O canto do ódio, do sexo e até calcinhas com os bregas
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de março de 1986
Mulher Feiticeira/Tu és mensageira do Satanás...
Em sua voz rude, sem volteios, Antonio Marazona canta com ódio a musa que o decepcionou:
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo
Segue o teu caminho/Me deixe sozinho
Em paz no meu canto
Por onde tu for/Não existe amor/Não existe paz.
A "Mulher Feiticeira" (tu és mensageira do Satanás), carrega até a maldição do além túmulo no canto de Marazona:
Quando tu morrer ninguém/Vai querer chegar o teu caixão
Tua alma vai chorando/Gritando bem alto/Pedindo perdão
E eu aqui na Terra/Me pego com Deus/Para você não voltar mais:
ESTA IDIOTA, NEM DEPOIS DE MORTA ME DEIXA EM PAZ
Parceria de Antonio Marazona com Geraldo Nunes, "Mulher Feiticeira" é apenas um exemplo de uma música de imensa popularidade em várias regiões do Brasil, que mesmo discriminada pelos veículos de comunicação atinge milhares de pessoas: o brega. Marazona, cantor amazonense, fala de amores e traições, queixa-se da vida, enaltece as prostitutas ("Mulher Endereço", "Mulher Feiticeira", "Ingrata Mulher", "Garçonete Amiga", etc.), num disco (Gravason/distribuição Polygran) que deve ser apreciado com ouvidos sintonizados na sociologia e não na estética musical. Marazona - como centenas de outros intérpretes regionais - é autor/cantor da realidade de um Brasil de gente humilde, de bordéis, e de trabalhadores. E é graças ao êxito de um empresário-cantor, Carlos Santos, de Belém do Pará, que intérpretes como Antonio Marazona deixam os limites da Amazonia para se fazerem ouvir - e agradar, inclusive - até no Sul maravilha.
Carlos Santos vende tantos discos no Norte/Nordeste que hoje tem o seu próprio estúdio de som, uma etiqueta - Gravasom, com distribuição nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul a carga da Fonobras (no Norte/Nordeste ele próprio cuida da comercialização de seus discos). O sétimo lp de Carlos Santos é antecedido de um mix com "A Carta", na linha romântica-bregue que caracteriza seu repertório, com imagens de maior simplicidade - mas, para que negar?, com a força lírica que atinge a sensibilidade de tantos brasileiros:
Ontem sonhei contigo/Me acordei na solidão
Perdidamente em pensamentos/Quando o carteiro chegou
Fiquei emocionado/Senti uma onda de calor
Ao receber sua carta/Meu coração disparou
Outro compositor-intérprete bregue que vem pelo selo Gravasom é Carlito Gomes ("Quero Ter Seu Amor"), também cantando coisas do amor & desamor, mas já com um prisma baiano: "Praias de Salvador", "Cheia de Denguenguem" e "Baby".
No universo brega - tão intenso, rico em termos comerciais e sociais, mas ao mesmo tempo ignorado em termos de pesquisas e estudos - dezenas de artistas surgem, formam o seu público - sem, muitas vezes, ter uma única citação na imprensa nacional. Ismael Carlos, por exemplo, tem vários discos gravados aos quais acrescenta agora "Briguinha de Amor" (Tropical/Polygran). De uma simplicidade franciscana em suas músicas, Ismael Carlos traz letras como estas: "Seu jeito sensual e tentador/Lançou dentro de mim/O veneno do amor/Você me deixa, muito louco, alucinado/O seu fogo danado, minha cabeça virou".
Com menos quilometragem na estrada bregue, mas na mesma linha, Tato Junior ("Um Cantor Romântico", Tropicana/Polygran) interpreta especialmente bregues: Alipio Martins e José Orlando. Todos na mesma linha de romances frustrados, traições, saudades, que tanto caracteriza o espírito destes intérpretes tão queridos pelas camadas mais simples da população.
O BREGUE ERÓTICO - Um dos caminhos mais comerciais do bregue é o erotismo - muitas vezes quase a pornografia. O uso de expressões chulas, palavras de duplo sentido e imagens apelativas resulta em sucesso junto as camadas mais simples. Quem usa e abusa deste esquema é Alipio Martins (Continental, fevereiro/86), compositor e intérprete dos mais populares.
Em pelo menos cinco faixas de seu novo lp, Alipio não deixa por menos: faz quase o sexo explícito em termos sonoros. Por exemplo, em "Cheiro no Cangote", ela já insinua a vontade de "beijar inteirinha" a companheira (será Marcelle, sua parceira nas músicas?) mas é "Suga-me", a faixa seguinte, que tem o maior apelo ao sexo oral:
É hoje que vamos matar nossa sede de amor
Quero que V. esteja afim de mim também
Quero te amar e beijar o teu corpo todinho
Venha meu bem/Não me deixe sozinho
Quero te amar/Te dar muito carinho
Venha meu bem/Me abrace agora
Aproveitar os momentos/Que a vida nos dá
(refrão) Suga-me, Suga-me, Suga-me
Suga-me até que eu desfaleça de amor.
Depois do sexo oral, Alipio Martins mostra o seu lado fetichista em "Tira a Calcinha", nesta sem a parceria de Marcelle - a quem, possivelmente dedicou esta jóia rara:
Ela é minha, ela é minha
Cada vez que você passa/Eu fico sem graça
De pedir para ver/A cor de sua calcinha
Para saber se é a minha/que eu dei para você
Realmente, Alipio Martins é um bregue que justifica ser ouvido. Como humor e prova de abertura musical - em termos eróticos - está imbatível. Ah! Tem mais: ele incluiu também um pout-pourri que vai de "If I Had a Hammer", "Afrikaan Beat" e até "América", de Bernstein/Sondheim, no qual ele fez nada mais, nada menos, que uma "adaptação". Ah! Estes nossos bregas!
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