difícil e arriscado: uma peça sem linearidade, com imagens para múltiplas interpretações e exigindo inclusive grande esforço de seus intérpretes. Um clima de ficção científica ou terror, em local e época não definidos, com personagens absurdamente caricaturados, num ambiente cinzento, claustrofóbico e pesado, são fatores que fazem de "Um Rato em Família" uma peça cansativa para o espectador habitual. Surpreendentemente, porém desde a estréia, tem atraído um público entusiasta e participativo, inclusive numa apresentação feita na cidade de Palmeira, seguida de debates. De todos os caminhos que havia, o Grupo Delírio optou pelo mais difícil. Mas o fez com a sinceridade e a pureza dos idealistas que valorizam o teatro amador, num trabalho bem intencionado, que contou inclusive, com a colaboração do carioca Luiz Otávio Burnier ( responsável pela expressão corporal), levando ao palco um espetáculo que procura colocar novas idéias em discussão. Há 10 anos passados, Manoel Carlos Karam, Ari Pararaios, Dante Mendonça e outros "angry young men" tupiniquins, hoje não mais tão "young" ou "angry", mas, por certo, ainda men - através do XPTO, nos palcos dos Teatros de Bolso e Paiol, também faziam um teatro inquieto, provocativo e criativo. Anteriormente, outras propostas de vanguarda aconteceram; portanto, é natural que Edson, Leão, Silvia Maria, Aldice Lopes, Carlos Simione, Luiz Carlos Pazello, Maria Adélia e o produtor executivo da peça, João Luiz Fiani, se preocupem com um saudável questionamento cultural, com os excessos e erros naturais que à juventude se desculpa, mas sinceros nos propósitos. No caso de "Um Rato em Família", não se trata de gostar ou não gostar da peça, assim como acontece com filmes como "O Rei da Vela" (que aqui comentamos há duas semanas), mas de se procurar entender as propostas que seus autores-realizadores trazem. E estas são válidas e merecem prestigiamento. LEGENDA FOTO 1 - Um rato inquieto
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
14
04/08/1984

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