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Inezita, canto maior do Brasil verde-amarelo

Um dos mais belos momentos do IV Encontro de Pesquisadores da Música Popular Brasileira (sala Sidney Miller, Funarte, Rio de Janeiro, de 5 a 8 de março de 1986), foi quando a cantora Inezita Barroso (Inês Madalena Aranha de Lima, São Paulo, 4/3/1925) ofereceu um depoimento-show sobre a música brasileira, estabelecendo, lucidamente, as diferenças entre as linguagens que fazem da canção não urbana tão rica e diversificada - objeto, até hoje, de pouquíssimos estudos e de um único seminário ("Linguagens e Rumos da Canção Brasileira"), por nós idealizado e promovido em Curitiba, há 4 anos (maio/82, como evento paralelo do "Brasil de Todos os Cantos"). Com 36 anos de carreira, uma invejável marca de 64 LPs gravados ("Nem eu mesmo possuo exemplares de todos"), outro tanto de 78 rpm e compactos, Inezita é o maior nome da música folclórica brasileira. De formação musical desde os 7 anos (aos 11 já estudava piano) e uma carreira que chegou também ao teatro e, especialmente ao cinema, Inezita participou do primeiro filme em cores realizado no Brasil ("Destino em Apuros", 53 de Ernesto Remani), do clássico "Mulher de Verdade", também de 53, de Alberto Cavalcanti e, posteriormente, de "É Proibido Beijar", de Ugo Lombardi (pai de Bruna) e "O Craque", de José Carlos Burle, ambos de 1954. Em 1953, entre várias outras gravações, faria aquela que foi seu maior sucesso - "Marvada Pinga" (Laureano) - até hoje um clássico do gênero rural. Uma carreira notável, pelo número de canções interpretadas, dos mais diferentes autores, com vários LPs editados também no Exterior - (afinal, nada mais representativo da nossa música folclórica do que suas gravações), um trabalho de maior lucidez e sinceridade em favor da preservação de um gênero de profundas raízes, não foram, entretanto, suficientes para dar a Inezita uma condição de artista merecedora do status merecido. Tanto é que decepcionada pela Copacabana - gravadora na qual esteve ligada por quase 30 anos (ali, em 1955, fez seu primeiro LP, incluindo canções de Hekel Tavares; "Viola Quebrada", de Mário de Andrade e "Mineiro Tá Me Chamando" de Zé do Norte) - Inezita pediu rescisão de contrato e permaneceu quase três anos sem gravar. Só no ano passado, por uma pequena etiqueta - Líder, de São Paulo, com precaríssimo esquema de distribuição e divulgação, Inezita retornou ao disco, "mais para comemorar os 30 anos de carreira fonográfica" como nos contava ainda na noite de quarta-feira, 5, no Rio de Janeiro. Lamentável que um LP da importância deste "A Incomparável" tenha sido tão mal divulgado e comercializado, pois é realmente um documento desta cantora que, na feliz definição de Zuza Homem de Mello, ex-presidente da Associação de Pesquisadores da MPB, da "Jovem Pan" e "Estado de São Paulo", "é uma bandeira da nossa música mais do fundo do coração". Realmente, como diz o amigo Zuza, Inezita, tem uma respeitável relação de troféus, conferências, programas de rádio e televisão, shows de teatro, enfim, uma maravilhosa folha de serviços prestados à MPB. Diz Zuza - e concordamos: "Mas eu fico matutando: as gerações futuras, aqueles que não tiveram a oportunidade de viver a nossa época, quando ainda podemos ver e sentir a presença dessa receberão como única herança tangível de sua personalidade musical, o som dos seus discos. Sua voz alegre e retumbante, seu violão rasqueado ou ponteado esse legado é a música que Inezita vai deixar". Comemorando 30 anos de gravações - Inezita escolheu dez clássicos do que de mais belo se produziu na música brasileira de origens, fazendo deste LP realmente um grande documento: "Vida Marvada" (Almirante/Lucio Azevedo), "Piazito Carreteiro" (Luiz Menezes), "Joazeiro" e "Querer Bem Não É Pecado" (Oswaldo de Souza), "Guacyra" (Hekel Tavares/Joracy Camargo), "História Triste de Uma Praieira" (Adelmar Tavares/Stefana de Macedo), "Chua Chua" (Pedro de Sá Pereira/Ary Pavão), "Bolinho de Fubá" (Edvina de Andrade), "É Doce Morrer no Mar" (Dorival Caymmi/Jorge Amado) e "Ontem ao Luar" (Catullo da Paixão Cearense/Pedro de Alcântara). São todas, canções nordestinas, até uma mazurka mineira (Vida Marvada), canções simples - mas que, na voz de Inezita, se tornaram cromos sonoros de nosso Brasil. Inezita é Brasil com "S", verde-amarelo - Símbolo da resistência de nossa melhor música.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
31
16/03/1986

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